12 janeiro 2015

Por que Garota Exemplar é importante


Precisamos de mais filmes como Garota Exemplar, precisamos de mais livros como Garota Exemplar – e não falo só do maravilhoso entretenimento de qualidade por ele proporcionado. Por mais que o filme divida blogueiras feministas entre o seu conteúdo (algumas o aplaudem, outras o detestam) como mulher e fã de qualquer forma de ficção, não posso negar que ele é uma joia rara.

Anita Sarkesiaan provou, nesse vídeo de 2012, que o cinema mainstream tem um serissimo problema com mulheres: dos indicados aos Oscars, pouquissimos passaram o teste de Bechdel, critérios utilizados para medir a representatividade feminina mínima em um filme. Não nos diz se um filme é misógino, legal ou se tem personagens mulheres interessantes: só nos diz se as mulheres existem na obra em questão, e se falam de alguma coisa que não o mui importante protagonista.

Garota Exemplar quebra isso em milhares de maneiras diferentes, mas vou apontar só duas. Aprenda, Holywood, por favorzinho.

[A partir daqui, o texto contém spoilers.]

1. As personagens femininas – sobretudo Amy – são reais:
Menção honrosa para Margo, irmã de Nick: apesar de meio apagada no filme, no livro ela é genial.
Uma das primeiras coisas sobre Garota Exemplar é que o filme deu tanto o que falar quanto o desaparecimento da protagonista Amy deu no seu universo ficcional. E tem controvérsia, muita controvérsia: uma rápida pesquisa sobre ele no Google mostra resultados bastante distintos – alguns condenam-o como misógino por satisfazer o arquétipo da esposa enlouquecida, outros o colocam como um dos melhores do ano.

Não refleti ainda o suficiente sobre qualquer um dos “lados” dessa conversa, mas tenho certeza de uma coisa: Garota exemplar é importante, importantíssimo para a representação feminina no cinema por fazer algo que Holywood constantemente falha em fazer.

Construir personagens femininas reais.

Não devia ser tão difícil dar verossimilhança a um grupo que representa metade da população, mas, aparentemente, é uma tarefa para o Tom Cruise.


Eu sinceramente não me importo se a personagem é a Madre Teresa reincarnada ou uma psicopata louca feito Amy. Não exijo a força de Katniss, a inteligência de Hermione nem a resiliência de Lisbeth. Não, eu quero somente poder acreditar na possibilidade da existência dela, seja lá como o autor da obra em questão resolveu moldá-la. E é importante – importantissimo, na verdade – que tenhamos personagens de vários formatos e tipos, com a diversidade que de fato existe – incluindo psicopatas como Amy, que podem não ser tão comuns na vida real, mas funcionam no cinema, principalmente como alegorias.

2. Amy tem o controle da narrativa


Garota exemplar – tanto o livro, com capítulos de pontos de vista alternados, quanto o filme, focado inteiramente em Nick pela primeira metade, depois em Amy pela segunda – assim como a maior parte das obras de ficção que envolvem mistério, é basicamente sobre o controle da narrativa, e desde o começo, Amy a teve, mesmo que o espectador não saiba disso. Pela minha pouca experiência com psicopatas – que se resume a Criminal Minds e alguns livros do gênero, como Precisamos falar sobre o Kevin – há realidade aí. Ela não hesitou em quebrar todas as regras de moralidade, respeito e leis para conseguir o que queria – mostrar a Nick que ela era a esposa perfeita, e que ele não a merecia.

O curioso é que personagens como Amy são feitas para serem coadjuvantes: mulheres bonitas, inteligentes (mas não particularmente bem sucedidas – ela escrevia testes para revistas e perdeu seu emprego graças a recessão) e ricas raramente são usadas para muita coisa além de dar ao herói conforto, motivo ou até mesmo decoração de tela. Considerando o tipo de filme (um thriller) ela provavelmente seria só um cadáver ao final da história. Mas goste você ou não, Amy quebra esse ciclo, tomando tudo em suas mãos, enganando o país inteiro e os espectadores. E poxa, eu aprecio isso para caramba.


