31 janeiro 2014

It's kind of a funny story (livro)

Vou falar por experiência própria, mas acho que esse é um problema de toda uma geração – pelo menos daqueles que, claro, tem um padrão de vida de classe média e acesso aos principais meios de comunicação (posso parecer uma babaca de vez em quando ao falar sobre essas coisas “gerais” que na verdade não são acessíveis para boa parte da população, mas como falarei de uma vida e de um mundo que não conheço de perto?).

Temos escolhas demais.

Isso não me veio como uma quase epifania, como a maior parte das coisas que eu uso como minhas clichês “frases de impacto” ou “teses gerais” do texto nesse blog, mas como uma conclusão gradual, tirada ao longo de toda minha adolescência e, talvez, ao longo de toda a minha vida. It's kind of a funny story, livro de Ned Vizzini, me fez voltar a pensar sobre isso.

Segundo Craig, o seu protagonista, antes havia a crise do quarto da vida – aquela dos vinte e poucos, como os personagens de Friends (série que, me desculpem, nunca consegui chegar perto a gostar) ou as meninas de Girls ou da personagem principal de Young Adult. Todos os supracitados encontram-se no que deveriam ser os melhores anos de suas vidas – se é jovem o suficiente para ainda ter toda a vitalidade, saúde e falta de responsabilidades da adolescência, sem os limites paternos impostos nesta.

Mas não, nem tudo é tão doce quanto se lembram os mais velhos – hoje em dia, a maior parte dos jovens nos vinte e poucos tem aquele sentimento terrível de underachieve, ou seja, não estar (nem de longe) onde se esperava estar a esse ponto. Os poucos que tem a sorte de fazer o que gostam não chegaram lá ainda e vivem cheios de restrições financeiras e sentimentos de fracassos; os presos em empregos que odeiam também lidam com isto, com o adendo de se passar quarenta e quatro horas semanais em algo que não se gosta de fazer.

Segundo Craig, porém, isso era antes – sim, hoje em dia não se precisa mais esperar até os vinte e poucos anos antes de pirar pelo número de escolhas a serem feitas e responsabilidades a serem assumidas. Não, boa parte dos jovens urbanos de classe média, seja no Brasil, nos Estados Unidos (onde It's kind of a funny story se passa – mas especificamente na cidade de Nova Iorque) ou em Mumbai, lida desde cedo com escolhas que vão moldar seu futuro e personalidade de forma quase irreparável.

E sim, é opressor pensar a noite que eu poderia ter escrito mais e estar agora revisando um livro melhor feito; estudado mais durante o ensino médio e estar em condições de concorrer à uma bolsa de estudos no exterior e até mesmo (por mais que eu goste de estar aqui) escolhido outro país de intercâmbio e tido uma experiência melhor em outros aspectos. A crise do quinto da vida, como apelidada por Craig, é nada mais do que o chorar pelo leite derramado e arrancar os cabelos por coisas que não se tem muito controle – mas como evitar? Como evitar se é só esse mundo cheio de escolhas (bem vindas, mas com efeitos colaterais) que conhecemos?

O livro, aliás, é um dos melhores sobre depressão que já li na vida. Craig da doença justamente por se preocupar demais com o que está fazendo aos quinze anos de idade, achando que sem sucesso agora, não obterá sucesso e felicidade nunca. É aquela velha lógica dos pais que fazem filhos cursarem direito quando querem estudar antropologia, dizendo que “o sonho se persegue depois, com estabilidade financeira” - quando, na verdade, já é mais do que provado empiricamente que não, raramente esse plano de adiar a felicidade e tentar buscá-la depois dá certo. Sim, sacrifícios devem ser feitos em prol do que se sonha – como artistas que trabalham em um emprego durante o dia e fazem sua arte durante a noite – mas não um sacrifício de corpo e alma, que põe os sonhos e personalidade em segundo plano.

