Segundo Osvald de
Andrade, dá pra ter poesia até na dor e no elevador – mas a
ficção as vezes parece ter se esquecido disso.
Seguindo a tendência
adotada por filmes hollywoodianos, é hábito de muitos escritores só
mostrar o lado belo da coisa, mesmo quando retratando coisas que na
vida real nunca são boas. A morte de ente queridos, a pobreza
extrema e até mesmo algumas doenças entram nesse jogo artificial de
maquiagem – anorexia e cleptomania são hoje escolhas comuns de
vamos-dar-um-problema-para-este-personagem pelo glamour embutido na
magreza e no material.
Esse mundo embelezado e
cheio de glitter nem sempre me desagrada – doenças deixadas de
fora, por que não ter uma visão mais suavizada das coisas as vezes,
quando o dia a dia já é difícil demais? Sair disso, porém, é
sempre bom – fiquei feliz, portanto, ao ler Dark Places. Dois
adjetivos que cabem para este livro? “Cru” e “sujo”, eu
diria.
Em meados dos anos 80,
na fictícia cidadezinha americana de Kinakee, no Kansas, viviam os
Day – que poderiam ser os típicos agricultores de filme do sul
estadunidense, bronzeados e felizes, se não fosse por uma crise
econômica que lhes tira parte esmagadora de sua renda. Abandonada
por seu marido, Hunter, a matriarca da família, Patty, faz de tudo
para conseguir sustentar seus quatro filhos – três meninas e um
menino, Ben, de quinze anos, que com a adolescência se torna obscuro
e irrascível.
De pão a sabonete,
tudo falta para os Day, menos rumores. Ben está na boca de todos na
cidadezinha onde moram, sendo acusado de executar rituais satânicos,
óbvia fonte de ódio e olhares tortos de vizinhos.
A má imagem do Ben na
cidade provavelmente é um empurrãozinho para que ele seja condenado
a prisão perpétua pelo assasinato de sua mãe e de duas das suas
irmãs – a única prova é a palavra de Libby, a mais nova, então
com sete anos e única sobrevivente. Sem muitas investigações, Ben
é trancafiado e Libby motivo de atenção nacional.
Quase trinta anos
depois, Libby é, ao mesmo tempo, um lixo de pessoa e alguém a se
sentir pena – nunca conseguiu manter um emprego, sobrevivendo de
doações. A fonte, é claro, seca um dia, levando a má sucedida
mulher a procurar desesperadamente por maneiras de ganhar dinheiro
que não envolvam trabalhar de fato.
É claro que, depois de
três décadas, o interesse nela é pouco – foram-se as
oportunidades de contratos de livros e palestras motivacionais, nas
quais, apesar da insistência de seu advogado, Libby nunca aparecia.
O fato é que ocorrem muitos desastres em um país tão grande, e uma
garotinha deixada orfã por um irmão psicopata nos anos 80 não
atraí a atenção de muita gente – pelo menos não gente
considerada sã.
O que não é o caso,
felizmente, de um grupo que Libby encontra – detetives amadores
obcecados com massacres, eles lhes dão dinheiro o suficiente em uma
ou duas horas para que ela possa pagar o aluguel. O que ela não
esperava, porém, é o início de um curioso questionamento: Ben
assasinou ou não toda a sua família?
Não é a minha
primeira experiência com Gillian Flynn – há algum tempo, li
Garota Exemplar, e gostei bastante. Dark Places não é
nem de longe tão surpreendente e de tirar o sono quanto a esse
último, mas tem personalidade, assim como seus personagens. Não me
entenda mal: todos em Garota Exemplar são maravilhosamente
contruídos, mas como se identificar com alguém tão inalcançável
como Amy? Todos em Dark Places, por sua vez, parecem um
pouquinho com alguém que conhecemos, e essa familiaridade empresta
ao livro um senso de realidade gigantesco – diferente do que
geralmente ocorre em romances policiais que envolvem
massacres. Gillian se esforça no sentido de fazer com que o leitor se
identifique com Libby – não necessariamente por personalidade, mas
sim por sentimentos. Libby está o tempo inteiro com medo ou raiva,
tendo uma sinceridade ímpar em admiti-lo. Foi esse aspecto que fez
com que Gillian Flynn fosse bem sucedida – afinal, somos todos
Libby Day, mesmo que só um pouquinho.
Oi, Isabel! Que bacana entrar em seu blog e dar logo de cara com uma resenha de um livro da Gillian Flynn (uma das minhas autoras preferidas)! Adorei a resenha e fiquei com ainda mais vontade de ler o livro! Esse é o único livro da Gillian que eu ainda não li, estou esperando que lancem ele no Brasil (já que não sei ler em inglês) para assim poder lê-lo! Espero que façam isso logo, pois estou doido para ler "Dark Places"!
ResponderExcluirAbraço
http://tonylucasblog.blogspot.com.br/
Obrigada :) Enfim, a Gillian é fabulosa mesmo. Creio que agora com o filme de Dark Places e ela ganhando bastante projeção graças a Garota Exemplar, alguém compre os direitos e publiuque por aqui!
ExcluirO livro pelo visto tem a mesma premissa que Garota Exemplar, e acho isso um pouco estranho já que foi escrito pelo mesmo autor, então parece até falta de criatividade. Mas gostei da sua resenha, é bem como você falou, a realidade crua e suja, assim como os personagens que provavelmente são cheios de defeitos, os tornando mais humanos
ResponderExcluirxx Carol
http://caverna-literaria.blogspot.com.br
Já conhece os multi talentos? Vem conferir!
Não é tãããao parecido não... Envolve assasinatos e pessoas com problemas, mas isso é quase td livro, né haahhaha :)
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