Claro que, depois dessa defesa apaixonada do filme – e de tudo que ele representa – tenho que fazer a boa e velha ressalva: como muitas blogueiras feministas apontaram, Amy é o sonho tornado realidade de um machista. Utilizando-se de acusações de violência doméstica e estupro para se vingar daqueles que a desagradam, ela reforça a ideia – falsa – de que as mulheres o fazem com frequência. Não imagino, porém, de que outra maneira Gillian Flynn ou David Fincher poderiam ter colocado isso – afinal, se Amy for Amy, ela faria uso de qualquer recurso disponível para fazer o que é, aos seus olhos, pura e simples justiça.

Mas ainda que com seus defeitos, Garota Exemplar tem um trunfo gigantesco: tirou Holywood (e consequentemente seus espectadores) de sua zona de conforto.


[Mais sobre representatividade feminina no cinema: Feminist Frequency, Síndrome Trinity, Não queremos apenas mulheres fortes. Resenha de Garota Exemplar aqui e de Dark Places, outro livro da mesma autora, aqui.] 

11 comentários:

  1. Oi Isabel, eu assisti ao filme há poucos dias e, apesar de não ter me tornado uma apaixonada como você, gostei bastante e refleti muito sobre a história e a personagem. E, querendo ou não, ela me tirou também de minha zona de conforto. Gostei ;)

    Beijos

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  2. Uau, eu ainda não li o livro e nem vi o filme, mas que bom saber desses pontos e não sabia, principalmente, sobre alguns personagens serem reais.

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    1. Sim, é uma parte muito importante! Obrigada pelo comentário :)

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  3. Li até depois dos spoilers. Li tudo e meu Deus como você é inteligente hahahaha. Eu ouvi tanto sobre esse filme, mas nada do que eu ouvi foi o suficiente pra levantar a bunda da cadeira e ir ao cinema assistir, bom, agora não está mais em cartaz, mas estou definitivamente tentando burlar a internet pra achar um bom link pra assistir. Gosto do fato de você ter analisado as personagens femininas e fiquei curiosa sobre a voz de Amy no filme/livro.

    Beijos. Tudo Tem Refrão

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    1. Obrigada :) Vale muito a pena assistir, espero que vc goste!

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  4. Oi, Isabel!
    Que texto incrível! Não vou entrar no mérito da discussão feminista porque precisaria ler mais a respeito e refletir um pouco mais. Ainda assim, adorei a abordagem sobre representatividade e sobre a quebra dos paradigmas hollywoodianos! Eu não tinha gostado muito do filme quando o vi no cinema, achei bem cansativo, mas olhar com essa abordagem o torna mais interessante.
    Beijos,

    Priscilla
    http://infinitasvidas.wordpress.com

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    1. Verdade, tem umas partes meio cansativas... Mas acho que essa coisa toda da representatividade e o mistério (que só é legal pra qm não leu o livro antes, mas enfim hihi) compensam!

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  5. Oi Isabel, tudo bom? Nossa, adorei ler esse texto, sério mesmo.
    Sou uma grande fã de "Garota exemplar". Acho o livro e o filme verdadeiras obras primas.
    Mulheres como Amy existem, por que é tão difícil aceitar isso?
    Amy controla a narrativa o tempo todo, mesmo quando não sabemos disso, exatamente como você mencionou e isso mexeu tanto comigo... Senti-me traída por ter ficado do lado dela, sabe? Essa, com certeza foi uma história que despertou em mim sentimentos controversos.
    Parabéns pelo texto e pela forma como abordou o assunto.. Foi brilhante!
    Grande beijo ♥

    Thati;
    http://nemteconto.org

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  6. Nossa! Este filme me deixou com o queixo caido! Literalmente! Eu lembro que sai do cinema sem acreditar, faz tempo que não via um psico tão bom!

    Beijos Joi Cardoso
    Estante Diagonal

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  7. Heey, Isabel!

    Adorei o post, e, apesar de ser garoto, também concordo que realmente precisamos de mais livros e filmes como Garota Exemplar, afinal, apesar de nem ter lido e nem assistido, só veja criticas boas da obra em si! *-*

    Abs,
    Jhonatan.

    http://leiturasilenciosaoficial.blogspot.com.br

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