27 junho 2013

É como se fossemos a mesma pessoa [FILME: Ruby Sparks]



Acho incrivelmente complicada a forma com que relacionamentos são retratados na ficção – não completarei a frase com o clichêzão vago “hoje em dia”: esse problema parece ser atemporal. O quão saudáveis são Romeu e Julieta? Werther, porque você não simplesmente superou Carlota? Bella Swan, onde está a sua vida além de Edward?

Milhões e milhões de homens e mulheres (não se enganem pelo machismo, amiguinhos) cresceram com a ideia de que um dia achariam a sua outra metade da laranja, a sua alma gêmea, e a partir dali, tudo seria perfeito. Novelas terminam sempre com casamentos, como se os mesmos fossem o fim e indicativo de uma incrível estabilidade, não o começo de outra jornada (que, como qualquer uma, trará suas dores e alegrias). Essas expectativas, tão idiotas e irreais, não levam só a decepção, mas ao resmungo em massa de “não tem mulher/homem que preste hoje em dia!”.

Essa reflexão habita há muito tempo na minha cabeça, quando vi a brilhante vlogueira Tatiana Feltrin dizer que crê que não exista um livro do gênero Young Adult sem romance. Desesperadamente, pausei o vídeo e fui procurar na minha estante, só para constatar que, até o presente momento, a crença é real. E não são só os Young Adult – é difícil encontrar uma história qualquer sem romance.  Vejamos só: os personagens (portanto, em maior ou menor nível, toda a sociedade) não estão só engajados em uma busca impossível, mas também quase universal! Todos frustrados porque o cara ou menina legal não se encaixa na forminha de bolo, sem perceber que o problema não é com o outro – é com você.

Calvin, protagonista do filme Ruby Sparks, tem esse problema: escritor de um livro só, seu gênio não parece se repetir na segunda obra (que nem começou a ser escrita) ou nas relações sociais – aos vinte e nove anos, seu único contato com o mundo exterior é com o seu irmão mais velho.

O perfeccionismo é um problema de cinco entre dez autores (a arrogância é o do resto) e Calvin sofre desse mal, só conseguindo escrever quando seu terapeuta lhe dá permissão de ser ruim (será que ele não conhecia o NaNoWriMo?). A história? Sobre uma garota aparentemente perfeita, uma pintora de Ohio chamada Ruby Sparks que é a maior reunião de clichês que já vi (“eu sou uma bagunça!”) – aqui, felizmente, de propósito.



No início, acreditei piamente de que o filme se passava em algum momento da era pré-computador: Calvin usa óculos de aro grosso e uma máquina de escrever. Ao ver um iPhone, porém, constato que o nosso protagonista é só demasiadamente hipster, assim como sua amada – que, aliás, sai do papel e da tinta para a vida real.

Sim.

ISSO É SÉRIO, CALVIN? Sério mesmo?

Agora, não é como se eu não quisesse bater um papinho com algum de meus personagens (e perguntar porque eles são tão rebeldes e intratáveis as vezes) mas não ligar para um hospital ao ver um deles de fato é um nível abaixo da sanidade – mesmo para um escritor. Há aqui o meu primeiro elogio para Ruby Sparks: Calvin não aceita a presença de sua criação tão fácil assim, e mesmo quando o faz, é facilmente justificável pela personalidade, temperamento e isolamento do mesmo. E mesmo que fosse loucura, seria coletiva – ele checa, milhares de vezes, que não é o único a ver a garota ruiva. Um teste final revela que ela não é uma atriz ou fã louca (redundância) e sim produto de sua própria imaginação, moldável de acordo com o digitado em sua velha máquina de escrever.



Como em qualquer filme, há aquele período de felicidade roubada, onde uma musiquinha dá fundo a vários flashes de aventuras e sorrisos. O problema é quando Ruby começa a criar uma personalidade própria, querendo, de fato, uma vida – Calvin, que havia deixado seu manuscrito trancado na gaveta até então, aproveita-se do seu poder semi divino para alterar a disposição de Ruby, fazendo com que ela se torne o que era a priori: uma garota perfeita. Para ele.



