19 janeiro 2015

A teoria de tudo (filme)


Cada vez eu me convenço que um dos maiores problemas que temos como humanidade é achar que pessoas são menos do que pessoas. Achar que o próximo não é real e tem uma vida interior tão interessante, conturbada e fascinante como a sua.

Me esforço diariamente para me lembrar disso – afinal, não se desfazem anos de condicionamento cultural em tão pouco tempo – mas a ficha ainda não caiu completamente. Eu ainda sou uma idiota, senhoras e senhores, e um dos aspectos no qual a minha idiotice se manifestava era achar que pessoas com deficiência eram, necessariamente, inspiracionais.



Pois é.

Mas aí você me pergunta: poxa, Isabel, mas eles não passam por tanta coisa que nós nem sonhamos? Sim. As dificuldades são imensas, e a maioria delas nascida da dificuldade geral dos não deficientes (não só o governo, mas também da sociedade – exemplo: em frente a um dos meus restaurantes preferidos há uma rampa para cadeirantes, que por sua vez SEMPRE é tapada por um carro estacionado) de lidar com coisas que deviam ser cotidianas, como vagas especiais de estacionamento, filas preferenciais, interpretes para surdos ou rampas para cadeirantes. Mas a partir do momento em que você define uma pessoa como “inspiradora” por sua deficiência você está a reduzindo a somente aquilo – a sua deficiência. Ela não é uma pessoa real, com defeitos ou méritos outros do que viver com a deficiência X – ela é só aquilo. E por mais que tratar pessoas com deficiência como inspiradoras seja bem intencionado,isso não não as beneficia em nada – beneficia somente os não deficientes, que se sentem “motivados”. [Sobre esse assunto, indico fortemente essa TEDTalk e os posts da Mila.]

Por isso é com um pézinho atrás que venho resenhar A teoria de tudo – a biografia cinematográfica do físico mundialmente famoso Stephen Hawking, focando, principalmente, no período de casamento com sua primeira mulher, Jane.

Stephen teve uma vida extraordinária. Um jovem físico fazendo PhD em Cambridge, tudo parece caminhar do jeito que ele (e todo mundo) esperava. Até melhor, na verdade: Stephen era um dos melhores alunos da sua turma e estava interessado em sua colega, Jane, aluna de literatura.

Com uma queda, porém, vem uma descoberta: a doença motora degenerativa que lhe tiraria a capacidade de controlar seus braços, pernas e mais tarde até mesmo de falar. Jane, então, toma uma decisão considerada por todos precipitada: ela quer se casar com Steven, aproveitando os anos que ainda lhe restam – segundo os médicos, cerca de dois.

Jane e Stephen no seu casamento e os atores. A semelhança é incrível, e o Jane e o Stephen das telas estão fabulosos em seus respectivos papéis.
Mas não são dois anos: são muitos, e nos quais Stephen se consagra como um dos maiores astrofísicos do mundo. O filme, porém, faz justamente o que a palestrante do TED pede: ela não “objetifica” Stephen por causa de sua deficiência, colocando aquele como aspecto único e reinante de sua vida.


Não, apesar de todas as dificuldades, Stephen ainda tem defeitos gigantescos como a teimosia, discussões conjugais com Jane e comete erros que a cinebiografia não tenta apagar. Já mencionei muitas vezes aqui não gostar de histórias românticas e uma das razões é que a maior parte delas falta realidade, o que não acontece com A teoria de tudo. O filme provoca lágrimas sim, mas não as lágrimas de crocodilo de vídeos inspiracionais do YouTube, e sim as de empatia provocadas por visitar, por duas horinhas, a vida de uma pessoa, a sua trajetória e problemas.

A teoria de tudo estreia dia 29 de janeiro no Brasil. Se for ao cinema, não deixe de levar os lencinhos.

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