29 abril 2012

Os Vingadores

Não sou lá muito fã de Big Brother. Assisti quase toda a temporada em que Jean Wyllis foi o campeão, e, em momentos de tédio e falta de TV a cabo na praia, pesco dois ou três episódios – não com prazer ou desgosto, mas simplesmente com indiferença.


Mas mesmo estando longe de ser uma fã do programa, me irrito profundamente com as campanhas anti-BBB que são feitas online antes e durante a sua exibição – além dos incontáveis “graças a deus” e “ufa!” quando o programa acaba. Alegam que o Big Brother não traz cultura ou conhecimento para seus espectadores. Mas quem na terra assiste BBB para ficar mais “culto”? Qual seria o problema de entretenimento só por entretenimento?

Essa defesa do BBB acaba funcionando bastante ao meu favor – não pelo reality show da Globo em si, mas sim por outras duzentas coisas que adoro mas que, de fato, não acrescentam em nada no meu “repertório” ou me fazem refletir. Apesar de inconscientemente endossá-la às vezes, odeio essa perspectiva de que tudo na vida tem que ter uma utilidade prática – até mesmo as coisas feitas nos seus momentos de diversão e relaxamento.

Nesta lista de “entretenimento por entretenimento” estão os filmes do multiverso Marvel. Comecei a assisti-los por pura falta de opção – na cidade onde moro, só há um cinema, que tem o dom de quase nunca passar filmes que não sejam de criança/de ação/de comédia – e depois, por ter de fato tomado gosto pelas cenas de ação bem-feitas e produção impecável. Alguns deles têm também o poder de surpreender: adorei as referências históricas nos recentes Capitão América e X-Men: Primeira Classe – este último tão legal que é um dos poucos filmes que me fizeram pagar um indecentemente caro ingresso de cinema mais de uma vez.

Os Vingadores está sendo bastante elogiado no Tumblr, e, apesar de preferir os supracitados, compartilho em parte da empolgação. O enredo em si é bastante trivial para o universo das HQs: o semi-deus rejeitado Loki planeja a dominação da terra. Para isto, ele necessita do Tesseract, uma fonte inesgotável de energia encontrada pelas Indústrias Stark e estudada pela agência de espionagem SHIELD, com as pesquisas comandadas pelo Dr. Erik Selvig.

Depois de capturar o Tesseract, Loki hipnotiza (afinal, ele é um semi-deus bem fraquinho, mas ainda é um semi-deus) o Dr.Selvig e o agente Clint, para que ambos o ajudem no seu propósito de abrir uma fenda no espaço com o mesmo. Fenda esta por onde passariam soldados alienígenas Chitauri que, em troca do Tesseract, fariam com que os terráqueos se prostrassem aos pés de Loki.

Diante da ameaça, Nick, diretor da SHIELD, reinicia a iniciativa Vingadores – um time de super heróis usado para defender os Estados Unidos a Terra. Os Vingadores não são exatamente tão heróicos assim: o seu líder, o Capitão América, acaba de acordar de um “sono” de 50 anos e não está habituado ao mundo moderno; o playboy Tony Stark, o Homem de Ferro, tem problemas com modéstia e trabalhar em equipe; o Dr. Bruce, que ao menor sinal de raiva, pode se transformar em Hulk, matando a todos; a assassina profissional da SHIELD Natasha (ou Viúva Negra) vive entre crises de consciência por seu trabalho e Thor, por ser irmão de Loki, não tem certeza se deve ou não se juntar aos Vingadores.

Talvez o principal problema do filme – que não o tornou tão bom quanto outros da Marvel que assisti – sejam os personagens. Fora Tony Stark – que brilha por sua imodéstia charmosa e ironia sem limites – todos os outros  são muito pouco explorados no tocante as suas personalidades. Desde o início do filme, os seus problemas pessoais e a falta de química entre os Vingadores são bastante enfatizados, e é uma pena tal desperdício. 

De resto, o filme faz magnificamente bem o que se propõe. As cenas de ação são impecáveis, e ocorrem com uma freqüência que torna impossível o tédio. O que alguns milhões de dólares não podem fazer?

