31 julho 2012

Dez personagens com quem eu trocaria de lugar por um dia


Esse foi um top dez bem difícil para mim: como o nome do blog indica, meu gênero preferido é distopia – e a maioria dos personagens desse gênero não tem vidas que posso chamar de agradáveis. Mas como são só vinte e quatro horinhas, vocês verão que minha lista não é feita só de algodão doce e arco-íris – embora eu ainda prefira não ter meu nome na Colheita.


10 – Tessa Gray, da série As peças infernais (resenha do primeiro livro aqui e do segundo aqui)
Tessa não tem uma boa surpresa de boas vindas: logo que chega na Inglaterra vitoriana para morar com seu irmão em Londres, ela é seqüestrada pelas Irmãs Sombrias, duas feiticeiras. Logo algo extraordinário lhe é revelado: a pacata garota de Nova York tem o poder de assumir a forma de outros humanos e até mesmo ler seus pensamentos, bastando somente um objeto da “vítima” em questão. Tessa nem sempre é uma mocinha forte no melhor estilo Katniss Everdeen, mas seu lado meio “mística” compensa esse defeito.


9 – Shay, da série Feios (resenha do terceiro livro aqui e do quarto aqui)
O mundo criado por Scott Westerfeld é assustador: graças a uma operação que todos passam aos dezesseis anos, a “perfeição física” é alcançada – acompanhada de uma boa redução no livre arbítrio, o que garante a paz mundial. Mesmo sabendo o quão destrutivo era o sistema anterior, Shay pretende fugir da operação – e a única maneira de fazer isso é fugindo para a Fumaça, uma espécie de resistência para aqueles que querem continuar “Feios”. Era ela, e não Tally (que é MUITO chata) que deveria ser a protagonista da série (desejo semi-realizado na série de mangás que contam os livros a partir do ponto de vista de Shay, que pretendo resenhar em breve) e seria fascinante me indignar com esse estúpido mundo perfeito na pele dela.


8 – Artemis Fowl, da série Artemis Fowl
Artemis Fowl é meu anti-herói preferido: herdeiro da lendária família Fowl, o garoto é um gênio (do “mal”). Sua maneira de ganhar dinheiro? Subornar o povo que mora no subterrâneo – fadas, elfos, goblins e outras criaturas mais – e que vem se mantendo escondido há milênios. Preciso dar mais razões?



7 – Tender Branson, de Sobrevivente
É claro que um livro de Chuck Palahniuk não poderia faltar por aqui.
Pense em choque cultural, pense na vida de Tender Branson: depois de morar os seus primeiros dezessete anos em uma comunidade religiosa isolada do resto do mundo (e sem coisas tipo eletricidade ou comida enlatada) ele cumpre seu destino e vai para o mundo de fora. Tender tem as idiossincrasias mais legais do universo, e seu status de “celebridade da auto-ajuda religiosa” lhe coloca em situações inusitadas.



6 – Cersei Lannister, da série Crônicas de gelo e fogo (resenha do primeiro livro aqui)
OK, eu também odeio Cersei Lannister e acho que ela é quase que o mal encarnado. Em A guerra dos tronos, a rainha dos sete reinos mente, adultera, mata e comete todo tipo de outras injúrias que se possa imaginar em nome do poder. É exatamente essa falta de escrúpulos e excesso de sagacidade que a tornam uma personagem fascinante, com pontos extras por não ser uma vilã plana – algumas características “redentoras” (como amar incondicionalmente seus filhos e fazer tudo por eles) garantem que isso não aconteça.




5 – Emma, de Emma
Emma é bonita, inteligente, rica, adorada e talentosa – sem fazer nada para isso. Além da vida fácil, trocar de lugar com minha mocinha preferida de Jane Austen seria ótimo pelo ambiente em si: a aristocracia inglesa daquela época não é onde eu gostaria de passar uma vida (três palavras: machismo, tédio e doenças) mas experimentar seus modos e costumes por vinte e quatro horas seria fantástico.

4 – Jean Baptiste Grenouille, de O perfume
Jean Baptiste tem um olfato único, conseguindo sentir cheiros a quilômetros e quilômetros de distância. O livro de Patrick Suskind me fez prestar mais atenção nesse subestimado sentido, e me frustrei por isso: o meu é tão ruim (pelo menos em comparação ao de Grenouille) que a poesia do livro não me pareceu tão real.


3 – Anna, de Anna e o beijo francês
PERGUNTA: O que é melhor na vida de Anna?
a) morar em um internato em Paris
b) saber tudo sobre cinema
c) seus amigos super estranholegais
d) Étienne St. Claire
e) todas as alternativas acima



2 – Qualquer um em A bússola de ouro
A bússola de ouro, minha última leitura, me deixou de queixo caído pelo seu clima steampunk. Mas não é a mistura de clima antiguinho com tecnologia de ponta que me interessa mais nesse caso, e sim os dimons: a alma humana em forma de um animal, que acompanha seu dono do seu nascimento até a morte – servindo como companheiro, conselheiro e, no caso dos adultos (cujos dimons têm forma fixa) maneira de conhecer mais a si próprio.



1 – Harry Potter, da série Harry Potter
Ao trocar de vida com o bruxinho eu desejaria para ele um dia bom, no qual uma aventura maravilhosa qualquer em Hogwarts terminasse bem e com louros, não em morte e destruição – embora isso faça parte. Harry Potter (assim como quase todos os personagens acima) sofre bastante. E isso, do meu ponto de vista de leitora, é bom: quem gosta de personagens com vidas perfeitas?




