31 março 2012

Scored

Depois de uma segunda Grande Depressão, as universidades estadunidenses voltaram a ser domínio exclusivo dos super-ricos – não importando o quão talentoso ou esforçado você fosse – e a mobilidade social se tornou próxima a zero.
"Sensibilizados" (ou não) com a falta de perspectivas reservadas a maioria dos jovens americanos, a ScoreCorporation se prontifica a mudar isso - mas de uma maneira bem custosa e peculiar: o sistema por eles criado vai além das notas na hora de medir o desempenho de um estudante, atribuindo uma nota (ou score) para cada pequena ação do mesmo. Seus amigos, seu foco, seu comportamento e cada palavrinha que você fala –  tudo é essencial e registrado pelas eyeballs, câmeras cruéis espalhadas por toda a cidade que registram e processam cada uma de suas ações, calculando o seu score. Lojas, hospitais e até mesmo o exército passam a adotar o score como maneira de fazer novas contratações, mas o almejado pela maioria dos estudantes é outra coisa: conseguindo um score acima de oitenta pontos, a ScoreCorp pagará todas as suas taxas para qualquer faculdade estadual.
Como sempre, nem todos estão felizes com esse sistema: parte dos estudantes da Somerton High, na cidade de Somerton, Massashusets – uma das cidades-teste para o Score –  se recusam a terem suas vidas vigiadas pelas eyeballs. A associação com os chamados unscored é punível com a perda consecutiva de vários pontos.
Essa perda de pontos por associação é levada ao extremo: em Somerton High, todos os alunos somente fazem amizade com aqueles de Scores semelhantes –  por isso, as panelinhas são refeitas todos os meses, e aqueles que eram outrora inseparáveis agem como se nunca houvessem se conhecido. Imani LeMonde, contudo, graças a uma promessa feita há muitos anos atrás, não abandona a amizade de Cady – mesmo que Imani possua 92 pontos e Cady somente 67.
Um dia, esta amizade deixa Imani em apuros: Cady começa a namorar um unscored – resultando na perda de pontos não só para ela, mas também para Imani. Com um score abaixo do necessário para sequer conseguir um bom emprego – o que dirá uma bolsa – Imani procura o impossível e acha: uma maneira de ganhar mais de vinte pontos em um mês, voltando para o topo e realizando seu sonho de estudar biologia marinha.
Se associando com Diego McLune para um trabalho – o filho rico de uma advogada anti-score – ela espera conseguir informações boas o suficiente para que a ScoreCorp recompense a sua lealdade com uma quantidade estúpida de pontos e, consequentemente, uma bolsa de estudos. Contudo, a convivência com Diego – que tem idéias próprias e peculiares sobre o real objetivo do Score – faz com que Imani repense se a "meritocracia" proposta pela ScoreCorp é realmente benéfica.
A ideia de Scored é brilhante: em algumas sociedades ou grupos sociais, a pressão colocada em cima dos adolescentes para "andar na linha" é enorme. Embora ir para a universidade ainda esteja fora de cogitação para uma grande parte da população brasileira, a tensão é palpável em terceiros anos e cursinhos pelo país inteiro. Em alguns países, isto é levado ao extremo: na China e na Coreía do Sul não são incomuns colapsos nervosos e suicídios graças ao ambiente acadêmico. Lauren McLaughin tentou elevar isso a um outro nível, a um nível onde a vigilância é completa, impessoal e constante. O exagero, característica da maioria das distopias, está bastante presente em Scored, embora o mundo em que ele está inserido seja completamente reconhecível e parecido com o nosso.
O problema foi a execução: não é exatamente mal-escrito, mas sim mal-desenvolvido. Scored é ótimo até a metade, mas, a partir daí, a autora entra em uma corrida desenfreada para terminar o livro em poucas páginas, não desenvolvendo mil e uma situações possíveis e inserindo algumas inúteis. O aspecto psicológico dos adolescentes scored – o que eu ansiei para ler sobre – é praticamente ignorado, se limitando a breves descrições por parte de Imani de como é difícil ser vigiada 24/7.
Não gosto muito de distopias explicativas, o que Scored é. Gosto de refletir sobre determinados aspectos por mim mesma, ler nas entrelinhas - o que é exatamente o contrário que Scored faz, dando todas as reflexões possíveis através de diálogos entre Imani e Diego. As entrelinhas, em um livro de ficção distópica, são preciosas: em geral, quem lê este tipo de coisa gosta de chegar a suas próprias conclusões, não encontrar as de outrém inseridas no objeto de reflexão.
Ainda assim, dou três pontinhos a Lauren McLaughing por sua ideia brilhante – mas uma para a interminável lista das que eu gostaria de ter tido.
Nota: 3/5

