27 agosto 2012

O torreão


Como escritora, Jennifer Egan só tem um defeito: ela está viva.

Sim, detesto quando meus ídolos são pessoas com sangue correndo nas veias e ar nos pulmões: qual a garantia que possuo que eles não irão me decepcionar? A inexistência dessa possibilidade me agrada muito, mas infelizmente não é o caso de todos os grandes escritores. Ou felizmente: eles podem superar suas obras anteriores. Mas prefiro não correr o risco.

A expectativa de uma boa experiência literária, porém, supera o receio de que esta seja uma porcaria completa – e foi assim que parti para a leitura de O torreão.

Danny era o típico galã de filmes adolescentes americanos: jogador de futebol bonito popular bom aluno... Mas ir fazer a faculdade em Nova York o modifica bastante: Danny abandona a faculdade, adota um visual mais “alternativo” e, contrariando o que lhe foi ensinado, passa os dezesseis anos seguintes pulando de emprego em emprego e levando uma vida bastante arriscada e boêmia.



Mesmo com todos os contratempos, Danny se adapta e não cria pretensões de sair de Nova York – mas um problema sério no trabalho (a parte “arriscada” que veio depois de vida) o obriga a fazê-lo. Danny não tinha um tostão, mas a oportunidade perfeita acaba surgindo como mágica: um convite de seu primo Howard (detentor do título de ovelha negra da família antes do seu sucesso no mercado de ações e da mudança de Danny) para ajudá-lo na reforma de seu recém adquirido castelo na Europa que, caso tudo dê certo, se tornará um hotel.

Algo bastante claro em A visita cruel do tempo (primeiro livro de Jennifer Egan a ser lançado no Brasil, meu queridinho e ganhador do Pulitzer) é que a autora sempre arruma um jeito de subverter o que seriam as regras comuns para se fazer boa literatura. Dessa vez, Egan cria um protagonista peculiar à la Chuck Palahniuk: dentre os (muitos e em sua maioria inúteis) talentos de Danny estão detectar sinais de wi-fi antes mesmo de ligar aparelhos eletrônicos e um enorme feeling sobre como agir. Seu vício em computadores e celulares é também marcante, fazendo com que o leitor, invariavelmente, ou se identifique (meu caso) ou ria da maior parte das pessoas a sua volta.
O maior trunfo de O torreão é o mesmo de A visita cruel do tempo: a maneira com que é escrito. Quase todo o livro é narrado por Ray, um presidiário que freqüenta uma oficina de escrita e é aparentemente alheio a história que narra. A escrita cambaleante de alguém não habituado a tal exercício (mas ao mesmo tempo capaz de maximizar as emoções de um modo maravilhoso, habilidade que só aqueles de corpo e alma enjauladas parecem ter) é perfeitamente reproduzida. No início isso me gerou certa ansiedade (quero saber o que acontece depois tipo agora) mas depois adorei os trechos em que Ray dá um tempo na narrativa ocorrida no castelo e a alterna com sua própria vida na prisão. 

Porque, Jennifer Egan, por que? Porque tenho que gostar tanto dos seus livros assim? Você é capaz de escrever algo ruim? Espero que não: seus escritos são tão bons que quase desejo que você viva e produza por muitos anos mais.


16 comentários:

  1. Oi isa, sua resenha está ótima!! Confesso que me diverti bastante lendo alguns de seus pensamentos aqui nesta resenha! Adoreeiiiii ... e parabéns mais uma vez né!
    Todas resenha que li de 'O Torreão' foram bem positivas, mas eu mesmo não tive aquelaaaa curiosidade pelo livro, mas pretendo ler quando surgir a oportunidade!!

    xoxo
    http://amigadaleitora.blogspot.com.br/

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  2. Mais uma das suas ótimas resenhas, Isabel :) Sou bem diferente de você nessa questão dos ídolos. Claro, podem decepcionar. Sempre há essa possibilidade. Mas como você pode não preferir que aquela pessoa ainda esteja por aí, na ativa, produzindo mais daquele conteúdo de que você tanto gostou?

    Sobre o livro: tenho mais vontade de ler A Visita Cruel do Tempo (eu gosto muito desse título), mas tenho certo receio porque parece... Como explicar? Literatura muito ~séria? (Isso vindo de uma estudante de Letras. Mas) (Na verdade acho que é só frescura minha, eu devia mesmo pegar pra ler, principalmente porque YA já não me agrada muito e clássicos ando lendo seguido pra faculdade).

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  3. Bem, é a primeira vez que leio alguém falando que prefere seus autores mortos - e isso faz todo sentido! Agatha Christie não tem mais como decepcionar seus leitores! Muito bem colocado, ótimo ponto de vista.
    Essa é a primeira resenha que li sobre esse livro e, devo confessar que nem sabia que havia uma história de ficção por trás desse livro. Não sei por que, mas sempre achei que fosse um livro bem diferente, não sei explicar como. Gostei, acho que um dia vou abrir uma brecha na minha interminável lista de leitura para ler algum livro da autora.
    Ótima resenha, muito bem escrita, muito bem construída. Parabéns!
    Beijos.