Esse post é parte do Top Ten Tuesday, meme criado pelo blog The brook and the bookish. Mais sobre aqui. 

30 julho 2012

“Por isso a gente acabou”, coisas e livros que marcaram minha infância




Sou da “geração Harry Potter”, por assim dizer. Eu seria uma leitora de qualquer jeito graças as influências familiares; portanto, não pertenço ao grupo que “aprendeu a ler” graças a JK Rowling – o que não me tornava menos intensa na minha tarefa de roer as unhas esperando pela próxima aventura do bruxinho, escrever fanfics mirabolantes, esperar ansiosa na porta do cinema e ajudar (ou pelo menos apoiar) a tal da “máfia dos livros” na tradução amadora do último livro da série – como se esperar alguns mesezinhos para a tradução (que, na minha humilde opinião, sempre foi boa) oficial doesse (e doía mesmo!).

Contudo, se eu pensar melhor, não foi Harry Potter que mais marcou minha infância em termos de leitura, e sim Desventuras em série. A série de treze livros escrita por Lemony Snicket não possuía magia – isto é, se você não contar o leve clima steampunk – como seu tema, e sim algo bastante incomum para livros “quase-infantis”: os infortúnios dos irmãos Baudelaire. Embora cheio de referências que eu não conseguia à época compreender e a tristeza extrema dos acontecimentos Desventuras em série não deixava de ser meu queridinho.

Como ficou claro nos últimos livros, Lemony Snicket não era um nome, e sim um pseudônimo. No cartório, ele se chama Daniel Handler e também é escritor – embora de um gênero bastante diferente do dos livros que marcaram minha infância – e, infelizmente, ao que parece, com uma qualidade radicalmente diferente também.

Destes, o primeiro que caiu nas minhas mãos é Por isso a gente acabou. Min, uma adolescente de dezesseis anos fã de cinema, termina com o namorado Ed, que é seu oposto: o típico atleta popular dos filmes americanos – embora o autor tente quebrar isto de forma vaga e ineficiente com o fato de que ele é bom em matemática. Min então escreve uma carta para Ed, narrando os acontecimentos dos dois meses que passaram juntos – e, obviamente, o porquê (ou os porquês) do término.

O enredo é meio meh, e o livro também. O autor escreve de uma forma fantástica, com toda a intensidade que alguém na situação de Min tem, mas ela é simplesmente chata e melodramática demais. Quanto ao Ed, algumas berinjelas tem mais personalidade, e o fato dele e da Min não terem nada em comum, nada que pudessem conversar além de trivialidades me irritou. Foi também uma “bola fora” o fato do livro ser lotado de referências a filmes e músicas que não existem quando a realidade já nos provém bem nesse quesito.

Gostei da mania da Min de guardar tudo que marcou o namoro dos dois – até mesmo duas tampinhas de cerveja – o que rendeu as ilustrações fabulosas do livro. Da minha parte, não guardo nada que não possa ser útil – na verdade, um dos meus sonhos de consumo é poder guardar “minha vida inteira” (leia-se livros, roupas, computador e tudo mais que preciso para sobreviver) em no máximo uma mala, sem me prender demais as coisas que tenho aqui e ali. Me dá uma agonia olhar para o meu quarto e saber que provavelmente sentiria falta de qualquer coisa que tem aqui – me sinto meio materialista, presa.

Na minha edição de Por isso a gente acabou há uma etiquetazinha amarela e chamativa que diz “Daniel Handler é o autor de Desventuras em Série, Lemony Snicket”. Por favor, permita-me discordar. Lemony Snicket não é Daniel Handler, ao menos não de verdade – e Por isso a gente acabou é a maior prova disso.

Nota: 2.5/5

PS.: Ei, criei uma página do blog no Facebook. Curtam aqui ou aí do lado. :)

25 julho 2012

Nenhum a menos



Quero conhecer – e não falo no sentido turístico superficial, embora este seja o caminho mais fácil – muitos lugares (talvez seja isso a razão pela qual eu leia tanto: que maneira melhor de desbravar novos mundos sem sair de debaixo do meu edredom?). Todo lugar onde eu possa encontrar algo diferente do que tenho no meu quintal (o que pode ser, às vezes, meu próprio quintal) – não importa se a um ou dez mil quilômetros de distância – me encanta.
Outros, porém, exercem um fascínio maior, como se sua personificação me chamasse com uma voz atraente, me ditando uma lista de coisas que perco a cada segundo que passo sem ir para lá.

No topo dessa seleta lista, está a China.

Infelizmente, meu fascínio por esse país é tão grande quanto minha ignorância sobre ele – coisa que venho tentando mudar. Uma surpresa boa é, portanto, encontrar entre os DVDs comprados por minha mãe o filme chinês Nenhum a menos – que me encantou assim como seu país de origem.

Gao é professor de uma escola primária em um povoado isolado na China, onde giz é luxo. Mesmo com todas as dificuldades, Gao ama sua profissão, tentando ao máximo manter seus alunos – na maioria, filhos de camponeses pobres – na escola e aprendendo. Quando sua mãe adoece, ele precisa viajar por um mês – mas com quem deixar seus pupilos?