28 março 2012

Criança 44


Como solucionar uma série de crimes em um país cujo governo nega a existência dos mesmos?
É essa a pergunta que Liev Demidov se faz. O leal agente da MGB – polícia secreta soviética –de Stalin torturou, adulterou e matou em prol do regime, do tal do “bem maior”, de uma desejada paz e justiça social.
Contudo, Liev é acusado de traição sem razões aparentes, e é isolado com sua esposa Raíssa em uma cidade do interior, onde ele é “rebaixado” da elite do funcionalismo público soviético para um mero soldado de uma milícia –como não se admitiam a existência de crimes “comuns” na URSS de Stálin, a milícia teoricamente funcionava como uma espécie de “segurança” para coisas simples como brigas de bar, rixas de família e outras coisas do tipo (mas obviamente acabava fazendo muito mais).
Quando, depois de uma caminhada, ele encontra o corpo de um garotinho, Liev entra em choque: meses antes ele havia convencido a um de seus subordinados que a morte de seu filho – dada nas mesmas condições e com as mesmas características do garotinho que Liev encontrou – não era um assassinato, e sim um mero acidente de trem – afinal, afirmar ao contrário seria traição, uma transgressão que seria vista como uma dúvida da competência do estado e ameaça à paz social.
Como forma de se redimir moralmente e, acima de tudo, de encontrar uma razão para viver, Liev começa a investigar os assassinatos, descobrindo que eles não ocorreram somente naquelas duas situações – cerca de quarenta e quatro pessoas, em sua maioria crianças, foram mortas nas proximidades de estações de trem por toda a União Soviética, tendo em comum um punhado de sujeira na boca e um barbante no tornozelo.
E é essa versão tosca das idéias de Marx, Engels e outros grandes que Tom Rob Smith nos apresenta: a União Soviética. Embora o livro apresente a consciência de que vários problemas sociais foram resolvidos, não deixei de lembrar de 1984, de George Orwell: a descrição do medo do povo em geral de acabar em um gulag (campos de trabalho forçado, usados muito no stalinismo) por um crime qualquer (que nem sempre de fato foi cometido) não se diferencia das apreensões de Winston Smith. Viver cercado, sem poder questionar ou nem sequer reclamar: era isso que, aos olhos do autor, era reservado aos soviéticos.
A “cegueira” do governo soviético quanto aos crimes chamados “comuns” e “oriundos de uma sociedade capitalista” é também bem trabalhada: segundo o regime, assassinatos e roubos eram efeitos colaterais de uma sociedade capitalista desigual (sim, estou sendo redundante).  Concordo em parte com essa lógica: creio sim que a maioria dos crimes seja cometido por pessoas desesperadas, que transmutam uma personalidade com princípios morais para uma sem escrúpulos diante do desespero. Contudo, ignorar completamente o tal do banditismo por pura maldade é extremamente perigoso.
Mas é claro que tais crimes não poderiam passar em branco, sem uma justificativa: seria muito suspeito, e fugindo a qualquer tentativa de controle social. Para isto, eram usados bodes expiatórios: doentes mentais, homossexuais e supostos “inimigos do estado”, anunciados como espiões contratados pelo ocidente que objetivavam acabar com a estabilidade da sociedade soviética. Descobrir esse tratamento dado aos homossexuais, aliás, foi bastante chocante para mim – não consigo associar nenhum posicionamento verdadeiramente de esquerda ao preconceito, mesmo sabendo que, nos anos 50, o termo “homofobia” ou qualquer noção de o quão errado isto era existia.
Criança 44, como um bom thriller, não te deixa respirar – tão logo que um mistério ou um problema é resolvido, outro, ainda mais complicado, vem a tona, e tudo se amarra numa perfeita e coerente teia de acontecimentos. Não sei se é minha falta de familiaridade com o gênero, mas não vi nenhum grande defeito em Criança 44 – além do supracitado, o livro é bem-escrito e parece ter demandado uma grande pesquisa por parte do autor.
Mesmo não acreditando no sobrenatural e sabendo que a possibilidade de que um serial killer me ache é mínima; não gosto muito dessas coisas. Sei que não é real, mas quando estou sozinha no escuro, toda a racionalidade é deixada de lado, o impossível se torna real. De forma positiva, Criança 44 foi leve o suficiente para não tirar meu sono – então, provavelmente me aventurarei mais no nem-tão-fantasioso reino dos serial killers no futuro.
Nota: 5/5
Esse post faz parte do Desafio Literário 2012.

26 março 2012

Jogos Vorazes (filme)