Calvin é um imbecil completo, mas é tão pateticamente dependente que não consegui detestá-lo. Ruby veio de sua imaginação, e qualquer desvio a isso é rapidamente “corrigido” – ou seja, ele poda qualquer fagulha de individualidade. Ruby diz “é como se fossemos a mesma pessoa” e o triste não é que Calvin, um personagem ficcional, seja e pense desse jeito – o triste é a quantidade de pessoas reais que compartilham disso, sem nem ao menos perceber ou ver problema nisso. Como se a obrigação do parceiro(a) não fosse ser só a metade da laranja, mas sim a extensão de sua vida, a continuação de sua existência. Ah, que coisa traiçoeira é achar que uma pessoa é menos que uma pessoa...

As críticas feitas em Ruby Sparks são ácidas, acertando, através da ficção, pontos críticos. Minha única crítica real ao filme reside na trilha sonora, que prometeu fantásticos Kaiser Chiefs e outras maravilhas, parcamente cumpridas. Mas não é ruim, só abaixo das expectativas. Ah, as expectativas...




Não é alarmante que na Índia (onde a maior parte dos casamentos são arranjados) os casais sejam mais felizes do que em qualquer lugar do mundo ocidental?? Isso porque não há aquela expectativa imensa – o futuro noivo ou noiva não sabe se o escolhido de seus pais é, de fato, saído diretamente de uma comédia romântica, filme indie ou seja lá o que você goste. Não vejam isso como uma defesa do casamento arranjado (dã) e sim dos pés no chão, os dois, bem postos. Talvez assim como Calvin estejamos perdendo pintoras vivas e cheias de personalidade em prol das (falsas) criações de nossas mentes...

7 comentários:

  1. POST POLÊMICO SOBRE RELACIONAMENTOS: adoro.
    Sou super racional quanto a isso e, acredite, há poucos minutos estava discutindo sobre isso com uma pessoa. Confesso (e para a surpresa de todos) que acho relacionamentos liberais um dos melhores tipos, porque, simplesmente você trata o outro como pessoa e não como um objeto só para você. Também exigir demais de uma pessoa é errado, da mesma forma que não quero que exijam demais de mim. Nem preciso falar que sou contra casamento haha
    De qualquer forma, sou louca para ver esse filme. Apesar de parecer mais um desses hipsters dignos de 500 dias com ela, aparenta ter uma mensagem legal.
    Ah, adorei o que você falou sobre a India! Eu não sabia disso. Realmente faz muito sentido. Expectativas demais só servem para machucar a gente.

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  2. Adorei o post e fiquei com vontade de ver o filme. Tanta coisa legal! To com muito sono pra falar algo melhor, mas uma das partes que eu mais gostei foi sobre o comentário de não existir história sem romance. É uma coisa tão estranha. É uma sociedade tão estranha! HUAHUAHA E eu sempre gostei de um romance, o que sempre me fez tender a gostar desse lado. Mas volta e meia eu paro pra pensar se isso é tão saudável...

    Isso no final dos casamentos me lembrou a uma palestra do TED que eu vi. Bem legal, aliás. Aqui:
    http://www.ted.com/talks/lang/pt-br/barry_schwartz_on_the_paradox_of_choice.html

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  3. Sou doida pra assistir esse filme
    Principalmente pela Deborah Ann Woll <3

    Mas comentam tanto no Facebook, que tenho medo de não gostar.

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  4. Ok, me sinto moralmente obrigada a ver esse filme porque relacionamentos baseados em dependência emocional e formas de bolo me dão urticária. É o cara que acha que precisa botar a namorada numa redoma de vidro senão ela quebra, é a menina que fica puta porque o namorado não quer dormir de conchinha sendo que conchinha É A PIOR POSIÇÃO DO MUNDO PRA DORMIR PORQUE ALGUÉM SEMPRE FICA COM O BRAÇO DORMENTE.

    ARGH.

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    1. MEU DEUS, ESTOU LOUCAMENTE RINDO E BALANÇANDO MINHA CABEÇA EM APROVAÇÃO AO SEU COMENTÁRIO. Tão tão verdade HDAUDHAS

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    2. E ainda vão dizer que é recalque.

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  5. Adorei, adorei! Quero muito ver esse filme! Relacionamentos realmente são tratados de um jeito meio clichê nos filmes/séries/novelas e fiquei curiosa para ver de que jeito esse filme traz. Fiquei curiosa!
    Adorei sua resenha, me fez refletir!

    TRASH ROCK

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