Precisamos de mais
filmes como Garota Exemplar, precisamos de mais livros como
Garota Exemplar – e não falo só do maravilhoso
entretenimento de qualidade por ele proporcionado. Por mais que o
filme divida blogueiras feministas entre o seu conteúdo (algumas o
aplaudem, outras o detestam) como mulher e fã de qualquer forma de
ficção, não posso negar que ele é uma joia rara.
Anita Sarkesiaan
provou, nesse vídeo de 2012, que o cinema mainstream tem um
serissimo problema com mulheres: dos indicados aos Oscars,
pouquissimos passaram o teste de Bechdel, critérios utilizados para
medir a representatividade feminina mínima em um filme. Não nos diz
se um filme é misógino, legal ou se tem personagens mulheres
interessantes: só nos diz se as mulheres existem na obra em questão,
e se falam de alguma coisa que não o mui importante protagonista.
Garota Exemplar
quebra isso em milhares de maneiras diferentes, mas vou apontar
só duas. Aprenda, Holywood, por favorzinho.
[A partir daqui, o
texto contém spoilers.]
1. As
personagens femininas – sobretudo Amy – são reais:
Menção honrosa para Margo, irmã de Nick: apesar de meio apagada no filme, no livro ela é genial. |
Uma das primeiras
coisas sobre Garota Exemplar é que o filme deu tanto o que falar
quanto o desaparecimento da protagonista Amy deu no seu universo
ficcional. E tem controvérsia, muita controvérsia: uma rápida
pesquisa sobre ele no Google mostra resultados bastante distintos –
alguns condenam-o como misógino por satisfazer o arquétipo da
esposa enlouquecida, outros o colocam como um dos melhores do ano.
Não refleti ainda o
suficiente sobre qualquer um dos “lados” dessa conversa, mas
tenho certeza de uma coisa: Garota exemplar é importante,
importantíssimo para a representação feminina no cinema por fazer
algo que Holywood constantemente falha em fazer.
Construir personagens
femininas reais.
Não devia ser tão
difícil dar verossimilhança a um grupo que representa metade da
população, mas, aparentemente, é uma tarefa para o Tom Cruise.
Eu sinceramente não me
importo se a personagem é a Madre Teresa reincarnada ou uma
psicopata louca feito Amy. Não exijo a força de Katniss, a
inteligência de Hermione nem a resiliência de Lisbeth. Não, eu
quero somente poder acreditar na possibilidade da existência dela,
seja lá como o autor da obra em questão resolveu moldá-la. E é
importante – importantissimo, na verdade – que tenhamos
personagens de vários formatos e tipos, com a diversidade que de
fato existe – incluindo psicopatas como Amy, que podem não ser tão
comuns na vida real, mas funcionam no cinema, principalmente como
alegorias.
2. Amy tem o
controle da narrativa
Garota exemplar
– tanto o livro, com capítulos de pontos de vista alternados,
quanto o filme, focado inteiramente em Nick pela primeira metade,
depois em Amy pela segunda – assim como a maior parte das obras de
ficção que envolvem mistério, é basicamente sobre o controle da
narrativa, e desde o começo, Amy a teve, mesmo que o espectador não
saiba disso. Pela minha pouca experiência com psicopatas – que se
resume a Criminal Minds e alguns livros do gênero, como
Precisamos falar sobre o Kevin – há realidade aí. Ela não
hesitou em quebrar todas as regras de moralidade, respeito e leis
para conseguir o que queria – mostrar a Nick que ela era a esposa
perfeita, e que ele não a merecia.
O curioso é que
personagens como Amy são feitas para serem coadjuvantes: mulheres
bonitas, inteligentes (mas não particularmente bem sucedidas – ela
escrevia testes para revistas e perdeu seu emprego graças a
recessão) e ricas raramente são usadas para muita coisa além de
dar ao herói conforto, motivo ou até mesmo decoração de tela.
Considerando o tipo de filme (um thriller) ela provavelmente seria só
um cadáver ao final da história. Mas goste você ou não, Amy
quebra esse ciclo, tomando tudo em suas mãos, enganando o país
inteiro e os espectadores. E poxa, eu aprecio isso para caramba.
Claro que, depois dessa
defesa apaixonada do filme – e de tudo que ele representa – tenho
que fazer a boa e velha ressalva: como muitas blogueiras feministas
apontaram, Amy é o sonho tornado realidade de um machista.