É um hábito irritante dos diretores de filmes baseados em bestsellers não explicarem direito certas coisas, certos aspectos do enredo que, se não são essenciais para a história, pelo menos a fariam mais interessante. É como se eles possuíssem a certeza de que apenas fãs ensandecidas pela série assistirão aquele filme, e que nenhum curioso que não sabe que o filme em questão é baseado numa série de sucesso mundial  ousará pisar numa sala de cinema onde ele esteja passando.
Em menor escala do que o geral, o primeiro filme da série Jogos Vorazes, escrita por Suzanne Collins, sofre desse mal: quando Panem (o país distópico onde a trilogia se passa) é apresentado, senti uma carência muito grande de informações sobre o mesmo. Não é como se não houvessem explicações, mas senti que, caso eu não houvesse lido os livros, não entenderia muito bem porque todo aquele desespero em torno de algo chamado “colheita” ou porque colocar cercas com placas de “não ultrapasse, limites do distrito” em torno de uma vila.
Panem se localiza no que já foi a América do Norte que, depois de muitas guerras, foi dividida em treze distritos e uma Capital. Cansadas de trabalhar em prol do luxo e da ostentação da Capital, as pessoas do distrito treze se rebelam – mas são rapidamente vencidas. Para lembrar quem está no comando – e conseguir um bom show para seus habitantes ociosos – a Capital, todos os anos, realiza os Jogos Vorazes, uma espécie de Coliseu onde vinte e quatro jovens de 12 a 18 anos, dois de cada distrito (os chamados tributos) devem lutar até que apenas um sobre.
Katniss Everdeen – uma garota de dezesseis anos do distrito doze que garante o sustento de sua família através da caça desde a morte de seu pai – sabia que as chances de que ela fosse sorteada eram grandes: em troca de comida, ela aceitava, ano após ano, que seu nome fosse posto no pote onde os tributos eram sorteados mais vezes que o normal.
O que ela não esperava, contudo, era que sua irmã Prim, de apenas doze anos e com o nome no pote apenas uma vez fosse sorteada. Desesperada, Katniss se oferece em seu lugar – cena que, confesso, me emocionou desde os trailers – e assim vai para os Jogos Vorazes.
Mesmo sem grandes explicações sobre o mundo onde o filme se passa, uma coisa essencial se entende: os distritos se encontram em um péssimo estado, com bastante pobreza e algumas pessoas vivendo como quando no medievo. Quando Katniss e Peeta (o outro tributo do distrito doze) chegam o contraste entre a vida que ambos costumavam levar é imenso quando eles contemplam a vida cheia de excessos que pessoas dos doze distritos sustentam.
O filme é cheio de símbolos e referências, algo é mais possível de forma visual do que no papel: o estandarte onde o Presidente Snow fica, por exemplo, lembra bastante os palcos que eram armados para os comícios de Hitler, numa referência ao totalitarismo que é o governo de Panem. Não havia conseguido formar esta imagem mental durante o livro, mas ao ver Katniss de arco e flecha com uma trança no cabelo, consegui me lembrar das míticas Amazonas que, assim como ela, representavam força e poder femininos.
Como adaptação, é bem fiel: as mudanças foram poucas – na verdade, foram mais omissões, e os acréscimos me pareceram necessários para a introdução do segundo filme, Em Chamas. Não consigo imaginar outra que Jannifer Lawrence para fazer Katniss: ela conseguiu capturar aquela essência de menina forte que tanto me encantou quando li os livros. Josh Hutcherson também conseguiu capturar o precioso carisma de Peeta, que é essencial para sobrevivência dele e de Katniss na arena. As cenas das lutas não foram muito sangrentas, mas também não foram muito leves - apenas o suficiente para ser realista sem exagerar na classificação, ou espantar pessoas mais sensíveis do cinema. O único erro grande – além da supracitada falta de informação para quem não leu os livros – foi na sonoplastia, que, na falta, torna alguns filmes mais chatos do que realmente são.
Mas Jogos Vorazes não é chato – não mesmo. Lamento muito a série só ter ido até o terceiro livro – sem possibilidade de continuação graças ao seu final – mas agora que não tenho mais livros ou filmes de Harry Potter para ansiar por, posso muito bem me contentar em roer as unhas pelos próximos filmes de Jogos Vorazes.
OBS.: resenhei a trilogia inteira aqui.
ATUALIZAÇÃO (eu não poderia deixar de falar disso): Vários tweets foram feitos por fãs de Jogos Vorazes reclamando da escolha dos atores que interpretaram Cinna e Rue. Mas não foi por sua qualidade (eu particularmente acredito que não haveria melhor atriz para intepretar Rue), e sim pela cor de sua pele. O nível é bem baixo - um cara chega até dizer que não ficou mais com pena de Rue depois que descobriu que ela era negra. As justificativas são bem podrinhas - que Rue deveria parecer com Prim (Katniss fala que é por sua idade e tamanho, não fisicamente, e a propria autora fala que os concebeu ambos tributos do onze como afro-americanos) ou que Cinna deveria ser bonito (como se Lenny Kratvitz não o fosse). É uma coisa tão pequena se preocupar com a cor da pele de dois atores, tão insignificante para o curso geral do filme que não tenho nem palavras... Não os ter imaginado negros é uma coisa; sair fazendo comentários racistas e dizendo que o filme foi uma merda por causa disso é outra. Eles se dizem fãs, mas não entenderam a mensagem que o livro (como a maioria de ficção distópica) traz. Não leia esse blog que reuniu os tweets racistas caso você não queira ficar um tiquinho deprimido e com vergonha de ser humano. 
Nota: 5/5

