Já
comecei Orange is the new black com uma encrenquinha de leve
com a série: a escolha de protagonista é um pouco duvidosa. Piper,
a supracitada, não é exatamente uma figura que se esperaria
encontrar em uma prisão – com diploma universitário e dinheiro no
bolso, ela leva uma vida bastante confortável no círculo de classe
média alta de Nova Iorque.
Mas
mesmo não fazendo parte das estatísticas gerais, todos temos
passado, e o de Piper envolve, dez anos antes, um namoro conturbado
com uma traficante internacional de drogas. Graças a uma confissão
de alguém do cartel, ela é condenada a quinze meses em uma prisão
federal por transportar dinheiro proveniente do tráfico, sendo
retirada então de seu noivo, Larry (um escritor-em-potencial
esperando que o seu próximo texto estoure) e de seu próspero
negócio de sabonetes artesanais.
Chegando
na prisão, começa a minha óbvia encrenquinha: lá, Piper é ainda
menos do que uma exceção – ela é um acidente que diversas
nuances de um sistema social complexo, parcial e injusto raramente
deixam acontecer. Se a proposta de Orange is the new black é
mostrar o cotidiano em uma prisão, porque colocar uma figurinha tão
inusitada na linha de frente? Seria o mesmo medo do preconceito que
impede que autores brasileiros ponham galãs negros em nossas
novelas?
Esta
pergunta não posso responder, mas temi, durante o primeiro episódio
de Orange is the new black, que o seriado caísse em um erro
que até o grande George Martin cometeu – o complexo do grande
salvador branco, onde um membro de alguma espécie de maioria social
chega e “resgata” os pobres e impotentes oprimidos. Como se os
mesmos não soubessem o que é melhor para si mesmos ou não tivessem
a capacidade de lutar.
Esse
arquétipo é tão comum e não raro passa despercebido (até mesmo
para uma certa autora que teme ter escorregado com isso em seu livro,
Desconectada, mas também espera que isso seja corrigível na
revisão), mas a sua feliz ausência me fez respirar aliviada. Não,
mesmo que Piper seja a protagonista, lá pelo terceiro episódio
vemos as luzes se desviando por mais da metade do tempo do programa
de sua história e dramas, explorando melhor a vida pregressa de
outras detentas.
Há
Red, a poderosa russa que controla a cozinha – e, portanto, boa
parte da prisão; Burset,
uma transsexual que enfrenta o problema da falta de hormônios
necessários para a manutenção de sua mudança;
Dayanara, a segunda geração de sua família naquela prisão e
Claudette, companheira de cela de Chapman que mais parece um baú de
segredos trancados.
Se
bem contadas, as histórias de todos nós podem ser interessantes –
e é justamente isso que Orange is the new black é: uma
história bem contada. Embora baseado em um livro de memórias (a sua
autora, homônima da protagonista, passou meses encarcerada) não
tenho como saber ao certo o seu nível de veracidade. De qualquer
forma, funciona: os dramas de dezenas de mulheres presas são
contados de forma desesperadora; mas os dramas que as mesmas tem
entre si dentro da prisão quebram o tom pesado e muitas vezes
assumem como uma comédia sarcástica, a comédia daqueles que,
diante da falta de opção, colocam rir como sua escolha.
Com
treze episódios, Orange is the new black foi um dos primeiros
seriados a ser lançado por completo, todos os seus capítulos no
mesmo dia. Sim, alguém (nesse caso, a Netflix) teve a brilhante e
extremamente óbvia ideia de que deixar espectadores esperando por
semanas a fio não é exatamente algo bom. Segunda temporada,
maratona jogada na cama e pote de sorvete, venham logo.
Minha irmã resolveu ver esse seriado, e disse que é muito engraçado!
ResponderExcluirClara
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