O tema das viagens no tempo habita as mentes dos escritores
de ficção científica há décadas, mas ainda divide os grandes físicos quanto a
sua possibilidade real e conseqüências. O velho paradoxo: e se eu voltasse no
tempo e impedisse que meus avós se conhecessem?
Apesar de não ser esse o tema central de Continuum
(falaremos deste mais adiante) uma viagem no tempo é essencial para seu enredo –
oriunda da Vancouver de 2077, a Protetora Kiera volta para 2012 durante a
tentativa de fuga de um grupo de terroristas condenados à morte. Mesmo com toda a frieza incutida nela pelo
treinamento de Protetora, Kiera logo entra em desespero ao perceber o que
aconteceu: ela é a única ali com conhecimento sobre o grupo terrorista e
sanguinário Liber8, além de ter deixado para trás marido e um filho.
O Liber8 quer acabar com as corporações que acreditam são a
origem de uma grande parte dos problemas da sociedade e de quase todos os
problemas do povo. E se em 2012 já tivemos o que reclamar com os estilhaços da
crise, em 2077 eles parecem ter mais ainda: tudo é dominado por uma empresa
chamada SadTech, que cria um sistema opressivo para quem vive nele e massacrante
para os que ficam de fora.
Os inimigos de Kiera, responsáveis pela morte de milhares de
pessoas, são sagazes e bem coordenados, sob o comando de Kagame, um brilhante
senhor de idade, e tendo como membros Sonya, uma médica que trabalha com
alterações genéticas; Lucas Ingram, um gênio da Engenharia; Kellog cuja função
todos desconhecem e finalmente Garza e Travis, dois soldados “perfeitos” com
alterações genéticas que os fazem rir de metade dos batalhões “de elite”
atuais.
O único contato de Kiera é Alec Sadler, criador do sistema
de chip que todos os Protetores têm e figura importante em 2077 – mas em 2012,
ele malmente passa de um adolescente. Alec consegue colocar Kiera dentro do
departamento de polícia e ela começa a trabalhar com o detetive Carlos Fonnegra
contra a Liber8, tarefa muito mais complicada do que eles poderiam imaginar.
Série canadense, Continuum
não deixa nada a dever em termos de produção aos seus pares americanos – não é
uma loucura de efeitos especiais estilo Terra
Nova, mas não dá vontade de rir do fogo falso como em Jogos Voraezes. A série é, na verdade, muito bem sucedida em
utilizar os famosos arquétipos, conseguindo construir em Kiera e nas mulheres
da Liber8 personagens femininas bem longe dos estereótipos.
A evolução das coisas é um pouco lenta: Continuum se torna quase um peridural (aqueles seriados estilo CSI ou House – um caso por episódio) quando vemos cada capítulo da série
ser focado em um problema causado pela Liber8, sem perder o grande conflito de
vista. Não vi muito problema nisso, porém – como uma trilha de migalhas de pão,
cada um desses pequenos conflitos é necessário para que Kiera encontre seu
caminho de volta para casa.
Os personagens vão sendo mais e mais construídos com o
passar dos episódios, graças a flashbacks coerentes e bem distribuídos – nada daquelas
sessões gigantescas de informação, ou o truque do “membro novo”. Cada temporada
(são duas até agora) possui dez episódios – uma quantidade razoável e adequada e
assisti quase todos em menos de uma semana.
Mas a melhor coisa sobre Continuum
não são os personagens, o enredo ou os efeitos especiais: é o fato de que eu
não soube por quem torcer. Ao mesmo tempo que ficava felicíssima quando Kiera
(que apesar de meio fria consegue criar empatia no espectador) conseguia impedir
algumas mortes pelas mãos Liber8, sei que a causa deles está correta e é justa.
É a velha questão: os fins justificam os meios? Matar agora em atentados
terroristas para evitar mortes e vidas oprimidas graças as corporações no
futuro vale a pena? E a grande pergunta mesmo entre os membros da Liber8: dá
para fazer uma revolução sem violência?
A questão é complexa demais, e apesar de não ser apresentada
de forma direta, é através das ações do grupo e seus resultados. Um grande monte
de interrogações, que até mesmo aqueles com sede de mudança não conseguiram
apagar.
Com elementos tão interessantes e sem enrolação, o resultado
não podia ser outro: Continuum é
viciante. Ai das minhas unhas...