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19 abril 2012

Cisnes Selvagens


Há algum tempo venho desenvolvendo um fascínio pela China. Embora sua cultura milenar seja de fato interessante, não é daí que seu encanto para mim vem, e sim por uma indagação compartilhada por muitos: como um país de extensões continentais consegue sair da completa ruína e se tornar a segunda maior economia com a melhor educação básica em tão pouco tempo?

Chinese School, documentário da BBC e O grito de guerra da mãe tigre, livro escrito pela polêmica Amy Chua, fizeram com que eu começasse a compreender um pouco mais sobre os mistérios chineses: na China, a educação e o trabalho são encarados com uma seriedade impressionante. Se você acha ou achou sua carga de estudo pré-vestibular excessiva, pense duas vezes: durante os três anos do ensino médio, os alunos chineses enfrentam uma jornada que vai das 7:30 as 20:30. Antes disso, há uma hora de leitura e meia hora de exercícios físicos e depois, dever de casa. Nos fins de semana, muitos se dedicam (comprometendo uma parte grande do orçamento familiar) a aulas particulares – tudo em prol do Gao Kao, exame de admissão e símbolo do abandono do nepotismo que durante milênios dominou a China.

Essa dedicação generalizada, porém, não é o tema de Cisnes Selvagens. A partir de relatos de sua mãe e avó e de suas próprias memórias, Jung Chang conta a História da China no século XX com um olhar bastante privilegiado: ao mesmo tempo que é livre para criticar o maoísmo (razão pela qual o seu livro está no Index do Partido Comunista Chinês) por ser radicada em Londres, o seu olhar sob os acontecimentos é de um nativo, que sofreu na sua pele os acontecimentos e relata o passado sem o toque de apatia típico de um estrangeiro.

Como era comum na China no início do século XX (tal prática só foi extinta – e ainda sim parcialmente – pelos comunistas) a avó de Chang foi vendida a um general caudilho como cocunbina – a única maneira que seu pai encontrou de possuir uma vida e velhice confortáveis. A liberdade das mulheres em três diferentes épocas é abordada pela autora de forma bastante interessante: ao mostrar que seu bisavô não possuía interesse nenhum no bem-estar da filha e sequer pensou em pedir sua opinião sobre viver como cocunbina, é óbvio a inexistência de emancipação feminina na China no início do século passado.

Cisnes Selvagens não seria tão interessante se as mulheres nele retratadas não fossem corajosas, e assim, na iminência de perder sua única filha (De-Hong, mãe de Chang), a valente cocunbina foge do julgo de seu senhor. A sorte também acompanha estas mulheres: graças a estabilidade da China, a fuga é bem-sucedida e ela consegue até mesmo casar de novo.

Em menos de cinqüenta anos, três governos completamente diferentes entre si assumiram a China. O ódio dos chineses pelos japoneses se tornou bastante compreensível para mim: enquanto a maior parte do povo chinês não possuía nem um punhado de arroz, as autoridades japonesas faziam banquetes fartos. Até mesmo ser melhor que um japonês em algo era considerado uma ofensa: uma colega da De-Hong (mãe da autora) viu sua vida ser arruinada por ter vencido uma garota japonesa em uma competição de corrida.

Ambos os pais de Jung Chang se juntaram aos comunistas exatamente por isso: pelo cansaço de ver a população submissa seguidamente a diferentes governos, com fome ao lado da fartura. Em prol de seu sonho, ambos fazem muitos sacrifícios e depois de uma guerra civil e muito trabalho duro, uma China mais justa começa a dar as caras.

Mao Tsé-Tung, líder da China na época, parecia não gostar da estabilidade – e é com muita mágoa que Chang conta a destruição rápida de tudo que seus pais e muitos outros lutaram para conseguir. Se 1984 tivesse sido escrito antes de tais acontecimentos, eu até mesmo diria que Orwell retirou do maoísmo inspiração para seu mundo distópico: a falsificação dos fatos, destruição de tudo que é anterior (durante a Revolução Cultural, perdeu-se boa parte dos livros na China), tentativa de manipulação do pensamento, culto à personalidade de um líder e transformação de cidadãos comuns em agentes do regime são armas tanto da fictícia Oceania quanto da muito real China nos anos 60 e 70.

A História da família de Chang funde-se com a da China, e isto torna a leitura mais palatável – embora em alguns pontos mais dura. Na medida em que comecei a gostar dos “personagens”, ver as injustiças aos quais eles foram submetidos tornou-se algo ainda mais repulsivo, e o fato de que isso pode ser multiplicado (embora de forma diferente) por quase 800 milhões de pessoas (população da China na época) torna tudo pior ainda.

Um mês de Chang, sua mãe ou avó equivale a acontecimentos de uma vida para a maioria de nós, e isso pode tornar o livro bastante confuso em alguns pontos. Já estava lá pela metade quando descobri uma linha do tempo no final do livro, que facilitou bastante a compreensão. O número de “personagens” (e seus complicados nomes chineses) também é, por vezes, uma barreira.

E mais uma vez o Desafio Literário abre novos horizontes para mim: desta vez, não graças ao tema escolhido, e sim ao gênero do livro que escolhi. Embora ler ficção seja por si ótimo, a não-ficção, quando bem executada, tem o charme único da realidade.
Nota: 4.5/5
Esse post é parte do Desafio Literário 2012.