Cada vez eu me convenço
que um dos maiores problemas que temos como humanidade é achar que
pessoas são menos do que pessoas. Achar que o próximo não é real
e tem uma vida interior tão interessante, conturbada e fascinante
como a sua.
Me esforço diariamente
para me lembrar disso – afinal, não se desfazem anos de
condicionamento cultural em tão pouco tempo – mas a ficha ainda
não caiu completamente. Eu ainda sou uma idiota, senhoras e
senhores, e um dos aspectos no qual a minha idiotice se manifestava
era achar que pessoas com deficiência eram, necessariamente,
inspiracionais.
Pois é.
Mas aí você me
pergunta: poxa, Isabel, mas eles não passam por tanta coisa que nós
nem sonhamos? Sim. As dificuldades são imensas, e a maioria delas
nascida da dificuldade geral dos não deficientes (não só o
governo, mas também da sociedade – exemplo: em frente a um dos
meus restaurantes preferidos há uma rampa para cadeirantes, que por
sua vez SEMPRE é tapada por um carro estacionado) de lidar com
coisas que deviam ser cotidianas, como vagas especiais de
estacionamento, filas preferenciais, interpretes para surdos ou
rampas para cadeirantes. Mas a partir do momento em que você define
uma pessoa como “inspiradora” por sua deficiência você está a
reduzindo a somente aquilo – a sua deficiência. Ela não é uma
pessoa real, com defeitos ou méritos outros do que viver com a
deficiência X – ela é só aquilo. E por mais que tratar pessoas
com deficiência como inspiradoras seja bem intencionado,isso não
não as beneficia em nada – beneficia somente os não deficientes,
que se sentem “motivados”. [Sobre esse assunto, indico fortemente
essa TEDTalk e os posts da Mila.]
Por isso é com um
pézinho atrás que venho resenhar A teoria de tudo – a
biografia cinematográfica do físico mundialmente famoso Stephen
Hawking, focando, principalmente, no período de casamento com sua
primeira mulher, Jane.
Stephen teve uma vida
extraordinária. Um jovem físico fazendo PhD em Cambridge, tudo
parece caminhar do jeito que ele (e todo mundo) esperava. Até
melhor, na verdade: Stephen era um dos melhores alunos da sua turma e
estava interessado em sua colega, Jane, aluna de literatura.
Com uma queda, porém,
vem uma descoberta: a doença motora degenerativa que lhe tiraria a
capacidade de controlar seus braços, pernas e mais tarde até mesmo
de falar. Jane, então, toma uma decisão considerada por todos
precipitada: ela quer se casar com Steven, aproveitando os anos que
ainda lhe restam – segundo os médicos, cerca de dois.
Jane e Stephen no seu casamento e os atores. A semelhança é incrível, e o Jane e o Stephen das telas estão fabulosos em seus respectivos papéis. |
Mas não são dois
anos: são muitos, e nos quais Stephen se consagra como um dos
maiores astrofísicos do mundo. O filme, porém, faz justamente o que
a palestrante do TED pede: ela não “objetifica” Stephen por
causa de sua deficiência, colocando aquele como aspecto único e
reinante de sua vida.
Não, apesar de todas
as dificuldades, Stephen ainda tem defeitos gigantescos como a
teimosia, discussões conjugais com Jane e comete erros que a
cinebiografia não tenta apagar. Já mencionei muitas vezes aqui não
gostar de histórias românticas e uma das razões é que a maior
parte delas falta realidade, o que não acontece com A teoria de
tudo. O filme provoca lágrimas sim, mas não as lágrimas de
crocodilo de vídeos inspiracionais do YouTube, e sim as de empatia
provocadas por visitar, por duas horinhas, a vida de uma pessoa, a
sua trajetória e problemas.
A teoria de tudo
estreia dia 29 de janeiro no Brasil. Se for ao cinema, não deixe de
levar os lencinhos.