21 março 2012

Suicide Room



Pois bem, aqui está mais uma das discussões nas quais não deveria entrar que citei no post anterior: a tal da “banalização” do bullying. Não é raro ouvir alguém dizendo “na minha época, todo mundo ganhava apelidos e ninguém se matava por isso” ou “hoje em dia, todo mundo sofre bullying”.
Meus caros, o sangue me sobe à cabeça nessas horas. Se ser agredido verbalmente (as vezes fisicamente) repetidas vezes no ambiente escolar fosse algo tão banal, não haveriam casos como o de Columbine. Claro que outros fatores influem e nem toda vítima de bullying tirará a sua própria vida e/ou a alheia, mas não vale a pena correr o risco. Nossos esforços anti-bullying não são exagerados, muito pelo contrário: são, até o momento, ineficazes. A “comparação” (tenho minhas dúvidas se correta ou possível de se provar empiricamente) entre gerações de vítimas de agressões em ambiente escolar também me faz respirar fundo: é óbvio que cada época conta com seus males e angústias, diferentes gerações têm diferentes níveis de sensibilidade – o calo lhes dói de forma completamente distinta das que a precederam.
E foi o bullying que instigou a depressão de Dominik, protagonista de Suicide Room: após beijar seu amigo graças a uma aposta, ele começa a ter dúvidas quanto a sua sexualidade. A oportunidade para piadinhas e brincadeirinhas levemente agressivas não é perdida por todos seus colegas na prestigiosa escola que freqüenta: a homofobia corre solta via Facebook, fazendo com que Dominik se isole dentro de seu quarto.

Uma família preocupada e presente poderia ter cortado o mal pela raiz, mas não é o que acontece: o pai de Dominik trabalha para o ministro, e sua mãe tem sua própria grife de moda, ocupações que fazem com que eles passem horas e horas fora de casa, malmente retornando a mesma para dormir. Quem na verdade percebe todo o problema de Dominik é a empregada da casa, que vê o garoto rejeitar as refeições e sem ir para escola por vários dias seguidos. Quando esta chama a polícia e Dominik é internado por ter se cortado, seus pais caem na real, mas não tanto assim: ao conversar com um psiquiatra, suas preocupações não parecem estar tão voltadas ao bem estar do seu filho, e sim ao seu desempenho nos exames finais da escola.
A situação se agrava ainda mais graças a amizade que Dominik tem com Sylwia, uma garota de cabelo rosa que não saí de casa há três anos e flerta com a ideia de suicidar-se com pílulas e álcool. Sylwia é criadora da Suicide Room, um local no jogo Second Life onde suicidas de todos os tipos conversam e planejam uma maneira de se suicidarem coletivamente.
Talvez quem tenha passado por isso se identifique, mas, na primeira metade do filme, eu não conseguia compreender porque a depressão de Dominik era tão forte, tão intensa. Se haviam razões? Sim, com certeza – como disse acima, não banalizo os sentimentos alheios e detesto quem o faz. Mas simplesmente fugiu à minha compreensão – não sei se por ignorância ou por erro do diretor.
Mas, a partir de um certo ponto, as causas e efeitos se tornam desnecessárias: Jakub Gierszal, que interpreta Dominik, é tão convincente em retratar a angustia e desespero do garoto que não precisamos de explicações – as coisas simplesmente se tornam, acontecem, são daquele jeito. Não cheguei a gostar de Dominik em nenhum momento (ele é bastante mimado e desagradável) mas a sua dor é tão genuína que, se não fosse a curiosidade por saber o final, eu teria pausado o filme logo no início de sua parte mais agonizante.
A relação entre Sylwia é um ponto muito bom: de forma sedutora, porém não intencional, Sylwia agrava a depressão de Dominik. Não sei dizer exatamente se Dominik amava Sylwia, mas, de alguma forma, a sua fragilidade fez com que ela se tornasse extremamente necessária para ele – Dominik simplesmente enlouquece quando ela ameaça o expulsar do Suicide Room. O fato de o diretor não usar esse pseudo-amor como redenção é bastante positivo: sim, eu acredito que o amor supere muitas barreiras, mas não o amor adolescente entre duas pessoas com problemas psiquiátricos graves e mal-trabalhados.  
O filme é fantástico. Mas eu não quero assisti-lo de novo, sob nenhuma circunstância: Suicide Room é um daqueles filmes que te deixam com um gosto ruim na boca, o gosto amargo de encarar a nossa própria fragilidade.

OBS.: Não sei se Suicide Room já foi lançado no Brasil, mas visto a dificuldade para encontra-lo, creio que ainda não. Aqui Dasty, do Spleen Juice, fornece alguns links para torrents, mas eu baixei aqui e foi relativamente rápido.


