Minhas expectativas para o primeiro volume da trilogia Dragões de Éter, Caçadores de Bruxas, eram altas: eu já havia ouvido falar bastante
de Raphael Draccon, e os elogios eram inúmeros. Iguais aos meus nessa resenha.
Vamos começar pelo narrador: geralmente desimportante quando
não é um personagem do próprio livro, aqui esta lógica se inverte, com um
contador de histórias onisciente nos narrando diversas aventuras paralelas de
uma forma que atiça a curiosidade do leitor mais desinteressado. Como ele sabe
de tudo? Como ele consegue fazer algo como dar “pausa” em um cenário parecer a
coisa mais ordinária do mundo? As digressões são gigantescas, muitas vezes ininteligíveis
e estranhas, mas cada uma delas é necessária para sabermos mais sobre os
fascinantes personagens que habitam Nova Ether.
Temos Primo Branford, o rei de Arzallum, responsável por
vinte anos de paz e prosperidade e conquistador do próprio trono. Há algo de
errado no paraíso, porém, com uma série de fatos bastante estranhos que
inicialmente atingem o povo, mas depois começam a dizer respeito a própria
família real.
Ariane e João têm histórias que gostariam que os coleguinhas
esquecessem: ambas crianças figuraram os bafafás da capital do país, mas não
por nenhuma brincadeira infantil ou erro bobo. A garota teve a sua avó devorada
por um lobo marcado por magia negra; o garoto foi cativo de uma bruxa das trevas
que queria cozinhá-lo para o jantar, fazendo sua irmã Maria de escrava. Além
disso, o navio de um pirata há muito considerado morto se aproxima. Tempos
sombrios, meu amigo, tempos sombrios.
Histórias já conhecidas, que se cruzam de uma forma bastante
peculiar em Nova Ether, com referências e adições fantásticas. Nada mais a se
esperar de um mundo que só existe porque semideuses pensam nele, e que é
protegido por fadas avatares.
Começando pela parte ruim – porque é raro um livro que não a
tem – eu vi uma simples contradição no primeiro volume de Dragões de Éter. Contos de fadas, cujo reconto são parte central e
essencial do livro são maniqueístas por natureza, apresentando um mundo preto e
branco a crianças – como se elas não fossem inteligentes o suficiente para
entender o básico da relatividade das coisas.
Como um bom escritor, em pontos diversos, Raphael Draccon
tenta quebrar esse maniqueísmo extremo e puro, inserindo situações que se eu
narrasse figurariam como spoilers, mas
que com certeza serão lembradas por aqueles que já leram Caçadores de Bruxas. Em outros pontos, porém, ele não hesita em inserir
figuras de “mal supremo e puro”, com fins e meios violentos e aterrorizantes. Nada
do que chamamos de “característica redentora”, ou talvez uma justificativa, por
mais parca que seja. Ah, como me irrita essa perspectiva de que qualquer um,
seja na ficção ou na vida real, é inteiramente bom ou ruim! Alguns diálogos,
graças a esse pequeno erro, soaram ligeiramente infantis. Felizmente, esse não
é o padrão.
Porque sim, Caçadores
de Bruxas não é só inovador quanto
ao seu narrador, mas os diálogos são interessantes também: sempre me
perguntei porque havia a predominância da formalidade nas conversas de livros
de fantasia, e este erro não é cometido em Dragões
de Éter – ao menos não nas conversas dos núcleos jovens e plebeus.
O livro é lotado de referências (coisa que parece ser marca
da escrita do autor, segundo resenhas que li) que não são feitas da forma
usualmente prepotente (na qual o leitor deve conhece-la para entender uma piada
ou situação) e sim sutil. Aqui existem também entrelinhas, mas elas não riem de
você com escárnio, nem dançam na sua frente de forma explícita, somente estão
lá, para aqueles que estiverem em momento e condição de compreende-las.
Geralmente aquelas frasezinhas no fundo (ou até mesmo da
capa) do livro são um mar de puxa saquismo ao escritor, extremamente
hiperbólicas e freqüentemente falsas. Quantos “melhor livro que já li” você já
teve nas mãos?
As tais frasezinhas de fundo de Caçadores de Bruxas, impressionam por não serem exatamente hiperbólicas
– todas estão dentro do real, e, na minha humilde opinião, do verdadeiro. O
motivo vem com a segunda peculiaridade: nenhuma delas foi proferida por um
grande crítico de jornal ou revista, e sim por outros escritores, blogs e sites
especializados em literatura.
Nenhuma surpresa no Brasil, onde a crítica frequentemente
ignora literatura de gênero. Mas não fez falta. Fico com a opinião de André
Vianco: Raphael Draccon escreve muito, muito bem.
Estava mesmo querendo uma crítica sobre esse livro, mas que viesse de alguém que eu já conhecesse o gosto e já tivesse indicado coisas legais antes. E só comprovou que estava certa em ficar curiosa pelos livros do Draccon, agora é só ler e me certificar da qualidade. (:
ResponderExcluirIsabel, eu tenho um problema com esse escritor que, eu sei, é pura ignorância de minha parte, mas ele me não me causou uma boa impressão em uma entrevista que li uma vez (tentei procurar mas não lembro onde foi...tem uns bons anos já) e peguei trauma, mas agora vejo que é válido dar uma nova chance a ele, vou colocá-lo na lista, quem sabe me saio bem - depois que já tinha decidido não mais ler Riordan, vi tantos blogueiros em cujo gosto eu confio falando bem dele, inclusive você, que tive que me render, e estou até me dando bem com Cold Springs...
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