Embora de fato não sucite muitas reflexões a primeira vista, Os Vingadores (e outros filmes do gênero) não é exatamente vazio. A defesa as posições americanas perante o resto do mundo é bastante sutil – bem mais sutis do que o ultra-patriotismo em Capitão América, por exemplo – mas estão lá. Através de uma metáfora – onde os inimigos não são seres humanos de países ou etnias diferentes, e sim alienígenas feinhos e poderosos – o indefensável é defendido e justificado. Não sei o quanto essa "mini lavagem cerebral subconsciente" ajudou na construção do império que os EUA são hoje, mas chuto que bastante. O que seria da Terra do Tio Sam sem sua indústria de entretenimento?
Nota: 4/5



23 abril 2012

Anjo mecânico (série As Peças Infernais)


Depois da morte de sua tia (sua única parente viva nos Estados Unidos) a orfã de dezesseis anos Tessa parte para a Inglaterra de 1878 com a esperança de uma nova e melhor vida ao lado de seu amoroso e irresponsável irmão. A recepção que recebe, porém, não é como a esperada: ao invés de ter Nate a esperando no sujíssimo porto britânico, Tessa é recebida pelas Irmãs Sombrias – duas feiticeiras incumbidas de treiná-la para utilizar seu poder (cuja existência Tessa ignorava) a preparando para se casar com alguém desconhecido e bastante poderoso chamado apenas de Magister.

Ao ser resgatada por Will e James, dois Caçadores das Sombras (grupo de pessoas responsável por manter a Lei, evitando choques entre os Habitantes do Submundo e os humanos) Tessa vê que nada é como ela imaginava: todo um mundo sobrenatural se abre a sua frente. Ela não está sozinha ou é uma aberração, mas seu poder é único o suficiente para ser almejado por muitos. Acolhida pela boa Charlotte, diretora do Instituto de Londres (uma espécie de quartel general dos Caçadores das Sombras) ela começa a perceber que nunca reaverá sua vidinha antiga de volta.

Anjo Mecânico é o primeiro livro da série As Peças Infernais, pré-sequencia para  a mundialmente famosa Os Instrumentos Mortais. Confesso que ao começar a ler o primeiro livro desta última série, Cidade dos Ossos, quase desmaiava de sono – por isso, Anjo Mecânico foi uma surpresa muito boa.
A narrativa é frenética – cortes em pontos essenciais, passando de um foco de personagens a outro, fazem com que a leitura flua melhor e largar o livro seja uma tarefa ingrata. As referências a poemas e livros famosos na época não torna a leitura um hipertexto desagradável (como sempre temo ao ver muitas notas de rodapé) e sim enriquecedor.

Não entendo a fascinação que muitos parecem ter pela Inglaterra – na verdade, acho a Terra da Rainha bastante sem graça (salvo o sotaque) se comparada a outros lugares no mesmo continente – mas as descrições de Cassandra Clare da Londres vitoriana são fantasticamente elaboradas, dando um toque bastante especial ao livro. Os costumes também são abordados: Tessa fica bastante chocada com o comportamento de Charlotte – ela usa calças, luta e fala de igual para igual com seu marido Henry.

Faz bastante parte da evolução da protagonista, aliás: no início, Tessa é cheia de não-me-toques, dando demasiada importância ao que era (ou não) esperado de uma dama naquela época. Com o tempo, ela vê que tal comportamento não é adequado a sua nova vida, não servindo ao seu propósito de achar seu irmão.

De forma geral, os personagens são agradáveis, exceto por Will. Sei que arrogância e humor ácido em um par romântico para a mocinha em potencial podem ser transformados em um grande charme – mas Casssandra Clare passou da conta com Will. Usando como justificativa o seu passado desagradável, ele se torna irascível em alguns pontos. A insinuação de um complicadissimo triângulo amoroso entre ele, Tessa e James (que considera Will como seu irmão e é bem mais agradável que o mesmo) também não me agrada muito – talvez seja trauma de Crepúsculo e seus teams. Não gosto de gritinhos de fãs ao assistir adaptações para o cinema – mesmo que, em alguns casos, eu mesma tenha que me controlar para não da-los.