Nota: 5/5

18 março 2012

Tropa de Elite, pt. um


Não sei se isso ocorre com outros filhos de professores, mas, por ver nos meus neles colegas de profissão dos meus pais, detesto representar um problema em classe. Minha extrema preguiça de estudar já me rendeu algumas conseqüências bem inesquecíveis, mas detesto fazer qualquer coisa errada em sala de aula: não converso, não brinco, tento ser participativa e, acima de tudo, detesto deixar de fazer a lição de casa – por isso, dessa vez assistir Tropa de Elite e Tropa de Elite 2 foi inevitável.
Eu tenho uma listinha de discussões em que nunca deveria entrar, mas acabo entrando – e a legitimidade da tortura é uma delas. É um daqueles debates no qual a paciência e a tolerância me faltam – nem tanto pela opinião alheia (de aprovação quase unânime aos nada delicados métodos de coerção e punição empregados, na maior parte do tempo, pelo Estado) de defesa à mesma, e sim pelos argumentos pouco impessoais e irracionais que são usados.
Por isso que eu fugi durante esse tempo todo de Tropa de Elite. Não foi uma única descrição que ouvi de pessoas se levantando e aplaudindo para as inúmeras cenas de tortura – cenas que, ironicamente, não podem faltar quando se trata de um filme sobre agentes da lei.
Ah, mas eu – e todo mundo que falou comigo sobre o filme, aliás – não poderia estar mais errada. Tropa de Elite não é sobre a quase guerra que ocorre nas favelas, o treinamento desumano do BOPE ou a ação estilo Call of Duty. Sem sair em sua defesa ou condená-los, Tropa de Elite fala sobre os policiais, personagens mais ambíguos que poderiam existir. Há sim bastante mérito em estar disposto a se tornar um profissional que corre riscos imensos de vida recebendo em troca um salário mixo; mas é impossível ignorar as atrocidades cometidas por policiais (só para deixar bem claro: eu sei que nem todos os policiais são desonestos – estou generalizando bonito aqui) dentro de Favelas e da utilidade geral da polícia como instituição repressora.
Dizem por aí que você só sabe o que é medo quando se tem filhos e o Capitão Nascimento está sentindo o peso do significado dessa frase: sua esposa está grávida, o que agrava a tensão de ambos pelo emprego perigoso de Nascimento no BOPE. E, como se não bastasse o stress comum do trabalho, há um agravante: o Papa, que estará de visita ao Rio de Janeiro, quer dormir na favela, sendo o trabalho do BOPE pacificá-la – o nosso genocídio diário de jovens pobres e negros parecer não ser nada perto do risco de Vossa Santidade levar uma bala.
Por pressão da esposa, Nascimento procura um substituto. Wagner Moura (um dos meus atores preferidos) se superou neste filme: ele está magnífico na pele de um policial tão ambíguo quanto sua profissão – enquanto sentia uma admiração imensa por algumas dos raciocinios por ele apresentados, outras me davam um nojo extremo. Na sua procura por um substituto, seu caminho se cruza com o de Neto e Mathias, dois policiais jovens, honestos e idealistas, mas bem diferentes um do outro: enquanto Neto é impulsivo e bastante fiel à polícia, Mathias é racional e tem o coração dividido entre continuar na carreira policial ou se tornar advogado.
Com esta “vida dupla” de Mathias, o filme insere a algumas discussões interessantes: a primeira, e mais repetida, é a de classe e cor. É flagrante o fato de Mathias fugir ao padrão de jovens de classe média brancos na faculdade de Direito onde estuda – algo que, mesmo com as políticas de cotas sociais e raciais se perpetua até hoje, quinze anos depois da data quando o filme se passa.
As contradições da classe média também são expostas: enquanto Maria – que se envolve com Mathias até descobrir que ele é policial – se mostra, por um lado, bastante preocupada com a desigualdade social, trabalhando ativamente em uma ONG, ela também fuma maconha, sustentando de forma direta o tráfico. Lógica que não sei se concordo plenamente com: apesar de saber que, de forma direta, o sustento do tráfico é realmente feito pelos usuários de drogas (em sua maioria de classe média, já que as drogas usadas pelos pobres não são caras o suficiente para representar, economicamente, um grande lucro para o tráfico) não acredito que se possa viver em sociedade sem patrocinar, de alguma forma, o tráfico, a exploração ou a miséria.
A fim de conseguir algumas peças para viaturas (e sair da entediante função na Oficina da PM) Neto se envolve em um esquema de corrupção. A priori, tudo parece estar bem, mas não acaba dando tão certo assim: um dos envolvidos, um policial corrupto de longa data, é marcado para morrer. Neto e Mathias tentam impedir que isto aconteça mas, graças a um tiro mal-dado, o caos se instala no morro, sendo o BOPE chamado para intervir. No ápice de seu stress – com uma mega operação para comandar, uma esposa grávida e um leve vício em remédios controlados – Nascimento conhece Neto e Mathias, principais candidatos a seu substituto.
O filme é sim, de certa forma, perigoso: a partir das situações difíceis vividas pelos policiais, há a explicação do porquê do emprego da violência na ação policial – embora esta explicação não nos conduza, em nenhum momento, para alguma espécie de defesa.
Reforcei a conclusão de uma reflexão a qual eu já havia sido induzida pela greve da PM da Bahia em Fevereiro: assim como as péssimas condições de trabalho não justificam a atitude de alguns policiais frente a sua profissão, o atual estado da polícia como agente repressor também não deve ser justificativa para que estes profissionais possuam péssimas condições de trabalho ou recebam carta branca para “manter a ordem” da maneira que bem entenderem.  Trabalhar daquele jeito é complicado, mas dormir direito depois de matar e torturar em prol de “um bem maior” (que ninguém sabe qual é) também deveria ser.
Nota: 4/5

14 março 2012

O brilho eterno de uma mente sem lembranças, memória, e a vontade de ser singular

