Uma noite de crime
não surpreendeu muito: apesar da excelente atuação de Lina Hadley
(a Cersei de Game of Thrones) o filme não passou muito do clichê de
cenas de ação sagrentas, sem mostrar as reflexões que a sua versão
distópica dos Estados Unidos oferece. A sua sequência, Uma noite
de crime: anarquia, porém, conseguiu preencher bem algumas
destas colunas.
Não temam por spoilers
– embora parte de uma mesma franquia, os dois filmes só têm em
comum o mundo em que se passam. Os chamados “novos pais fundadores”
deram aos americanos um direito curioso e assustador: o de cometer
qualquer crime, assasinato incluso, em um período anual de doze
horas, celebrado como um feriado nacional. Os ricos – como a
família protagonista do primeiro filme – trancam-se em suas casas
com sistemas de segurança moderna, caso não tenham escolhido
“Expurgar”. Palavra curiosa, refere-se a “limpeza” que seria
feita nas almas de todos os participantes da noite, o Expurgo,
justificativa para todo este absurdo: purificados de toda a violência
sem o risco de punição, os americanos não teriam razão para
cometé-la em outro dia do ano, diminuindo assim as alarmantes taxas
de crimes. Expurgar, portanto, não se torna só uma prática aceita,
mas também louvada, uma prova de status e força.
Mas entre aqueles que
escolhem a suposta segurança de suas casas, são os mais pobres não
tem muita sorte: a garçonete Eva e sua filha Cali não contam com
muito mais além de algumas tábuas de madeira e uma arma para a sua
proteção. Expulsas de seu lar por um estranho grupo que aniquila
todos seus vizinhos, elas são acolhidas pelo Sargento, homem em
busca de vingança com habilidades o suficiente para manté-los
vivos.
Uma noite de crime:
anarquia acerta em cheio ao mostrar a perspectiva da noite do
Expurgo das ruas – tanto as vítimas ocasionais (um casal cujo
carro quebra e fica preso) quanto os mendigos e pobres já “marcados
para morrer” por participantes do Expurgo tem sua vez. Não é esse
o maior mérito do longa, porém: ao contrario de seu antecessor, Uma
noite de crime: anarquia mostra as raízes e o objetivo do
Expurgo, uma evidente política governamental de controle da
população pobre; que em tempos de discussão acalorada nos Estados
Unidos quanto ao ocorrido em Ferguson, tem sua enorme relevância.
Pode parecer absurdo para americanos e também para brasileiros, mas
ao menos no meu país – onde práticas de linchamento são louvadas
culturalmente, caso a torta justiça popular decida que há razão
para tal – não tenho muita certeza se está tão distante da
realidade.
O filme acerta também
em não espetacularizar as mortes: todos os assassinatos são postos como crimes brutais, e os maiores vilões são, além do governo que
sanciona essa prática abominável, os ricos que expurgam como um
esporte, comprando “presas” e matando-as em ambientes limpos,
confortáveis e seguros – um Jogos Vorazes um pouco torto, do qual
os habitantes da Capital participam ativamente. O único grande erro
de Uma noite de crime: anarquia é deixar algumas pontas
irritantemente soltas – introduzido logo no início, um grupo anti
expurgo tem aparições pontuais e poucos explicativas, mesmo que
(tenho de dar o mérito) cheia de bem vindas referências aos
movimentos por direitos civis, paralelo crível e bem feito. É
evidente que isso foi feito para permitir continuações, mas seria
inteligente da parte dos realizadores respeitar a estrutura desse
tipo de série e tornassem cada filme mais independente.
Uma agradável
surpresa, Uma noite de crime: anarquia leva três estrelas e
meia.
Tenho um misto de vontade e preguiça de ver o primeiro filme. Uma hora acabo assistindo!
ResponderExcluirO primeiro é meio ~white ppl problems~, mas esse daí problematiza mt mt bem o Expurgo :)
ExcluirEu nem sabia da existência desse filmes hehhe. Me interessei pelo o que você falou do filme, então vou procurar para assistir os dois.
ResponderExcluirBlog Prefácio
Assista, é mt bom! Ao mesmo tempo que é entretenimento, traz reflexões interessantes...
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