21 abril 2012

Moulin Rouge


Com seus números de cancan megalomaníacos, prostitutas, absinto e drogas, Zidler, dono da casa noturna Moulin Rouge, desafoga a elite parisiense do seu tédio burguês no final do século XIX. Porém, ele e Satine – sua maior e mais bonita estrela – tem planos diferentes para si próprios e para o Moulin Rouge: transformá-lo de um prostíbulo aclamado em um teatro de verdade.

Criar um grande espetáculo – que transmita os ideais boêmios de liberdade e amor acima de tudo – também é o sonho de Toulouse e seus amigos, sendo Satine a sua estrela dos sonhos. Quando seu excêntrico roteirista os deixa, tudo parece acabado, até que Christian (escritor inglês que fugiu de seu pai ultra religioso se mudou para Montmare recentemente) aparece.

No melhor estilo Bandini, Christian alega falta de experiência com o amor e com a vida, não podendo então escrever uma peça genuinamente boêmia. Depois de ser convencido por Toulouse e seus amigos que isto não era um problema, a primeira parte da alegação é logo sanada: ele conhece Satine,  se apaixona perdidamente pela mesma e a usa como musa para sua escrita.

Mas não só de paixão vive a arte: para conseguir um bom espetáculo, dinheiro é necessário – neste caso, o dinheiro do repulsivo e fabulosamente rico duque que, assim como Christian, se rende ao encanto de Satine. Usando seu financiamento ao espetáculo como chantagem, o duque se interpõe entre Satine e Christian.

Amor, ciúmes e obsessão são os temas centrais de Moulin Rouge – e, infelizmente, tenho que dizer que esta parte do filme não foi bastante inovadora. Embora a maravilhosa atuação de Ewan McGregor (Christian) e Nicole Kidman (Satine) seja de grande ajuda, a tragicomédia não conseguiu romper as barreiras do clichê neste aspecto do enredo. Quando Christian despejou sobre Satine pela milésima vez que o amor deles superaria tudo – desde o fato de que ela viraria semi-escrava do duque até a falta de um centavo dos dois –  não pude deixar de me irritar levemente.

Isso é um problema - mas não tão grande assim se comparado ao conjunto da obra. Apropriando-se da linguagem dos videoclipes, Moulin Rouge tem uma edição bastante inovadora, com cortes violentos e cenas inacabadas. Somando-se a isto o abuso das cores na cenografia e o exagero na caracterização, não há um segundo de tédio.

Não gosto de Glee por causa de seu enredo – toda aquela coisa de aceitação na adolescência, embora bonita, me sufoca – mas sou apaixonada por seus medleys* de músicas famosas. Ver aquelas pessoas talentosas interpretando juntas músicas que sei de cor por osmose faz meus olhos brilharem, e sempre estão na parte de cima da minha playlist.  

Como não poderia deixar de ser em um bom musical, foram os medleys que me encantaram em Moulin Rouge. A mistura e modificação de músicas pop – nem sempre reconhecíveis – foi feita de maneira sublime, assim como a sua execução –  quem diria que Obi Wan Kenobi e a Feiticeira saberiam cantar?
Nota: 4/5

19 abril 2012

Cisnes Selvagens


Há algum tempo venho desenvolvendo um fascínio pela China. Embora sua cultura milenar seja de fato interessante, não é daí que seu encanto para mim vem, e sim por uma indagação compartilhada por muitos: como um país de extensões continentais consegue sair da completa ruína e se tornar a segunda maior economia com a melhor educação básica em tão pouco tempo?

Chinese School, documentário da BBC e O grito de guerra da mãe tigre, livro escrito pela polêmica Amy Chua, fizeram com que eu começasse a compreender um pouco mais sobre os mistérios chineses: na China, a educação e o trabalho são encarados com uma seriedade impressionante. Se você acha ou achou sua carga de estudo pré-vestibular excessiva, pense duas vezes: durante os três anos do ensino médio, os alunos chineses enfrentam uma jornada que vai das 7:30 as 20:30. Antes disso, há uma hora de leitura e meia hora de exercícios físicos e depois, dever de casa. Nos fins de semana, muitos se dedicam (comprometendo uma parte grande do orçamento familiar) a aulas particulares – tudo em prol do Gao Kao, exame de admissão e símbolo do abandono do nepotismo que durante milênios dominou a China.