"Feliz é a inocente vestal; Esquecendo o mundo e sendo por ele esquecida. Brilho eterno de uma mente sem lembranças; Toda prece é ouvida, toda graça se alcança." Alexander Pope
Se a neuromedicina avançasse o suficiente para apagar, de forma definitiva, uma lembrança de sua cabeça, o que você faria? Fosse uma pessoa, situação ou sensação, ela seria para sempre esquecida – e no dia seguinte, o único efeito colateral seria uma dor de cabeça, nada mais do que o experimentado em uma ressaca. Você se poderia se livrar de todos os seus erros, de pessoas que desejava nunca ter conhecido, de palavras que não deveriam ter sido ditas e da culpa de ter deixado de fazer algo. O que você faria diante dessa perspectiva única, maravilhosa e assustadora?
Escrutinei minha mente atrás de coisas que eu gostaria de esquecer para sempre e me vieram, com uma rapidez impressionante, as pequenas humilhações da infância. Sei que não pode parecer grande coisa, mas o olhar infantil através do qual foram concebidas as tornam estranhamente intensas, melancólicas e coloridas. Depois, coisas mais recentes: palavras que nunca deveria ter dito e erros (não muito grandes por si só, mas que acumulados, se tornaram imensos e impactantes) da adolescência –  que, atipicamente, fazem com que minhas bochechas esquentem de vergonha não de mim mesma; mas de coisas que pensei serem verdades únicas e universais.
Mas aí veio o problema: eu simplesmente não podia apagar nenhuma dessas lembranças. Esquecer algo para sempre é esquecer também o aprendizado e auto-consciência que esta lembrança lhe traz, e pessoalmente, digo que cada um dos meus erros foi um pequeno tijolinho para que eu seja quem sou hoje. Não que eu seja grande coisa, aliás, ou almeje a perfeição em meus atos – qualquer coisa que chegue perto de ser completamente irrepreensível é chata –  mas a minha eu de hoje é menos propensa a quebrar a cara por besteiras do que a de um, dois, três anos atrás. Cada erro, cada lembrança, leitura, pessoa, tudo isso é um pequeno pedacinho da colcha de retalhos que é a personalidade de cada um, e, mesmo com todos os meus defeitos imperdoáveis, acharia estranho trocar a minha colcha pela de outrem.
Enfim, livrar-me das minhas lembranças ruins ou vergonhosas seria negar a mim mesma e a toda trajetória da humanidade, que até hoje, consistiu em errar e (as vezes inutilmente) tentar mostrar às gerações futuras a estupidez do erro. Nunca haveria, de fato, um acerto, já que a minha essência não mudaria, somente minha propensão a errar. De modo geral, a nível pessoal e coletivo, estaríamos todos perdidos.
Clementine, personagem principal de O brilho eterno de uma mente sem lembranças, não pensava igual a mim: sem pestanejar, contratou uma clínica para apagar uma de suas lembranças mais adoráveis e dolorosas – o seu relacionamento com Joel.
O começo do filme é bastante lento – naquele estilo de filmes Cult bem cansativos, que perdem sua missão de entreter em meio à vontade de parecer legal – mas é estimulante por uma razão: Jim Carrey. É no mínimo estranho o ver sem as piadinhas, sem os personagens mal-construídos (com exceção para o Conde Olaf, da adaptação para os livros da série Desventuras em Série), na pele de Joel.
Aliás, como é comum em filmes de romance, os dois são bem diferentes: enquanto Clementine é falante, inconseqüente e complicada; Joel é um daqueles caras introspectivos, bastante tímido, cuja vida e pensamentos parecem bastante sem graça a um primeiro olhar. A fim de tentar mascarar a dor de ter sido esquecido pela mulher que amava, Joel também passa pelo procedimento de “deleta-la” de sua mente, questionando durante o processo se a validade e utilidade do mesmo.
Todo esse processo é uma jóia valiosa no filme: enquanto reconstrói seu relacionamento com Clementine – partindo de sua última briga até o dia em que se conheceram – Joel vai questionando seus conceitos e vendo tudo aquilo do que se arrepende. Ao contrário dos filmes de alto orçamento em geral, as lembranças e sonhos não vêm tão perfeitas, em alta qualidade, e sim como na vida real: meio borradas, fracas e com partes faltando. O fato de tudo ser não-linear, com inserções de lembranças anteriores e as “viagens” que a mente humana geralmente dá torna tudo mais legal.
Pergunta: só sou eu que me incomodo com essa busca incessante e incansável de muitos adolescentes (e alguns adultos) por uma individualidade artificial? Vestir roupas diferentes, escutar a banda mais desconhecida, ler os livros mais complicados ou fingir ter as emoções e preocupações mais profundas – quando, na verdade, esse esforço por não ser parte de uma multidão resulta numa normalidade mais chata que o comum, por ser forçada, prepotente e arrogante?
Esse foi meu porém com o filme: foi assim, desse jeito podremente torto, que a personalidade de Clementine foi construída. O esforço em fazer com que ela pareça legal – não no estilo hollywoodiano, loiro, casto e perfeitinho; mas de um jeito indie, rebelde imperfeito e estranho – foi tudo muito excessivo, muito artificial e infantil. No final, ela era somente mais uma com a tal da síndrome da singularidade, externando suas inseguranças estúpidas e dando pitizinhos sem razão alguma.
Além disso, foi falha a tentativa de fazê-la a estrela do filme – no final, foi o tímido Joel (nunca vão me convencer que não foi um alien que abduziu o verdadeiro Jim Carrey durante aquele filme) que brilhou.
Nota: 4/5