A única pessoa disposta a aceitar a dura tarefa de substituí-lo é Wei Minzhi, uma camponesa de treze anos que cursou apenas o primário. Gao então faz uma promessa a Wei: caso o índice de evasão fosse zero, ele lhe daria um extra do seu próprio parco salário. Nenhum a menos.

É claro que não é fácil: só para começar, Wei não sabe fazer mais nada além de copiar lições e cantar uma única cantiga popular. Seus alunos – trinta crianças de diversas idades cheias de energia – logo se cansam dessa mesmice. Para completar, uma das garotinhas – que corre dez quilômetros por dia – é levada até a cidade para puder treinar corrida em uma escola maior – a excelência nos esportes é bastante importante na China desde Mao.

Acaba acontecendo a mesma coisa com Zhang – o “problemático” da classe – só que por um motivo diferente: por ser muito pobre (seu pai morreu jovem e sua mãe é bastante doente) ele precisa se mudar para a cidade para procurar emprego. Decidida a entregar a escola com o máximo de alunos possível, a garota então parte para a cidade grande – com alguma ajuda de seus estudantes – a fim de achar Zhang.

Para aqueles que preferem filmes de ação de Holywood, Nenhum a menos é um ótimo sonífero, seguindo o ritmo quase documental do cinema não-mainstream. Pensei que o filme fosse se propor a discussões maiores (sobre evasão escolar, por exemplo) mas não é isso que acontece: o enredo é bastante simples. Como filme, Nenhum a menos é o que é: uma garota de treze anos, tentando encontrar um dos meninos de quem deveria “tomar conta” em uma cidade gigante – todas as outras abstrações e debates ficam por conta do espectador.

Aliás, é a simplicidade que torna o filme fantástico. Os diálogos são somente o absolutamente necessário, sem floreios ou pretensões – não que eu não goste desse último, mas o diferente muitas vezes é bom. Os cenários são bem simples: o vilarejo calmo e isolado nas montanhas e a cidade, lotada e fervilhante – dois dos milhares de contrastes dessa misteriosa e fascinante terra chamada China.

Nenhum a menos é um filme lindo. Destruiu todas as expectativas, e as construiu de volta com algo bem melhor – e todo cinéfilo sabe como é bom quando isso acontece.

Nota: 5/5


21 julho 2012

Clube da luta (livro)

Por melhor que uma adaptação para o cinema seja, não tem jeito: livros ainda têm uma magia especial. Já assisti algumas muito boas (provavelmente a melhor delas foi Jane Eyre), mas nenhuma que superasse seu original. Há algo que se perde na passagem de uma linguagem para outra – isso descontando eventuais mancadas do diretor – algo especial que só um livro pode trazer. A falta de rédeas das nossas imaginações, talvez?

Pois bem: assisti ao filme Clube da Luta (resenha aqui) no início do ano e agora me aventurei com o livro (do maravilhoso Chuck Palahniuk, de quem já li e resenhei Sobrevivente). Como adaptação, o filme é muito bom: nenhum aspecto principal é mudado e o enredo não é “mutilado” para se tornar mais palatável – admirável, principalmente com uma obra que traz violência como carro chefe: a classificação "somente maiores de 17 anos" (16, no Brasil) assusta e diminui a bilheteria. Contudo, mesmo que tudo (com tudo leia-se a tudo) aquilo fosse brutalmente familiar, o livro me pareceu mais reflexivo, profundo, com mais significados e críticas – não sei se fui eu que mudei nesse curto período de tempo ou se a diferença existe de fato, mas foi essa a impressão que ficou.

O nosso protagonista não tem nome, e é um homem comum, que procura diariamente maneiras de se “completar”. Primeiro, foram as compras para a casa: aparentemente, redecorações são uma fonte abundante de paz de espírito. Como se aquilo não mais funcionasse – com a insônia zumbindo em seus ouvidos e olhos em cada segundo do dia – ele começou com uma prática bastante curiosa: freqüentar, sete dias por semana, grupos de apoio a pessoas com doenças fatais.

Mas como tudo que é bom dura pouco, Marla, outra “falsária”, aparece, estragando todo o efeito calmante e sonífero que ouvir histórias de pessoas a beira da morte causa em nosso personagem. Essa situação complicada, porém, se resolve, com uma solução bastante inusitada, conveniente e mágica: Tyler Durden.

Tyler é provavelmente um dos personagens mais interessantes que já li: ele entende um punhado de coisas de química (incluindo como fazer explosivos e cosméticos de banha humana), tem dois trabalhos completamente não-relacionados (fazendo tudo que há de errado neles) e é um líder brilhante – tudo que nosso protagonista, preso no seu emprego chato e vida metódica, gostaria de ser. Talvez por essa parte de ser alguém “admirável” – embora de um jeito bem não-convencional – retire de Tyler aquela aura da qual já falei (e falarei muito ainda) de singularidade forçada, daquela impressão que estou diante de um pré-adolescente que quer descobrir uma banda desconhecida não pela música, e sim pela vontade de se sentir “diferente”.

Começou com uma luta – Tyler não queria morrer sem uma cicatriz de verdade – mas aquilo era simplesmente atraente demais: é fundado então o primeiro clube da luta, que vem rapidamente a se tornar uma rede de homens frustrados e entediados tentando encontrar algo no qual investir sua energia. O clube da luta não é só uma maneira de escapar: é se sentir Deus por alguns minutos, mandar ao invés de obedecer, substituir com dor física e berros de incentivo todos os problemas – na maior parte, imbecis e completamente evitáveis – que se tem.