Essa dedicação generalizada, porém, não é o tema de Cisnes Selvagens. A partir de relatos de sua mãe e avó e de suas próprias memórias, Jung Chang conta a História da China no século XX com um olhar bastante privilegiado: ao mesmo tempo que é livre para criticar o maoísmo (razão pela qual o seu livro está no Index do Partido Comunista Chinês) por ser radicada em Londres, o seu olhar sob os acontecimentos é de um nativo, que sofreu na sua pele os acontecimentos e relata o passado sem o toque de apatia típico de um estrangeiro.

Como era comum na China no início do século XX (tal prática só foi extinta – e ainda sim parcialmente – pelos comunistas) a avó de Chang foi vendida a um general caudilho como cocunbina – a única maneira que seu pai encontrou de possuir uma vida e velhice confortáveis. A liberdade das mulheres em três diferentes épocas é abordada pela autora de forma bastante interessante: ao mostrar que seu bisavô não possuía interesse nenhum no bem-estar da filha e sequer pensou em pedir sua opinião sobre viver como cocunbina, é óbvio a inexistência de emancipação feminina na China no início do século passado.

Cisnes Selvagens não seria tão interessante se as mulheres nele retratadas não fossem corajosas, e assim, na iminência de perder sua única filha (De-Hong, mãe de Chang), a valente cocunbina foge do julgo de seu senhor. A sorte também acompanha estas mulheres: graças a estabilidade da China, a fuga é bem-sucedida e ela consegue até mesmo casar de novo.

Em menos de cinqüenta anos, três governos completamente diferentes entre si assumiram a China. O ódio dos chineses pelos japoneses se tornou bastante compreensível para mim: enquanto a maior parte do povo chinês não possuía nem um punhado de arroz, as autoridades japonesas faziam banquetes fartos. Até mesmo ser melhor que um japonês em algo era considerado uma ofensa: uma colega da De-Hong (mãe da autora) viu sua vida ser arruinada por ter vencido uma garota japonesa em uma competição de corrida.

Ambos os pais de Jung Chang se juntaram aos comunistas exatamente por isso: pelo cansaço de ver a população submissa seguidamente a diferentes governos, com fome ao lado da fartura. Em prol de seu sonho, ambos fazem muitos sacrifícios e depois de uma guerra civil e muito trabalho duro, uma China mais justa começa a dar as caras.

Mao Tsé-Tung, líder da China na época, parecia não gostar da estabilidade – e é com muita mágoa que Chang conta a destruição rápida de tudo que seus pais e muitos outros lutaram para conseguir. Se 1984 tivesse sido escrito antes de tais acontecimentos, eu até mesmo diria que Orwell retirou do maoísmo inspiração para seu mundo distópico: a falsificação dos fatos, destruição de tudo que é anterior (durante a Revolução Cultural, perdeu-se boa parte dos livros na China), tentativa de manipulação do pensamento, culto à personalidade de um líder e transformação de cidadãos comuns em agentes do regime são armas tanto da fictícia Oceania quanto da muito real China nos anos 60 e 70.

A História da família de Chang funde-se com a da China, e isto torna a leitura mais palatável – embora em alguns pontos mais dura. Na medida em que comecei a gostar dos “personagens”, ver as injustiças aos quais eles foram submetidos tornou-se algo ainda mais repulsivo, e o fato de que isso pode ser multiplicado (embora de forma diferente) por quase 800 milhões de pessoas (população da China na época) torna tudo pior ainda.

Um mês de Chang, sua mãe ou avó equivale a acontecimentos de uma vida para a maioria de nós, e isso pode tornar o livro bastante confuso em alguns pontos. Já estava lá pela metade quando descobri uma linha do tempo no final do livro, que facilitou bastante a compreensão. O número de “personagens” (e seus complicados nomes chineses) também é, por vezes, uma barreira.

