Comecei a minha
trajetória no mundo da escrita escrevendo fanfics: o amor por Harry
Potter era tamanho que os livros (na época, acho que quatro)
publicados não eram suficientes. Eu queria passar mais tempo com os
bruxinhos, ser amiga de Hermione, expandir seus mundos, viver em
Hogwarts – e criar minhas próprias histórias baseadas nesses
universos era uma maneira de fazer isso. JK Rowling, você me
enfeitiçou, e eu não conseguia tirar seus livros da cabeça.
Me aposentei no ramo da
escrita de fanfics, mas desde então, alguns livros me deram a mesma
sensação de Harry Potter: eu queria estar presa em seu
universo. A arma escarlate, primeiro livro da série de mesmo
nome, já me introduziu a um universo fantástico no qual eu gostaria
de viver – A comissão chapeleira, sua continuação,
consolidou ainda mais isso.
[A partir daqui, a
resenha contém spoilers de A arma escarlate. Se você não
leu, confira essa resenha: a série é fabulosa, e merece ser
conhecida por todo mundo por razões de sou fangirl
ser muito boa.]
As eleições desse ano
foram tensas. Ambos os lados fizeram campanhas bastante sujas, e os
debates do segundo turno (depois da retirada da oposição
inteligente de Luciana Genro e da cômica – mas de um jeito bom –
de Eduardo Jorge) me davam ânsia de vômito.
O mundo bruxo
brasileiro passa por algo parecido em A comissão chapeleira.
Ao contrário do regime quase totalitário de Harry Potter, os bruxos
brasileiros votam para o seu líder, e os nossos estudantes favoritos
– os Pixies – estão bastante animados com as eleições. Pela
primeira vez em décadas, um candidato de oposição tem chances de
ganha-las: Átila Antunes, um acriano carismático com grandes planos
para a educação bruxa brasileira.
Mas se Átila ganhasse
as eleições dificilmente seriam parte do livro – quem acaba
chegando ao poder é o conservador Lazai Lazai, que não parece, para
os Pixies, uma grande mudança visto as décadas de governos
semelhantes. Eles se enganaram: nada será como antes depois da
chegada de Lazai ao poder. Cheio de medidas totalitárias a fim de
“europeizar” o Brasil, a escola Korkovado nem parece mais a mesma
bagunça fascinante de A arma escarlate. Impera o medo.
Depois dos desastres do
último ano, Hugo tenta não se envolver em nada muito complicado,
mas é obviamente bastante difícil: as consequências de sua venda
de cocaína se mostram bastante, principalmente no mineirinho Eimi.
Tenho que bater palmas de pé para a Renata nesse aspecto: fiquei com
bastante medo de que o assunto não fosse desenvolvido e continuasse
com as mesmas pequenas consequências do primeiro livro,
incompatíveis com uma irresponsabilidade tão grande.
Falar em assunto bem
desenvolvido, o livro é basicamente feito disso. Nos primeiros
capítulos, torci um pouquinho o nariz para os diálogos (longos e
com algumas opiniões batidas) dos Pixies sobre política. A
comissão chapeleira, porém, desenvolve-os muito bem, falando de
totalitarismo e rebeldia, lembrando bastante obras sobre a ditadura
militar.
Os personagens, como é
de se esperar, crescem – não só em termos de maturidade, mas
também no coração do leitor. Nesse primeiro aspecto, está Viny,
que desce de seu pequeno pedestal e se torna menos arrogante –
apesar de adorar a ele e suas ideias desde o primeiro livro, o líder
dos Pixies ganha um merecido banho de humildade. No segundo, Capí –
eu não havia gostado muito de sua postura de salvador da galáxia
antes, mas com alguns erros e demonstrações de fraqueza, ele se
tornou o meu personagem preferido na série. Eu já queria estudar na
Korkovado após ler o primeiro livro, e com este, tudo que eu quero é
ser uma Pixie.
Que, aliás, não são
os únicos personagens desenvolvidos nesse livro: ao longo das mais
de seiscentas páginas, vários dos personagens secundários que
ficaram um pouco apagados no primeiro livro crescem imensamente.
Renata Ventura não introduz nenhum detalhe sem razão, e nada está
ali para “encher linguiça”, com uma minúcia digna de George
Martin.
Já quanto a Hugo,
bom... O polêmico protagonista está mudando – mas a passos bem
curtos. Eu consegui justificar para mim mesma quase todos os seus
atos no primeiro livro, mas neste segundo... Tudo que digo é que
senti bastante raiva do “adendo”. Mesmo com todo o suporte dos
Pixies e com sua mãe segura e feliz na Vila Ipanema, ele continua
cometendo os mesmos erros, sendo arrogante e sedento por poder. O
anti-herói do Dona Marta, porém, é uma das coisas que faz a série
A arma escarlate fantástica: aqui não temos lugar para
personagens planos como na maior parte dos livros do gênero. Todos
tem defeitos, e por maiores que sejam, não nos impedem de chorar e
torcer.
Enfim, falar de um
livro do qual gostei tanto é bastante difícil, mas posso dizer
comecei 2015 com o pé direito e bastante “sorte literária”.
Resta agora a espera (que me parecerá longa mesmo se durar pouco)
pela continuação dessa magnífica aventura.