Quando o livro estourou (graças a sua adaptação cinematográfica) a caixa de entrada de Chuck Palahniuk foi inundada de emails de vários homens perguntando: onde eu encontro um clube da luta? Clube da Luta é um manifesto contra a noção de “macho” (de forma bastante irônica – afinal, o tema central é algo que canaliza isso), as regras e convenções sociais.

Falando em Chuck Palahniuk, sua escrita de novo me anestesiou. Não há ordem cronológica no livro – é como se ele houvesse recortado tudo, parágrafo por parágrafo, e depois montado de volta aleatoriamente – mas nenhuma ponta fica solta, nada é deixado sem resolução. A linguagem, o ritmo, tudo é perfeito, tudo se encaixa.

Não consigo, aliás, saber o que é melhor no autor: suas idéias ácidas, inusitadas e críticas, seus personagens únicos ou a supracitada forma de se escrever.  É assim que você sabe que achou um autor extremamente especial.

Nota: 5/5

16 julho 2012

Children of Men/Filhos da Esperança


A fertilidade humana, no mundo do filme Children of Men, não passa de uma lembrança dolorosa: o último bebê nasceu há pouco mais de dezoito anos e quatro meses  e, desde então, nenhuma mulher engravidou. Os cientistas dos mais avançados centros de estudos médicos tentam entender o que aconteceu, mas não parece haver explicação plausível.

Como esperado, o desespero toma conta da humanidade, e somente alguns países – geralmente os mais desenvolvidos, usando-se de forte poder militar e autoritarismo – conseguiram manter seus prédios de pé e seus cidadãos vivos – bom, ao menos literalmente vivos – metaforicamente, as pessoas morreram com o choro do último bebê, os sons das últimas cantigas de roda, algo tão forte ao ponto de tornar necessária a distribuição de um kit suicídio, o Quietus, incluído na ração do governo assim como pasta de dente e biscoitos.

Theo não liga muito para tudo isso – bom, pelo menos na medida do possível: é difícil ignorar os ataques terroristas de organizações com várias bandeiras, as “jaulas” onde os imigrantes ilegais (fugindo de conflitos devastadores em seus países) foram postos e as lagrimas de seus colegas pelo Bebê Diego – o ser humano mais jovem do mundo – morto recentemente por um fã. A apatia geral de Theo quanto a vida é impressionante, e é isso que cria um fascínio quanto ao personagem – quem é aquele homem que não parece se importar com nada em meio ao caos?

Mas, precisando de dinheiro, Theo aceita trabalhar para o grupo Fish – que luta por melhores condições aos imigrantes e do qual sua ex-mulher faz parte. Sua tarefa é ajudar a levar Kee,uma jovem fugitiva, até o litoral –  mesmo as fronteiras intermunicipais estão fechadas – mas a aparentemente simples missão se complica por um simples fato: Kee está em estado avançado de gravidez. Repentinamente, tudo muda, e se torna objetivo do antes apático Theo levá-la em segurança até o navio do Projeto Humano, que irá protegê-la de governos tiranos e grupos que querem usar o seu bebê como bandeira.  

O filme é fantástico: há muito tempo eu não via nada que balanceasse tão bem ação, reflexão e emoção. Children of Men cutuca algumas feridas e curiosamente nenhuma delas tem relação direta com a infertilidade, e sim com suas conseqüências. Como, por exemplo, o fato de que sempre nos voltamos ao lado mais “radical” da coisa em situações ruins – é só ver o crescimento de partidos extremistas em época de crise econômica. As religiões que surgem no filme, por exemplo, ao invés de utilizarem os velhos métodos para o conforto de seus fieis, os transformam em verdadeiros mártires, fazendo com que carreguem “o peso do mundo” nas costas.

A imigração é outro tema recorrente: enquanto milhares de imigrantes são expulsos de suas pátrias adotivas de maneira desumana na atualidade, Children of Men faz sua versão distópica, nos apresentando uma situação tão crítica que cidades inteiras são transformadas em campos de refugiados para ilegais. O clima de perseguição é completo: os anúncios alienantes do governo – presentes em cada segundo do dia de seus cidadãos – lembram que alimentar, contratar ou ajudar imigrantes é igual a alimentar, contratar e ajudar terroristas – ironicamente, a maior parte dos “terroristas” do grupo Fish são britânicos.

São tantos temas, referências e críticas feitos por Children of Men que refleti por algum tempo se não foi ambicioso demais – são só duas horas de filme! Contudo, cheguei a conclusão que não: de certa forma, sem os flashes do que se tornou a vida em sociedade – que dão curiosidade e vontade de que estes fossem melhor desenvolvidos; ainda que tal feito seja literalmente impossível – haveria o sentimento de estarmos diante de algo incompleto.

Children of Men partiu, esfarelou meu coração em mil pedaços, colando-o de volta com pura esperança. Estou ansiosa quanto a ler o livro do qual o filme foi adaptado – afinal, todo bookaholic sabe o quão errado está o ditado que diz que uma imagem vale mais do que mil palavras.