10 março 2012

L16 - O perfume


Jean-Baptiste Grenouille poderia ser só uma de várias crianças rejeitadas na Paris do século dezoito. O órfão (sua mãe foi condenada à morte pelo infanticídio de quatro crianças, abandonadas debaixo do balcão de uma peixaria – destino quase compartilhado por Jean-Baptiste) possuía um olfato sobre humano: desde a mais tenra idade ele aprendeu a reconhecer, catalogar e lembrar os mais diferentes tipos de cheiro, mesmo que o sentisse uma vez só; mesmo que ele estivesse a quilômetros de distância; sendo ele bom ou ruim, natural ou não.
E também aprendeu rápido o que as sensações olfativas causavam nas pessoas: com apenas alguns meses de idade, foi rejeitado por uma ama-de-leite, por não possuir cheiro algum – fato considerado demoníaco por uma mulher do século dezoito, sem muita informação e acostumada ao cheiro agradável de vários bebezinhos. Na creche para o qual foi encaminhado, não foi muito diferente: a cuidadora, uma mulher dura e sem olfato, não era atenta o suficiente para perceber as diversas tentativas de assassinato de Grenouille feitas por outras crianças – ele era simplesmente estranho demais para elas. O garoto, contudo, a incomodava: porque ele conseguiria prever a chegada de alguém com minutos de antecedência? Porque ele não tinha medo do escuro como todos os outros?
As interrupções dos pagamentos por parte da ordem religiosa que cuidava de Grenouille dão a esta mulher motivos o suficiente para se livrar dele, deixando-o para morrer como semi-escravo em um cortume. De novo, porém, ele contraria as regras da natureza: ao invés de perecer pelo trabalho duro e insalubre e a pouca comida, ele se torna um empregado valioso, ganhando alguns trocados e até obtendo folgas para andar por aí. Seu interesse, porém, não era bebida ou mulheres como havia de se esperar, e sim sentir todo e cada cheiro existente na cidade-luz.
Bom, embora filmes que retratam tempos tão pretéritos quanto o final do século dezoito insistam em dizer o contrário, a Paris daquela época não é o que consideraríamos, para os padrões modernos, agradável: tudo era sujo e fedido, graças a falta de noções da higiene das pessoas em geral e a inexistência de saneamento básico. Grenouille sabia disto como ninguém, e se prendia à uma brisa de mar como sua melhor lembrança olfativa. Um dia, contudo, isto muda: ao passar por um jardim qualquer, sente o cheiro de uma moça, um cheiro maravilhoso e inebriante. Enlouquecido, enquanto sorve seu aroma ele a assassina, em um gesto de pura paixão – não por aquela moça e por sua beleza, e sim pela sensação olfativa que ela lhe proporcionava. Esse é o pontapé inicial numa busca incessante pelo perfume perfeito, pelo perfume que lhe tornaria o maior alvo, a escolha mais óbvia, o personagem principal de um sentimento nunca antes lhe dispensado – o amor.

As descrições do autor são maravilhosas: focando no cheiro, sentido subestimado e esquecido, ele faz com que as páginas do livro pareçam impregnadas pelos mais diversos aromas, ricamente descritos (o que me lembra Escola dos Sabores, que faz o mesmo com o paladar). Meu mundo olfativo era dividido em três grupos até então – cheiros bons, neutros e ruins – mas O perfume me fez perceber a complexidade e a singela beleza deste sentido. Ele não se fia muito em descrições físicas – não sei a cor dos cabelos ou olhos do personagem principal, por exemplo – mas há algum tempo não me sinto tão “dentro de um livro” como com O perfume.
Cartaz do filme *_*
As páginas também estão inebriadas de paixão: não aquela paixão entre amantes, ou uma paixão saudável por algo que se goste de fazer, mas sim uma paixão doentia por parte de Grenouille pelo aroma perfeito. É a sua única característica que o faz humano: baseado nela, ele mata, morre, sente-se feliz ou triste. A única beleza que conhece é a olfativa; e não sente nojo de nada até que isto se ponha em seu caminho.
Pode-se concluir que o livro é maravilhoso pelos meus comentários acima e realmente é, exceto por uma parte – o final. Embora eu acredite que só este fator não deve dissuadir ninguém de lê-lo, o final é tosco, terrível, já seria bastante deslocado em um livro medíocre, portanto certamente não faz jus a O perfume e o grande livro que ele poderia ser.
Nota: 4/5
Esse post faz parte do Desafio Literário 2012, e o tema deste mês é Serial Killer.

