Crianças são
criaturas curiosas. Eu particularmente desprezo a lógica sob a qual
elas são anjinhos de luz, inocentes e sem as corrupções do mundo
adulto – os pequenos podem ser cruéis e vis a sua própria maneira
– mas é fascinante as personalidades únicas que, sem as barreiras
sociais impostas, os pequenos desenvolvem.
O senhor das moscas
talvez seja uma história sobre personalidades infantis,
diferentes e conflitantes, convivendo em uma situação limite. Cada
um de nossos protagonistas tem um defeito mortal e uma qualidade que
se sobressai: há Porquinho, inteligente, mas que se curva facilmente
aos outros; Jack, um excelente líder, mas com sede de poder demais e
Ralph, que sofre do mesmo defeito e tem como qualidade sua
racionalidade.
Fora Jack e seus
asseclas (no mundo de antes, ele era o líder de um coro religioso
disciplinado), nenhum dos garotos se conhecia antes. Todos eles foram
parte da mesma queda de um avião que saiu da Grã-Bretenha em uma
evacuação de emergência graças a uma guerra nuclear. A
personalidade de Ralph – que chama todos os garotos (alguns bem
novos, com cerca de seis anos) assoprando uma concha – logo se
sobressai, e as sugestões de manter uma fogueira acesa e viver da
colheita das abundantes frutas da ilha agrada à maioria. Jack,
porém, decide que ele e seu coro serão caçadores, e em acordo, os
dois grupos se dividem.
Enquanto Jack falha em
conseguir caçar um porco selvagem sequer, Ralph também tem suas
dificuldades: indisciplinados, a maioria dos meninos (sobretudo os
mais novos) abandonam os trabalhos de construir abrigos e vivem
brincando e colhendo frutas – num excesso tão grande que vivem
doentes. A tarefa de manter a fogueira acesa, delegada aos caçadores
de Jack, também é falha, fazendo com que eles percam oportunidades
de resgate.
Na minha breve passagem
pela Inglaterra, me impressionei demais com a civilidade dos
ingleses, o seu respeito pelas instituições e coletividade tão
grande que, como qualquer boa característica de um país, acaba se
tornando também defeito e fraqueza. Os garotos tentam, de forma
muito falha, reproduzir o mínimo da civilização da qual vieram na
ilha, mas nem mesmo a poderosa liderança de Ralph e a inteligência
de Porquinho conseguem conter o caos.
Além disso, por tratar
da formação de uma sociedade, O senhor das moscas toca
também na superstição: para evitar encararem uns aos outros como
monstros, os garotos começam a imaginar um inimigo externo, que
habita a ilha e parece ter levado já alguns deles. O medo leva à
barbárie, talvez o grande tema de verdade de O senhor das moscas.
Vista por uma ótica
quase infantil de suas personagens, O senhor das moscas é uma
leitura fluida, porém extremamente desconcertante e até mesmo
desagradável. É incrível – de uma forma ruim – pensar até
onde podemos ir para a sobrevivência, e como todas as noções
morais nos ensinadas pela cultura podem cair por terra em uma
situação limite. Um bando de garotos e uma ilha, são esses os
elementos formadores de O senhor das moscas, e é por sua
simplicidade que o livro me ganhou, me deixando a pensar sobre os
elementos do mesmo dias e dias após a leitura. Com isso, estou com o
prefacista da obra: é o último livro que eu gostaria de levar para
uma ilha deserta.
Preciso criar vergonha na cara e ler esseeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee
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