04 março 2015

A faca sutil (livro)


Aprendi cedo o valor de um escritor que confia em seus leitores. A primeira dica foi a série Desventuras em Série, na qual Lemony Snicket não hesita em criar um mundo cheio de referências bem escondidas e informações que muitos considerariam complexas demais para crianças. Depois, ganhei de presente Harry Potter e a filosofia, que como muitos manuais quase oportunistas, mostra como o pensamento de vários filósofos está presente nas histórias do bruxinho.

Por que é um fato que leitores (mesmo queda mesma faixa etária) tenham vários níveis de compreensão diferentes sobre a mesma obra. Um livro sozinho é só um calhamaço de papel e tinta (ou algo ainda mais insignificante: bytes na nuvem) e só se torna uma coisa de fato fantástica quando misturado as várias experiências de seus leitores.

A série Fronteiras do universo, iniciada por A bússola de ouro (resenha aqui) é um expoente fantástico disso. Phillip Pulmann não despreza seu provável público (crianças e adolescentes) e insere questões complexas sobre religião, o bem e o mal, não tão visíveis assim no primeiro livro da série, mas essenciais em A faca sutil, sua continuação.

[A partir daqui, teremos spoilers de A bússola de ouro.]

Em A bússola de ouro, somos apresentados com um universo onde existem milhares e milhares de mundos – todos eles com alguns detalhes em comum, mas com pequenas diferenças que determinam fortemente os seus rumos.

Por isso, no início do livro deixamos um pouquinho de lado a Oxford da destemida Lyra Belacqua e vamos para um mundo bastante conhecido: o nosso. Nele, vive Will, um garoto de doze anos que não conhece o seu pai e tem a incrível responsabilidade de cuidar de uma mãe esquizofrênica. Quando um trio de desconhecidos começa a persegui-la, porém, Will a esconde na casa de uma amiga da família e decide tomar uma decisão que fez parte da vida da maior parte das crianças: fugir de casa.

No caso do garoto a fuga o leva a Oxford, onde ele encontra uma janela para outro mundo: Citágazze, um decadente lugar de clima tropical sem adulto nenhum por perto. Lá também está Lyra, que seguindo o seu pai, Lorde Asriel, foi parar nesse estranho lugar onde as pessoas não tem deamons e temem Espectros tanto quanto a Igreja de Lyra teme o Pó e a nossa a maçã de Eva.

Quem lê minhas resenhas sabe que não sou fã de colocar literatura de entretenimento “pensante” acima de livros feitos para pura diversão, mas após a leitura de A faca sutil, percebi que uma exceção seria bem vinda. A complexidade e as críticas apresentadas em Fronteiras do Universo se expandem de um jeito que deixaria George Martin babando de inveja, abrindo interpretações e lados. Antes de tudo, também, uma guerra se inicia: uma guerra contra a Autoridade, que quer destruir o malfadado pó – tudo que há de ruim e questionador, a essência humana por si só.


Phillip Pulmann criou um tipo de livro raro na literatura infanto-juvenil: Fronteiras do Universo estimula o questionamento da autoridade, da religião e de tudo que é geralmente visto como óbvio e imutável. Talvez por isso a série não tenha feito devido sucesso e tenha sido até mesmo perseguida em alguns países – uma pena, mas esperado. Mas seja para pensar nas suas próprias crenças ou simplesmente mergulhar em mundos paralelos por algumas horas, A faca sutil e os outros livros da série são indicadissimos.  

1 comentários:

  1. Oi Isabel, tudo bem?
    Eu já ouvi e li sobre essa série, porém ainda não tive a oportunidade de ler. Parece ser bem interessante, e o que achei mais legal é o fato do autor não ter medo de colocar questões complexas. A dica está mais do que anotada.
    Abraços,
    Amanda Almeida
    http://amanda-almeida.com.br

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