05 março 2012

L15 - Dom Casmurro

Dizer que eu, em geral, não gosto dos livros da escola é pouco – eu os detesto. Até agora, no ensino médio (embora eu esteja ainda no segundo ano) só estudei gêneros literários bobinhos e eu diria até mesmo secundários –fora a poesia romântica, nenhum despertou em mim, leitora ávida, a menor centelha de curiosidade. Além disto, meu hábito de ler me fez associar leitura ao prazer, a descontração e falta de responsabilidades; não à obrigação e aos prazos – muito menos à testes de múltipla escolha.
Mas, pela primeira vez, um livro escolar me encantou: Dom Casmurro. Há pouco a ser dito dessa obra, já que todos conhecem a estória de amor e obsessão de Bentinho e Capitu escrita pelo brilhante e imortal Machado de Assis. Como não posso dizer muito de novo sem cair na maravilhosa  e irritante prolixidade, fiz uma resenha em um formato diferente – o de lista – e aí vão minhas oito razões pelas quais você deve correr para a biblioteca, livraria ou supermercado mais próximo e ler Dom Casmurro JÁ (caso ainda não o tenha feito):
1 – É provavelmente o maior clássico da literatura Brasileira
Esse parece ser um motivo bobinho, mas não é. Além de ser cobrado na maior parte dos vestibulares e concursos, Dom Casmurro é conhecido internacionalmente – mais de um gringo já me indagou sobre meu veredito no mistério de Bentinho e Capitu, além de inúmeras referências a ele em livros contemporâneos. E, mesmo que você deteste o Brasil e nossa literatura, garanto-lhe que Dom Casmurro está ao lado dos grandes clássicos de outras terras em termo de qualidade.
2 – Citações brilhantes
Eu não sou do tipo que gosta de encher os perfis das redes sociais de citações de livros ou coisas do tipo – em geral, elas estão fora de contexto, e a maior parte delas não fazem tanto sentido assim. Contudo, Machado de Assis é tão brilhante em suas reflexões sobre a vida que qualquer um o entenderia. Eis uma das minhas citações prediletas:
Quando, mais tarde, vim a saber que a lança de Aquiles também curou uma ferida que fez, tive tais ou quais veleidades de escrever uma dissertação a este propósito. Cheguei a pegar em livros velhos, livros mortos, livros enterrados, a abri-los, a compará-los, catando o texto e o sentido, para achar a origem comum do oráculo pagão e do pensamento israelita. Catei os próprios vermes dos livros, para que me dissessem o que havia nos textos roídos por eles.
- Meu senhor, respondeu-me um longo verme gordo, nós não sabemos absolutamente nada dos textos que roemos, nem escolhermos o que roemos, nem amamos ou detestamos o que roemos; nós roemos.
Não lhe arranquei mais nada. Os outros todos, como se houvessem passado palavra, repetiam a mesma cantilena. Talvez esse discreto silêncio sobre os textos roídos fosse ainda um modo de roer o roído.
3 – História
Embora eu saiba que os séculos passados seriam considerados por mim bem desagradáveis, gosto bastante de observar os atos de personagens em livros passados em séculos passados. Todas as eras possuem seu charme, e assim como Jane Austen, Machado de Assis cerca a época em que viveu com uma aura que, apesar de crítica, torna seu universo quase mágico.
4 – Personagens imperfeitos
Em praticamente toda resenha que faço há uma ode aos personagens que são somente demasiado humanos, aqueles com quem posso me identificar e/ou sentir pena de, cujas personalidades são colchas de retalhos, resultando de anos de experiências e conflitos internos. Nenhum personagem de Dom Casmurro segue formulas pré-existentes, nenhum é pouco complexo. Até mesmo a mãe de Bentinho – cujo epitáfio foi “Uma Santa” – apresenta seus deméritos, nada escapando à criticidade do narrador.
5 – Adaptações para o cinema e para a televisão
Acredito ser bastante desinteressante me aventurar em assistir qualquer tipo de adaptação sem antes ter lido o livro: simplesmente não consigo prestar atenção graças ao fato de que sei que, na maior parte dos casos, o livro será melhor. Dom Casmurro foi exaustivamente adaptado, e agora me sinto apta para julgar a qualidade destas adaptações com um olhar mais apurado. Aqui tem um videoclipe muito bom com cenas da minissérie Capitu, de 2008, da Rede Globo.
6 – Não é tão complicado quanto parece
Alguns torcem o nariz para os clássicos, achando que eles serão complicados demais, que, para cada duas palavras, uma será desconhecida. Li Dom Casmurro em pouco tempo – talvez não menos do que levaria para ler um livro YA, mas a leitura flui muito bem: embora alguns termos e referências fossem desconhecidas, elas eram poucas, e as existentes enriqueceram meu repertório.
7 – É MUITO atual
Dizem os entendidos que a boa literatura é perene, isto é, dá ao leitor, independente de onde ele está no tempo e no espaço, a sensação de que aquelas situações são reais, palpáveis e recorrentes. Quem não conhece – isso se não viveu esta situação – alguém que ficou cego, maluco de ciúmes por seu conjugue, acreditando que uma traição havia ocorrido? O ciúmes, assim como o amor, é universal, e vê-lo exagerado e brilhantemente descrito é sempre bom.
8 – Tire suas próprias conclusões sobre Bentinho e Capitu

Ocorreu ou não uma traição? Capitu e Escobar foram culpados, um por traição conjugal, outro de amizade? Ou Bentinho é apenas um louco obsessivo? Eu já possuía certa opinião antes mesmo de ler o livro por completo, mas só a leitura integral me garantiu de que ela fosse bem embasada. Sou partidária da segunda teoria, mas nunca saberemos: o autor levou esta resposta consigo para o túmulo. Ah, Machado! Ressuscita, por favor? Precisamos de suas respostas e do seu brilhantismo por aqui, em 2012...