Com tanta pressão auto-imposta, Craig não consegue sair da média, algo considerado execrável por todos em sua super competiva escola em Manhattan. Com um clima semelhante ao do pré-vestibular em grandes cursinhos brasileiros, a Manhattan Executive Pre-Professional School não espera nada menos do que a perfeição dos seus alunos – coisa que Craig não consegue atingir, dando início a uma espiral depressiva, que suga as suas energias e lhe impede de comer e dormir.


Já vou adiantando que o final do livro é feliz, e apesar de recheado de acontecimentos trágicos, o miolo não se torna pesado ou triste graças a voz irônica e crua de Craig. O final para o autor do livro, porém, não foi como o de seu personagem – há mais ou menos dois meses, Ned Vizzini se suicidou, aos trinta e dois anos de uma vida cheia de batalhas contra a depressão.

9 comentários:

  1. Hum, não me interessei tanto pelo livro, mas achei a sua resenha muito bem escrita. A sua forma de escrever é cativante e eu não pude deixar de apreciar isso. Parabéns, moça! Ótima resenha.
    http://www.diarioruivo.com/

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  2. Caramba que resenha bem escrita, sobre o livro, me pareceu um livro o tanto peculiar, interessante, adoro livros com pegadas trágicas e que nos jogam a realidade imposta no mesmo. Enfim... Leria.
    Até mais. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

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  3. Ollá ^^
    Não é um dos gêneros mais preferidos meus, mas com todos que já comentaram é impossível não parabeniza-la pela belíssima resenha :D

    Beijoxxx.
    http://maria-gabriely.blogspot.com.br/

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  4. Isabel, eu tinha curiosidade de ler esse livro, mas acabei vendo o filme e meio que desisti depois disso. Não sei se é fiel ao espírito do livro, mas gostei bastante do filme.
    E gostei bastante da sua reflexão. Acho que não tem idade pra se ter essas crises existenciais, porque a gente sente a pressão muito cedo, e não sabe muito bem como lidar com tudo. Fora que existe essa crença geral que nos empurram goela abaixo de que a gente *deveria* estar fazendo certas coisas, de que tem um jeito certo de viver, e a gente acredita, e... ugh. É bem difícil.
    Muito boa resenha mesmo, como de costume.

    Beijo!

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  5. Eu tenho muita curiosidade para ler esse livro, acho o tema interessante, e tendo passado por isso na adolescência, quero ver como a história se desenrola. Tão triste o que aconteceu ao autor, sempre corta meu coração quando leio uma notícia assim.

    sobremimemeumundo.blogspot.com

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  6. Tu fala Tcheco ou não conseguiu aprender ainda? Tô pensando em ir pra alemanha mas tenho medo de não conseguir aprender nada e ficar boiando enquanto as pessoas falam,

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  7. Esse livro tinha A CARA do tipo de livro que eu leio, ele quebra meu coração e eu me apaixono. Mas não consegui ler mais do que umas 20 páginas, acho, e não sei porquê D:

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  8. Nossa senhora.
    Lembrei agora que tinha marcado de ver o filme no filmow e acabei deixando eternamente pra depois, tava tão traumatizada (?) com o gênero que decidi que ultimamente tô preferindo coisas mais leves, não sabia que tinha o livro. Tua resenha tá maravilhosa, Isabel. Sério.
    E meio que serviu muito pra mim, porque penso freneticamente sobre isso de a vida ser todo um processo de exclusão, seleção: a gente tem tanta escolha a fazer, e escolher uma só, no meio de tanta coisa boa, é algo muito complicado pra mim, abdicar de tantas outras coisas que poderiam dar mais certo pra mim, sabe? Enfim, se não fosse assim, não seria a vida.

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  9. Queria muito que alguma editora publicasse esse livro no Brasil. Vi o filme e me senti tão mais leve no final! No final de dezembro, quando soube sobre a morte do Ned fiquei muito triste, porque infelizmente ele não teve um final feliz como o Craig.

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