E mais uma vez o Desafio Literário abre novos horizontes para mim: desta vez, não graças ao tema escolhido, e sim ao gênero do livro que escolhi. Embora ler ficção seja por si ótimo, a não-ficção, quando bem executada, tem o charme único da realidade.
Nota: 4.5/5
Esse post é parte do Desafio Literário 2012.

15 abril 2012

Lemon tree



Sou pró-Palestina. Compreendo e sinto muito pelo sofrimento dos judeus durante a segunda guerra mundial, mas não acho que isso sirva de justificativa para expulsar, matar, torturar e prender arbitrariamente dentro de campos de refugiados um povo cujo único crime foi ocupar uma região (vazia na época) dita como prometida. Me revolta e me enoja que quem viveu há tão pouco tempo os efeitos do totalitarismo e do preconceito proceda de maneira semelhante.
Eu deveria parar de assistir filmes e ler livros que são bons demais – chegará um momento que todos vão crer que sou muito boazinha no meu julgamento e perder completamente (se é que esta já existiu) a fé no mesmo. Infelizmente, isso não é possível, e assisti a um filme que é agora provavelmente meu preferido sobre a questão palestina (superando os incríveis Paradise Now e Promessas de um novo mundo): Lemon Tree.
Salma Zidane, uma viúva palestina, leva uma vida pacata e solitária cuidando da plantação de limões no seu quintal. Todos nós temos nossos símbolos pessoais ou coletivos – coisas que não são somente o que parecem, e sim parte de nós mesmos, um pedacinho minúsculo e indispensável de nossas almas. Assim são os limoeiros para Salma: estes foram plantados por seu pai, sendo a ocupação, fonte de renda e parte da história da família desde então.  
Como é bastante comum na Palestina, a casa de Salma é ao lado de um assentamento israelense. Para quem não sabe, os assentamentos foram uma parte importante para a ocupação de Israel na Palestina, e são como vilas de casinhas bonitas de novas em folha construídas em cima de solo de onde os palestinos foram expulsos covardemente. Morar ao lado de um assentamento não lhe causa muitos problemas até a chegada de novos vizinhos: o ministro da defesa, Israel Navon e sua esposa, Mira.
Decidindo que os limoeiros de Salma representavam um perigo à integridade física do ministro (um terrorista poderia se aproximar da cerca que separa a plantação e o assentamento antes que a segurança militar e reforçada da casa notasse) o serviço secreto ordena que estes sejam removidos.
Não se espera que uma mulher pobre e sozinha no mundo vá contra a decisão de um estado tirano que subjuga seu povo, mas Salma desobedece a essa lógica e procura o advogado Ziad Daud, que a ajuda prosseguir com o processo.  A sua coragem logo chama a atenção de muita gente: a autoridade palestina local, que implora que ela faça o que seu falecido marido faria, ou seja, não batesse de frente com os israelenses; a imprensa, que vê na destemida mulher uma ótima história e Mira, esposa do ministro, que há algum tempo já vem notando os excessos do seu país e entra em crise ao ter que enfrentá-los diretamente.
O sofrimento de Salma é visível: logo ela é proibida de sequer tocar em seus limoeiros, e um lampejo de dor quase física passa por seu rosto a cada fruto que cai podre por falta de cuidados. Não sei se balas ou bombas a feririam mais do que ver uma parte tão importante da história de sua família ser destruída, com mínimas possibilidades de defesa.
Pegando algo pequeno – afinal, a destruição da plantação de Salma será maléfica apenas a ela – Lemon Tree introduz questões maiores, das quais a mais presente é a impotência dos palestinos perante o “estado” de Israel. Embora o terrorismo continue sendo moralmente reprovavel, é perfeitamente compreensível: é a única maneira encontrada de se ter voz, de sair da invisibilidade. Paus e pedras podem mostrar força, mas não competem com fuzis. A atitude de Salma não foi só inesperada e tida como irracional: foi até mesmo perigosa. Caso a capacidade de fazer barulho da história de Salma não houvesse sido subestimada, prende-la sob uma acusação qualquer não seria muito difícil.
Em certo ponto do filme – com um leve tom de ironia – o ministro Navon diz que Israel estará segura enquanto os palestinos tiverem esperança. Pois, palestinos, tenham esperança. Tenham, pois só assim um dia não terão que viver apenas dela.
Nota: 5/5