Nota: 5/5

14 julho 2012

The Declaration


Essa coisa de viver para sempre me deixa meio desconfiada.  É bom ter um “prazo de validade”, saber que você não estará para sempre aqui – torna procrastinar algo fútil e nossos planos mais realistas. Alguns anos a mais na média de vida e uma maior garantia de que as pessoas não morressem cedo demais é interessante e até mesmo necessário, mas não a eternidade. A eternidade é tempo demais.

Os cidadãos do mundo de The Declaration, porém, pensam diferente de mim: a ciência aperfeiçoou drogas de Longevidade bem o suficiente para que as pessoas possam viver quase que para sempre. A paixão, as metas e a criatividade morreram, mas se o que importa – vagar pelo mundo por muito tempo (ainda que como quase zumbis) e não ter que enfrentar o maior medo de nove em dez seres humanos – ocorre.

Com a popularização das drogas de Longevidade, a superpopulação do mundo acaba se tornando uma ameaça - afinal, é matemática básica: se ninguém morre e pessoas novas surgem, algo não fica balanceado. Isto basta para que as autoridades - conscientes de que, agora, são eles e não uma futura geração que vai morar em um planeta já muito destruído - proíbam o nascimento de crianças. É claro que existem as exceções: aqueles que optam não tomar as drogas de Longevidade aos dezesseis anos (os chamados Opt Out) podem ter seus rebentos. Mas quem quer trocar a promessa de vida eterna por filhos nessa idade?

Mesmo assim, alguns daqueles que não são Opt Out têm filhos, e caso estes sejam descobertos – a propaganda do medo garante que vizinhos e amigos funcionem como polícia– os pais são presos e as crianças (os chamados Surplus) colocadas em uma instituição do governo. Lá elas aprendem uma função (geralmente aquelas que os membros da nova e estável sociedade – os chamados Legals – não querem ter) e tirem “o melhor de uma situação ruim”, servindo os Legals até sua morte em um regime de semi-escravidão, onde falar, pensar e discordar é probido. As crianças Surplus são ensinadas a se odiar, e, sobretudo, a odiar os pais – afinal, eles não tinham o direito de ter nascido.

Anna é uma Surplus, e com quase quinze anos, não vê a hora de sair da instituição onde mora para servir um Legal. Anna é uma Surplus perfeita: sempre obedece aos Legals, acredita ser uma aberração da natureza e seus pais, monstros egoístas.

A chegada de um novo Surplus, porém, abala as convicções de Anna: Peter tem idéias bastante não convencionais e perigosas para a sua condição. Ele diz conhecer os pais de Anna, diz que eles o ama e que, acima de tudo, ela deve sair logo dali.

The Declaration estimula reflexões interessantes: como seria o mundo caso a vida não se renovasse? A maneira com que as pessoas lidam com isso é apresentada de forma muito interessante: o livro alterna pontos de vista em terceira pessoa de vários personagens, dentre eles Surpluses e Legals. Nenhum dos personagens me desagradou ou encantou – eles foram bem na medida, sem pender para a irrealidade/chatice ou singularidade.

Sim: o livro não tem grandes defeitos. A escrita flui bem, a história é interessante e se desenvolve em um ritmo que, embora não seja frenético como são em geral YAs distópicos, é bom. Mas ainda faltou aquela temperadinha; aquela proximidade psicológica com os personagens e suas relações de amor/ódio com o novo regime. A autora também insinuou conflitos geopolíticos em vários trechos sem aprofunda-los, que foi bastante irritante - gosto de saber, em distopias, como a sociedade chegou até aquele ponto. A série já tem um próximo livro (ah, minha carteira falida!), The Resistance, onde espero que tais defeitos sejam corrigidos. Porque, afinal, quer coisa mais interessante do que saber como poderia ser caso vivêssemos para sempre?

Nota: 4/5

OBS.: The Declaration foi lançado no Brasil com o nome de O Pacto. Quando falo da escrita fluir bem, falo em inglês, que foi como li, mas as traduções da Rocco costumam ser boas. 

11 julho 2012

O Concorrente


Sempre quis ler algo de Stephen King, mas me faltava coragem. Mesmo sendo bastante cética, nem um poço de racionalidade me convenceria (durante cerca de três segundos patéticos e longos) que o monstro da mente de algum autor não está me espiando por detrás do cabide ou naquele cantinho escuro. Idiota, eu sei, mas meu juízo me agradece por ter aberto mão dos livros e filmes de terror – eles nunca me foram caros de qualquer jeito.

Isso então fazia minha vontade de ler Stephen King difícil de se satisfazer – afinal, não era ele o mestre do gênero? Não pude conter um sorrisinho quando vi que não era só de terror que o autor vivia: sob o pseudônimo de Richard Bachman, King também se dedicou aos terríveis e fascinantes mundos distópicos – o fazendo bem o bastante para constar nesta lista de 12 melhores distopias (que, ao menos pelos poucos dela que li, parece ser bem seletiva).

O ano é 2025, e a economia dos Estados Unidos está completamente arruinada, aumentando o já gigante abismo entre ricos e pobres. Para completar, a poluição do ar atingiu níveis estratosféricos, a ponto de dar câncer de pulmão em uma garotinha de cinco anos, pertencente a maioria – ou seja, os pobres – que não pode custear um purificador de ar.

