Alguns livros não são feitos para
serem lidos em determinados momentos – seja por tema, densidade ou
até mesmo o humor do leitor, aquele casamento entre uma boa obra e
sua hora certa é maravilhoso quando acontece, maximizando a
experiência da leitura. Norwegian Wood foi uma escolha pobre
para quem acabara de chegar em um novo país e via-se no limbo entre
férias de fato e aulas, não compartilhados por sua família
hospedeira ou amigos intercambistas.
Bom.
Digo isso porque nos meus dias de
pseudo-descanso pré-aula cheiraram à solidão e nolstagia, talvez
as palavras (junto com “melancolia”) que possam melhor
classificar Norwegian Wood.
O primeiro se deve a uma caracteristica
central e talvez incurável do protagonista, Toru. Kizuki, seu único
amigo suicidou-se no seu aniversário de dezessete anos, deixando-o
com a sua namorada, Naoko, uma garota tímida e bonita que fecha em
uma concha seus inúmeros problemas e personalidade.
Ainda assim, durante punhados e
punhados de domingos seguidos, os dois compartilham as suas saudades
e melancolia em uma estranha amizade que raro incluía risos e
conversas, mas trazia uma espécie estranha de conforto e felicidade
para ambos. Não raro nos frustramos por nossas amizades não serem
como em um livro de John Green, cheia de conversas filosóficas
bonitas e momentos ímpares e inesquecíveis, mas com livros com
Norwegian Wood não é difícil lembrar que, como todas as
coisas na vida, uma amizade verdadeira vem em diversas formas;
nenhuma superior a outra.
Não demora para que a frágil Naoko,
porém, se quebre, e ao chegar da faculdade, Toru tem só um aviso –
ela havia abandonado os estudos para ir viver em um sanatório, até
que as feridas inflingidas pela morte de Kizuki e o cruel e imenso
mundo em geral fossem curadas.
Toru em sua versão jovem (o livro é
contado pelo seu ponto de vista aos trinta e sete anos) tem um olhar
extremamente ciníco e desanimado quanto a vida. Todos temos aqueles
dias onde há a ausência de tristeza mas, ao mesmo tempo,
experimenta-se uma apatia quanto ao universo, como se nada pudesse
causar dor ou prazer. É assim que nosso personagem é, não o tempo
todo mas boa parte dele, su vida resumida em comentários irônicos
sobre os seus colegas (“pseudo-revolucionários” aos seus olhos)
e livros.
A exemplo de O apanhador no campo de
centeio (mas talvez de forma menos intensa que este) Norwegian
Wood não há o que podemos chamar de um “plot”, aquela linha
de acontecimentos bonitinha com começo, meio e fim que faz parte da
maior parte das histórias de ficção escritas. Não, temos todo o
processo de amadurecimento de Toru e seu romance com Naoko, mas os
acontecimentos do mesmo não são lineares, não há conflito e
resolução.
Em certos gêneros literários há de
se evitar tal inconstância, mas no caso de Norwegian Wood ela
funciona muito bem: assim como nossas lembranças não tem começo,
meio e fim, as de Toru também não. Há uma crueza na escrita de
Murakami (principalmente quando se trata de descrições) que deixa
os personagens mais vivos, como se à nossa frente, com forma, cheiro
e dores.
Há só um defeito (um pouco grande, na
minha opinião) em Norwegian Wood: em meio a tanta melancolia,
descrições fantásticas e uma tristeza tão densa de forma a cortar
o mais duro dos corações, há pitadas de machismo. GRANDES pitadas.
Sim, sei que o objetivo do escritor deve ser retratar a sociedade em
que os seus personagens estão inseridos (nesse caso, a japonesa) da
maneira mais verossímil. Mas precisava, Murakami, colocar o
preconceito de gênero de maneira tão naturalizada nos pensamentos
de Toru? Creio que Norwegian Wood podia – e bastante –
passar sem essa.
Melancólico e triste como é,
Norwegian Wood é um romance de formação a altura de As
vantagens de ser invisível – um pouco mais pesado e sofrido
que este, mas com igual qualidade, um romance de formação que
quebra nosso coração em pedacinhos e nos deixa insones com questões
existenciais passeando em frente aos nossos olhos. A ausência da
combinação entre momento e livro não impede que a leitura seja
boa, ainda bem. Mas um conselho? Se estiver triste ou sozinho, passe
longe. A literatura deixa impressões maiores do que se poderia supor
para um bolo de papel...
Sou louca para ler os livros do Murakami! Gosto tanto da cultura japonesa, mas a coisa que menos conheço de lá é a literatura. Quanto ao machismo que você mencionou, eu não sei se de fato o escritor é machista ou retratou um personagem machista, mas é bem comum no Japão. Há famílias mais tradicionais que a esposa só senta no banco de trás do carro e caminha atrás do marido, quando não dormem separados. É uma relação bem fria.
ResponderExcluirÉ, eu sei :( É complicado isso, mas é uma coisa bem profunda no livro, sabe? Acho que poderia passar sem...
ExcluirBah, esse livro não cairia bem agora para mim também. Até me interesso por uma narrativa assim, mas não agora. Não conhecia o livro, mas achei bem interessante, mesmo depois de igualá-lo com As vantagens de ser invisível, que não gostei.rs
ResponderExcluirBeijos ><
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