Tenho um certo
preconceito com Bukowski – o famoso autor alcoolotra não media
palavras ao dizer o quão mais importante inspiração era do que
aspiração, ao contrário de quase todos os seus companheiros
romancistas.
Mas ah, Bukoswki! Se
até mesmo os grandes se escondem debaixo da cama, com medo de seus
primeiros rascunhos, como seu conselho pode ser válido? Se Guimarães
Rosa era um obcecado com revisões – que você afirmava não fazer,
depois de uma sessão de escrita bêbada – como acreditar em seus
conselhos? Neil Gaiman disse que se você esperar a inspiração,
poderá até ser um poeta decente, mas nunca será um romancista.
Acreditei nessa premissa e admirei os poemas de Bukowski, evitando os
seus romances, mas a curiosidade me venceu e fui ler Misto Quente.
Em Misto Quente
temos como protagonista Henri Chinaski, o suposto alter-ego de
Bukowski, e seu processo de crescimento em um bairro pobre de Los
Angeles. Da infância até o início de sua juventude (e de sua
“carreira” no alcoolismo) acompanhamos Chinaski.
É bastante perceptível
em Misto Quente a influência de John Fante na escrita de
Bukowski – assim como o maravilhoso escritor ítalo-americano
(falei dele aqui e aqui) ele não tem papas na língua na hora de
mostrar os defeitos de seus personagens, que podem ser pessoas
completamente detestáveis ocasionalmente – na verdade, na maior
parte do tempo.
Na primeira parte do
livro, porém, não temos o algoz em nosso protagonista, e sim em seu
pai de mesmo nome – começando pelas primeiras memórias de Henry,
não raro o pai é abusivo, estúpido e violento. Conforme a história
progride, contudo, os erros de Henry são cada vez mais cheios de
consequências para a sua própria vida.
Os Chinaskis tem uma
obsessão (não incomum para agora, e muito menos incomum para época,
nos Estados Unidos pós quebra da bolsa de Nova York) acentuada para
que a sua única prole (ou seja, Henry) se torne um homem rico e
proeminente,mas fica claro desde o início do livro que ele próprio
não compartilha dessas ambições. Primeiro sua vida se centra em
torno de ser respeitado pelos garotos de seu bairro, o que consegue
por um tempo limitado graças a seu porte físico avantajado – que,
obviamente, lhe dava vantagens leves nos esportes e bastante
acentuadas nas brigas de rua, comuns da idade. Um caso crítico de
acne (do tipo que faz com que não se veja um pedaço sequer de pele
limpa do enfermo) faz com que esse respeito seja completamente
perdido, e a descoberta contida nos primeiros goles de cerveja dá,
finalmente, um rumo a Chinaski: um emprego que lhe dê o suficiente
para beber e alugar um pequeno quarto.
A maior parte dos
livros coming of age (ou seja, aqueles que retratam o processo de
crescimento de seus personagens) contém em si uma quantidade
razoável de momentos de glória, o tal de “me sinto infinito” de
As vantagens de ser invísivel ou
a viagem de Hazel e Gus a Amsterdã em A culpa é das
estrelas. Por mais ferrados que sejam os seus personagens, os
escritores tratam como direito universal dos mesmos algumas horas
felizes, extremamente memoráveis, periodos de júbilo necessários.
Bukowski, porém, ignora esse tal direito – embora Henry tenha lá
os seus altos e baixos, os primeiros se devem só a ausência de
problemas, os segundos são o completo fundo do poço. Misto
quente é recheado de pobreza, desesperança, desespero e
solidão, características que acompanhariam o autor para sempre –
e como um bom livro quase auto-biográfico, todas elas são expressas
de forma crua, com uma linguagem extremamente vulgar e por vezes
chocante.
Com revisão ou não,
inspiração ou não, Bukowski foi um grande escritor. E mais do que
suas polêmicas e seus conselhos nem sempre úteis, isso fala por
ele.
Nossa, não conhecia ainda esse livro. Nunca li nada do autor, mas creio que esse livro seja perfeito pra isso, já que dá pra conhecer tanto o autor como a própria história dele
ResponderExcluirxx Carol
http://caverna-literaria.blogspot.com.br
Tem post novo sobre o desafio que realizamos, vem conferir!
Siim! Super auto-biográfico...
ExcluirEu tenho MUITA vontade e curiosidade em ler algum livro do Bukowski, várias vezes me deparei com esse livro "Misto Quente", mas sempre acabo deixando para "depois"...
ResponderExcluirBeijos, www.rayramii.com
Misto-quente vale muito a pena! Feliz ano novo :)
ExcluirEu ainda não conhecia esse livro, mas depois do que vc falou eu fiquei tão interessada que você não tem noção *u*
ResponderExcluirAdorei!!
beijos
http://masenstale.blogspot.com.br/
Obrigada :)
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