Ben Richards pertence ao segundo grupo, e entre uma vida de pílulas de nutrientes, violência e o barulho permanente da televisão (que não pode ser desligada), sua filhinha adoece. Desempregado e sem poder pagar sequer uma consulta médica, Ben se volta para sua única solução: virar um participantes nos famosos e infames Jogos, que levam seus astros (homens desesperados por dinheiro) ao limite da humilhação – e bem freqüentemente (afinal, as pessoas gostam de sangue, não é mesmo) da vida.

Por ser considerado problemático (gostar de ler, detestar a TV e deixar seu trabalho – que envolvia radiação – pelo fútil desejo de ter um filho não são atributos apreciados) Richards é escalado para o programa O Foragido, onde o participante é caçado por um grupo de profissionais (auxiliados por toda uma nação, que anseiam pela “honra” de denunciá-lo). Número de sobreviventes: zero. Audiência: quase todos americanos.

Não consegui sentir empatia por Richards. Mesmo que ele tenha passado por bastante em sua vida, sua arrogância e insinuações de racismo são difíceis de engolir. Me impressionei, porém, ao descobrir que não importava: o ritmo é tão acelerado que eu lia não para torcer para os “mocinhos” ou vilões”, e sim para saber o que acontece. Nunca havia percebido isso, mas um herói (ou anti-herói simpático) são totalmente desnecessários quando se tem uma mensagem a passar, uma reflexão a se incitar – e, claro, uma escrita sufocante.

De certa forma, O Concorrente lembra Jogos Vorazes: além de ter como tema principal um programa de entretenimento que brinca com a vida humana, o poder da mídia em “fabricar” a realidade e os limites entre o certo e o errado também são abordados e criticados duramente – embora a crítica em O Concorrente seja mais explícita e sofisticada.  

As semelhanças, porém, param por aí. Ainda que Jogos Vorazes seja doloroso em alguns pontos, há uma tentativa por parte da autora de tornar a leitura palatável – o que não acontece com O concorrente. Stephen King não nos poupa, não enfeita, floreia ou mesmo tenta alternar passagens mais “leves” com aquelas passíveis de ânsias de vômito. O livro todo se processa em um só ritmo – o frenético e intenso. Não é um defeito – ao menos para mim – mas creio que tal estilo literário não caia nas graças de todo mundo.

Stephen King, mesmo escrevendo outro gênero e com um pseudônimo, não deixou seus hábitos para trás: ainda que sem fantasmas, espíritos ou monstros, O Concorrente acelerou meu coração tanto quanto um bom filme de terror.

Nota: 5/5

09 julho 2012

Garotas de vidro


Tudo começa com uma aposta: no ano novo, Lia e Cassie começam a competir – quem será a mais magra? Lia desenvolve anorexia, Cassie, bulimia. E não é só isso: bebedeiras e auto-mutilação são comuns na vida das garotas que, sem saber lidar com os problemas do dia-a-dia, buscam se anestesiar dos mesmos.
Um acidente de carro muda tudo: a doença de Lia é descoberta, e ela é enviada por sua mãe e seu pai – ambos extremamente bem sucedidos e exigentes – para uma clinica de tratamento. No seu retorno, nada é o mesmo: Cassie já não mais a apóia, e todos os seus amigos se afastaram da “garota morta”. Depois de algum tempo e mais uma temporada na clínica, Lia recebe trinta e três ligações de Cassie em uma só noite – as quais ela obviamente não atende – e no dia seguinte recebe a notícia.

Cassie morreu.

Lia não reconhece a gravidade de sua doença: mesmo que tenha consciência de que pode morrer graças a ela, a morte soa melhor do que voltar a engordar. Morando com o pai ausente, a madrasta ocupada e a meia-irmã pequena, não se torna uma tarefa muito difícil enganar a todos quanto a seu peso e a sua dieta – que, por ela ser anoréxica, deveriam estar sob controle diário. O ciclo de auto-destruição da nossa protagonista é ainda mais acelerado graças a morte de Cassie – e não é só pelo sentimento de culpa: o fantasma da sua ex-melhor amiga a persegue.

Eu tinha grandes expectativas para Garotas de Vidro: já havia lido alguns trechos em inglês e sabia que a maneira de escrever de Laurie Halse Anderson era fascinante. Minhas expectativas, porém, foram superadas: a intensidade da escrita da autora é parecidíssima com a de Estilhaça-me, de Tahereh Mafi, descrevendo o turbilhão de emoções de Lia de maneira que o leitor consiga se por no lugar da personagem, sofrer com ela e compartilhar um pouquinho de sua felicidade – mesmo que seja algo estúpido e destrutivo como comer só 500 calorias por dia. A linguagem é rica, assim como suas metáforas e comparações – tudo isso para mostrar um mundo que, aos olhos da narradora, não tem muitos atrativos.

O tema também torna o livro interessante: afinal, comida não é só combustível. Comida é tradição, prazer, coletividade. Assim como percebi em Maus hábitos, não é só o corpo de uma pessoa com anorexia que é prejudicado - a sua "alma" também sofre. Lia não tem muitas razões claras para ser tão "machucada" - mas e precisa?

Alguns trechos são enervantes: a teimosia de Lia quanto a não se recuperar é terrível – embora real, já que, segundo os médicos, o que dificulta o tratamento de pacientes com anorexia é a sua crença de não estar doente. Em prol de perder peso, Lia machuca a todos: seus pais (que embora ausentes, não merecem tanto), sua madrasta e Emma, sua dócil meio-irmã. Li em algum lugar que Laurie Halse Anderson escreve, principalmente, sobre coisas que a indignam – uma lógica maravilhosa e louvável, que torna sua escrita e seu posicionamento devastadoramente convincente.