Utilizando-se de acusações de violência doméstica e estupro para
se vingar daqueles que a desagradam, ela reforça a ideia – falsa –
de que as mulheres o fazem com frequência. Não imagino, porém, de
que outra maneira Gillian Flynn ou David Fincher poderiam ter
colocado isso – afinal, se Amy for Amy, ela faria uso de qualquer
recurso disponível para fazer o que é, aos seus olhos, pura e
simples justiça.
Mas ainda que com seus
defeitos, Garota Exemplar tem um trunfo gigantesco: tirou
Holywood (e consequentemente seus espectadores) de sua zona de
conforto.
[Mais sobre
representatividade feminina no cinema: Feminist Frequency, Síndrome Trinity, Não queremos apenas mulheres fortes. Resenha de Garota Exemplar aqui e de Dark Places, outro livro da mesma autora, aqui.]
Oi Isabel, eu assisti ao filme há poucos dias e, apesar de não ter me tornado uma apaixonada como você, gostei bastante e refleti muito sobre a história e a personagem. E, querendo ou não, ela me tirou também de minha zona de conforto. Gostei ;)
ResponderExcluirBeijos
Tira mesmo :) Obrigada pelo comentário!
ExcluirUau, eu ainda não li o livro e nem vi o filme, mas que bom saber desses pontos e não sabia, principalmente, sobre alguns personagens serem reais.
ResponderExcluirM&N | Desbrava(dores) de livros - Participe do nosso top comentarista. São 4 ganhadores e você escolhe o livro que deseja ganhar.
Sim, é uma parte muito importante! Obrigada pelo comentário :)
ExcluirLi até depois dos spoilers. Li tudo e meu Deus como você é inteligente hahahaha. Eu ouvi tanto sobre esse filme, mas nada do que eu ouvi foi o suficiente pra levantar a bunda da cadeira e ir ao cinema assistir, bom, agora não está mais em cartaz, mas estou definitivamente tentando burlar a internet pra achar um bom link pra assistir. Gosto do fato de você ter analisado as personagens femininas e fiquei curiosa sobre a voz de Amy no filme/livro.
ResponderExcluirBeijos. Tudo Tem Refrão
Obrigada :) Vale muito a pena assistir, espero que vc goste!
ExcluirOi, Isabel!
ResponderExcluirQue texto incrível! Não vou entrar no mérito da discussão feminista porque precisaria ler mais a respeito e refletir um pouco mais. Ainda assim, adorei a abordagem sobre representatividade e sobre a quebra dos paradigmas hollywoodianos! Eu não tinha gostado muito do filme quando o vi no cinema, achei bem cansativo, mas olhar com essa abordagem o torna mais interessante.
Beijos,
Priscilla
http://infinitasvidas.wordpress.com
Verdade, tem umas partes meio cansativas... Mas acho que essa coisa toda da representatividade e o mistério (que só é legal pra qm não leu o livro antes, mas enfim hihi) compensam!
ExcluirOi Isabel, tudo bom? Nossa, adorei ler esse texto, sério mesmo.
ResponderExcluirSou uma grande fã de "Garota exemplar". Acho o livro e o filme verdadeiras obras primas.
Mulheres como Amy existem, por que é tão difícil aceitar isso?
Amy controla a narrativa o tempo todo, mesmo quando não sabemos disso, exatamente como você mencionou e isso mexeu tanto comigo... Senti-me traída por ter ficado do lado dela, sabe? Essa, com certeza foi uma história que despertou em mim sentimentos controversos.
Parabéns pelo texto e pela forma como abordou o assunto.. Foi brilhante!
Grande beijo ♥
Thati;
http://nemteconto.org
Nossa! Este filme me deixou com o queixo caido! Literalmente! Eu lembro que sai do cinema sem acreditar, faz tempo que não via um psico tão bom!
ResponderExcluirBeijos Joi Cardoso
Estante Diagonal
Heey, Isabel!
ResponderExcluirAdorei o post, e, apesar de ser garoto, também concordo que realmente precisamos de mais livros e filmes como Garota Exemplar, afinal, apesar de nem ter lido e nem assistido, só veja criticas boas da obra em si! *-*
Abs,
Jhonatan.
http://leiturasilenciosaoficial.blogspot.com.br