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  4. Oi, Isabel :)

    Poxa, eu já acho bom que o autor esteja ainda escrevendo bons livros, para eu me deleitar cada vez mais com suas obras literárias. ^^

    Bem, eu nunca tinha parado pra prestar atenção no enredo desse livro, mas fiquei curiosa com o rumo dos acontecimentos.
    Lendo assim, parece um enredo simples, mas por trás disso tem algo de muito complexo.

    Bjs ;)

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  5. Oi Isabel, não curto muito esse tipo de livro, gostei da sua resenha, mais não foi o suficiente para comprar o livro, talvez se eu ganhar, mais mesmo assim ainda tem a possibilidade de eu não ler..

    bjs
    http://dailyofbooks.blogspot.com.br/

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  6. Seu blog é um daqueles que tenho medo de visitar: sempre que entro pra ler uma resenha que você fala bem do livro, não dá em outra, fico morrendo de vontade de lê-lo.
    Hoje já foram dois pra minha lista de desejados, rs
    Sua resenha ficou muito bacana! Esse livro também parece ter uma ótima proposta! Fiquei curiosa para saber qual o estilo da escrita de Jennifer...

    Beijinhos!

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  7. Adorei. Sem mais. Parabéns pela análise e resenha diva :Ç
    Achei linda essa capa da Intrínseca #nha
    Quero ler esse livro, a história me atraiu ;)
    Sucesso SEMPRE, Beeijão ;*

    Ewerton Lenildo - @Papeldeumlivro
    papeldeumlivro.blogspot.com

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  8. Oi Isabel, eu não sei se tenho curiosidade de ler esse livro, principalmente porque tem uma história que não parece ser nada atrativa. No entanto, tenho que admitir, nunca vi um comentário sequer negativo sobre a escrita da autora, e isso me faz ter que dar um crédito extra à obra. Acho que um dia lerei.

    Beijos

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  9. Oi Isa
    esse livro foi uma decepção pra mim rs
    Admito que peguei uma certa implicância com o mundo surreal que a autora cria, e com os personagens...mas ainda pretendo ler outra obra para firmar minha opinião.
    Só posso dizer que Egan não é para mim.
    bjos

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  10. Nunca li nada da Jennifer Egan, na verdade, nem conhecia nada sobre ela. Talvez até tenha já visto os livros dela (acho que já li sua outra resenha, não tenho certeza), mas nunca me chamaram atenção. Mas agora, fiquei inclinada a ler os livros dela. Ela parece ser uma escritora extraordinária!

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  11. vc gosta que seus ídolos estejam mortos? :O qual é a garantia que vc tem que eles não vão te surpreender mais ainda ??
    espero que todos meus idolos (os vivos) vivam mt. posso conviver com a decepção, mas a cada expectativa superada.. nossa, sem valor. nada paga ;)

    adorei a resenha, by the way!

    bjs

    http://www.amodernpinup.com

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  12. Que incrível a sua resenha, o começo dela, particularmente, foi minha parte preferida. Gostei de como você acha melhor que seus ídolos estejam mortos. UAHSUUAUSAU Nunca vi alguém dizer isso. Faz sentido, mas eu ainda os prefiro vivos.

    Beijos. Tudo Tem Refrão

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  13. Esse seu começo foi genial. Concordo com você que quando os autores estão mortos eles não tem como nos decepcionar mais, afinal, nada novo vai aparecer (se aparecer, corra). Mas quando a gente gosta tanto de um autor, como você gostou da Jennifer, acho que a gente quer que ele viva por mais e mais anos, e até as decepções são esperadas. Enfim...
    Você é a primeira pessoa que declara a paixão pela Egan de uma forma tão aberta assim. Juro pra ti que quando colocaram ela e o McEwan na mesma mesa na FLIP, eu sabia que essa mulher tinha TUDO pra ser ótima. E aqui estou eu, à espera de que algum livro dela apareça aqui em casa.

    Um beijo,
    Luara - Estante Vertical

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  14. Prefere autores mortos? Eu nunca tinha pensado nisso admito, mas achei sua teoria interessante. Quanto ao livro nunca li nada da autora, mas a historia me pareceu bem legal, espero um dia ter a oportunidade de ler.

    Beijos Bruna.
    Sweet Shyness

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  15. Diferente sua preferência em gostar de autores mortos, entendo que assim eles podem não te decepcionar, mas ter autores favoritos vivos traz uma, nem que seja mínima, esperança de um dia vê-los de perto e sei lá, vê-los de perto '-' aushau'
    Mas enfim, não sabia do que se tratava esse livro, estou curiosa em ler as obras dela e ver se gosto ><

    Beijos
    mon-autre.blogspot.com.br

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  16. Bel, MORRO de vontade de ler A visita cruel do tempo. O torreão, no entanto, embora me agrade, só se tornou de fato opção de leitura após essa sua resenha, sempre tão argumentativa e muito bem escrita. :D A Jennifer parece ser do tipo de autora impressionante que escreve com a finalidade de impressionar, e ela está conseguindo isso...

    Um abraço!
    http://universoliterario.blogspot.com.br/

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