Sendo Lia a narradora, a anorexia é muitas vezes colocado como algo difícil, porém compensador. Depois de pensar sobre a leitura, porém, percebi que é exatamente ao contrário – de uma maneira bem torta, Garotas de Vidro é um alerta.

Afinal, como a própria Lia fala, não é legal quando garotas morrem.

Nota: 5/5

06 julho 2012

Caminhos de sangue


Saba nunca saiu da Lagoa da Prata, e não liga muito para isso: afinal, lá está Lugh, seu irmão, melhor (único) amigo, seu sol, seu tudo.
Mas quando uma tempestade de areia traz quatro cavalheiros, quatro cavalheiros e a morte de seu pai, quatro cavalheiros que levam Lugh, o chão parece faltar sob seus pés. Saba faz então o que imaginava nunca ter de fazer: se virar sozinha.

Se virar sem Lugh.

A tarefa é bem mais difícil do que o leitor possa imaginar a priori: o mundo onde Saba vive não é igual ao nosso – os cidadãos da civilização que conhecemos são chamados de Devastadores, pois sua herança foi um planeta infértil, coberto por dunas e morte. Pior: dominado pelo chaal, o crack da autora, que vicia na primeira vez que é consumido e deixa o dependente maleável e fácil de controlar – e depois de um tempo, sedento por sangue.
É o chaal que faz com que as lutas na Jaula – uma espécie de MMA um pouco mais sujo – sejam populares: aquele que perde três lutas é entregue aos espectadores – ou seja, para a morte. Saba, depois de somente alguns dias de viagem, cai na Jaula – o que a faz descobrir uma força que ela acreditava não ter e fazer amigos que a ajudarão na sua jornada.

O desconhecimento de Saba quanto o mundo exterior dá um toque de mistério ao livro, introduzindo o leitor de forma perfeita ao universo onde este se passa. Sendo Saba uma menina iletrada e a narradora, sua linguagem é bastante coloquial e cheia de errinhos de oralidade – o que me irritou bastante no início, confesso, mas acabou se tornando um ponto forte: a sensação de estar dentro da cabeça da protagonista se torna bem vinda durante a ação. Não se desanimem em ver um “num to entendeno” logo nas primeiras páginas: sim, não é tradicional, mas acaba se tornando algo meio mágico.

A distopia em Caminhos de Sangue não é a mais interessante que já li, mas com certeza é a mais possível: como disse acima, o chaal se assemelha muito ao crack, droga que já causa devastação em todos os cantos do mundo e a chance de uma catástrofe natural tornar o nosso mundo igual ao de Saba não é exatamente pequena.

Saba, aliás, irrita no início: a dependência que ela tem quanto ao Lugh é imensa. Porém, o contraste entre a Saba de antes e a de depois acaba sendo positivo, ressaltando ainda mais a personalidade forte – embora grossa e explosiva – da personagem.

Um comentário na capa da edição brasileira fala: “Perfeito para fãs de Jogos Vorazes”. E é mesmo: a vontade de não largar o livro – comecei a lê-lo lá pelas oito da noite e não parei até estar quase no fim – foi a mesma de quando me aventurei na maravilhosa trilogia de Suzanne Collins. Os direitos para filmagem de Caminhos de Sangue foram comprados por Ridley Scott (diretor de Blade Runner e Alien).

E eu mal posso esperar.

Nota: 5/5

03 julho 2012

God bless America


Tenho um lado meio anti-americano, mas só de leve. Ao mesmo tempo que suo de raiva das ações do governo dos Estados Unidos – e da reverência de muitos quanto ao estilo de vida predatório perpetuado pelo mesmo –  não sou xenofóbica quanto a seu povo ou deixo de reconhecer algumas das coisas fantásticas (livros, filmes, pesquisas científicas) que são feitas por lá.

Mas para meu lado anti-americano, God Bless America – com certeza um dos melhores filmes que assisti esse ano – foi um prato cheio: Frank, um homem de meia idade, tem poucas razões pelas quais se apegar a vida – sua filha está se tornando uma patricinha insuportável e mimada, seu emprego é uma porcaria e ele não sabe o que é ter um amigo – todos seus colegas de trabalho e vizinhos só sabem falar de programas de televisão idiotas e fofocas de celebridades, o que, claro, não agrada a nosso protagonista.

E não é difícil para Frank achar um culpado: a tal da “indústria de entretenimento”. Desde mulheres bonitas e sem talento que vendem milhões de músicas no iTunes, passando por shows de calouros humilhantes até programas cujo o único objetivo é seguir peruas que se dariam muito bem em um ataque zumbi em busca de atenção, não há nada que faça o nosso anti-herói se apegar a vida.

A gota d’água acontece quando (entre ligações no celular – afinal, respeitar o paciente para quê?) Frank recebe a notícia de ser portador de um tumor fatal. No mesmo dia, ele foi demitido por “assediar” uma colega (o assédio, aparentemente, foi mandar flores para a mesma como forma de amenizar o mau dia que ela disse ter tido) e ouviu sua filha, Ava, dar um escândalo de proporções homéricas por ter ganho um BlackBerry ao invés de um iPhone – comportamento certamente imitado de Chloe, uma “celebridade” de dezesseis anos cujos únicos trunfos são ser rica e bonita –  o que a concede permissão para dizer em rede nacional que odeia os pais por estes terem errado a marca do carro importado que ela desejava.

Irritado com tudo aquilo, Frank toma uma decisão drástica: matar Chloe – um serviço a sociedade, ele diz – e depois se suicidar. Esta última parte, porém, acaba não se concretizando graças a Roxy: a ex-colega de Chloe faz com que Frank perceba o “bem” que ele pode fazer a seu país, matando, a exemplo da patricinha, todos os “formadores de opinião” idiotas que contaminam os Estados Unidos.

Soa exagerado? Sim, e é. Mas é o exagero que faz God Bless America fantástico: entre mortes de pessoas por razões “fúteis” (falar ao celular no cinema e coisas assim) há uma crítica ácida à tal da mídiacracia. A forma de Bobcat Goldthwait de protestar contra o que a sociedade em que ele vive se transformou pode soar irreal e estúpida, digna de risadas as vezes, mas é tão bem colocada – mas Frank e Roxy estão cansados de viver com pessoas que só fazem vomitar o que ouviram no rádio ou viram na televisão, e ao invés de uma discussão inteligente, pagam na mesma moeda.

 Dessa maneira, God bless America não se torna complicado ou difícil de digerir – como geralmente são filmes que tratam deste tema – e sim algo leve, sarcástico, provocador e afiado.

God bless God bless America.

Nota: 5/5


01 julho 2012

Insurgent


Tenho alguns problemas com séries literárias. Não que estes me impeçam de lê-las; não, não é isso, mas sei que evitar as que estão inacabadas seria bastante ajuizado da minha parte. Obviamente, há a parte da ansiedade: não posso olhar para minha estante com um apertozinho no coração por não ter disponível ou não poder comprar (graças a minha maravilhosa desorganização e compulsividade na hora de gastar a maior do que deveria parcela da minha mesada reservada para livros) várias continuações de séries que adoro.

Mas falando daquelas cuja continuação ainda não foi publicada, tenho problemas por causa do autor: ainda com séries que marcaram minha infância (tipo Harry Potter ou Desventuras em Série) eu me preocupava com a saúde dos mesmos. O que seria da minha existência se JK Rowling ou Lemony Snicket se acidentassem, não podendo amarrar as pontas soltas de suas sagas? Por mais dramático que isso possa parecer, é um medo real, que qualquer bookaholic entende: depois de passar horas e mais horas divertindo-se graças à trajetória de um personagem não saber seu fim é trágico. A única vez que meu medo de infância se concretizou não sofri muito (por só conhecer a série depois): Stieg Larsson, autor de Millenium, havia planejado-a para cinco ao invés de três livros, projeto interrompido por um ataque cardíaco fatal. É uma pena: Lisbeth Salander, sua anti-heroína, é digna de centenas de obras.

Algo também aumenta minha desconfiança quanto a séries: a qualidade. Não é raro que alguns livros depois (até mesmo no segundo) o autor perca o fôlego, a magia e a noção, enrolando seus fãs com finais meia-boca e extremamente comerciais. São poucas as exceções que posso destacar (entre elas está Jogos Vorazes) mas geralmente o melhor livro de uma saga é o primeiro.

Só que às vezes as coisas não são bem assim. Às vezes, a continuação de uma série não é melhor ou pior do que seu primeiro livro, apenas diferente. E foi isso que senti com Insurgent, livro precedido por Divergent (resenha aqui) da escritora Veronica Roth.  [Observação: a partir daqui, teremos spoilers de Divergent.]

O mundo aparentemente perfeito de Tris Prior está caindo aos pedaços: o sistema de facções, que funcionava antes como um relógio, foi desmantelado graças a ambição dos Erudite, os intelectuais da cidade. As facções então começam a se dividir, tomando lados em uma guerra que já matou quase todos os Abnegation, onde Tris nasceu e foi criada.

No meio dessa confusão, Tris tem seus próprios problemas: como lidar com ter matado um de seus amigos – e namorado de Christina, sua melhor amiga em Dauntless – em auto defesa? Como honrar a morte dos pais, que morreram para proteger a ela? E o mais importante de tudo: o que há de tão especial nela e nos outros Divergent para que eles mereçam a morte e a atenção de Jeanine, a cruel líder dos Erudite?

Isso é o que diferencia Insurgent de Divergent: enquanto o primeiro livro se preocupa em desenrolar as questões “filosóficas” inseridas no sistema de facções, o segundo foca-se em Tris e suas dificuldades durante a guerra – sem esquecer, claro, de várias cenas de ação, descritas brilhantemente pela autora. Não é muito raro YAs distópicos não parecerem de fato YAs, o que não ocorre em Insurgent: do começo ao fim vemos as dúvidas, as escolhas e as inseguranças de Tris, característica presente nos livros desse gênero. Se você gosta de protagonistas perfeitas com namorados perfeitos, nem considere ler este livro: as "pisadas na bola" de Tris e de Four são gigantescas.

Veronica Roth agora encontra-se finalizando sua trilogia, com um último livro (ainda sem nome) que provavelmente será lançado em agosto ou setembro do ano que vem. Por favor, Ms.Roth, cuide de sua saúde: o final de Insurgent foi misterioso demais para que continuemos sem respostas.

Nota: 5/5