08 abril 2012

Estilhaça-me


Juliette, protagonista de Estilhaça-me, está presa em um manicômio – mas não porque a priori lhe faltasse sanidade, e sim por carregar consigo uma espécie de maldição: ao tocar ou ser tocada por outro ser humano, este sente uma dor excruciante e, caso o contato seja prolongado, o toque de Julliette pode ser mortal.
Rejeitada por seus pais e considerada um perigo à sociedade, a garota é trancafiada.  A solidão, experimentada por todos nós uma hora ou outra, é onipresente e especialmente intensa para Juliette: por causa de seu dom, ela sempre foi isolada emocionalmente até mesmo de sua família, e os dias no confinamento físico só tornam isto pior.
Depois de 254 dias no manicômio, este tal confinamento físico termina: Adam, um rapaz misterioso com olhos da mesma cor do céu, é designado para ser colega de cela de Julliette – que acredita piamente conhecê-lo, embora ele não pareça se lembrar.
Em Estilhaça-me, a terra está definhando a passos largos. O clima está desregulado, os animais morreram, as colheitas não rendem mais quase nada – enfim, o caos se instaurou. Com promessas de um futuro melhor, um governo chamado o Restabelecimento assume o comando em todo mundo, dividindo-o em 3.333 distritos, matando os seus opositores e destroçando todos os “ultrapassados” vestígios de cultura das civilizações anteriores.
Com apenas dezenove anos, Warner já é responsável pelo distrito em que Julliette se encontra. Fora algumas explosões e caprichos ocasionais, Warner é persuasivo, egocêntrico e calculista, e não mede esforços para, depois de retirar Julliette de sua cela, convencê-la a torturar e matar pelo Restabelecimento. Warner é um vilão do tipo que gosto: não com aquela polarização nojenta e irreal da típica encarnação do mal absoluto, e sim alguém com noções éticas distorcidas pelo poder e circunstâncias.
Mesmo lendo muitos livros Young Adults, não me considero uma leitora aberta à inovações. Não digo quanto ao conteúdo ou tradicionalidade da obra (ao menos minhas leituras não são representativas disto) e sim quanto a forma em que esta é escrita: não gosto de falta de pontuação, diálogos não sinalizados, frases grandes demais ou parágrafos confusos.
Mas Estilhaça-me foi uma exceção a esta regra. Tudo para Julliete é imensamente intenso ou novo, e através de uma escrita que meu eu tradicional considera irregular, a autora conseguiu expressar isto. A narração de Julliette repete palavras, risca frases, carece de sinais de pontuação ou coesão em muitos pontos, dando um toque desejável de realidade a sua escrita. Sem esta escrita diferente e inovadora, Estilhaça-me seria somente um bom romance com pitadas distópicas - mas a narrativa de Tahereh Mafi o faz muito mais.
Em livros de alta vendagem sempre há um espaço destinado às hipérboles jornalísticas sobre o mesmo. Em Estilhaça-me, ele é preenchido pelo comentário de uma escritora que diz “Estou com inveja. Não conseguia parar de ler.”.
Eu não poderia concordar mais. E não quero esperar até 2013 para ler a continuação.
Nota: 5/5

06 abril 2012

Firelight


Alguns temas e gêneros parecem já me parecem bastante esgotados. Fantasia, por exemplo: depois da onda vampiros/lobisomens/anjos, eu acreditava que até mesmo uma reencarnação de Tolkien falharia em achar uma centelha de criatividade aproveitável, algo que ainda não tivesse sido escrito. Para quem, assim como eu, também foi/é fã do seriado Sobrenatural, a coisa se agrava: não parece haver uma criatura mítica ainda não caçada por Dean e Sam – que, apesar de se distanciarem da aura romântica e de aceitação dos YAs, ainda possuem sua parte Fantástica.
Que eu estava redondamente errada e perdi muito em ignorar livros de fantasia nos últimos tempos é óbvio, mas resta saber que obra mudou minha opinião – neste caso, ela atende pelo nome de Firelight
Neste livro, Jacinda, a protagonista, é uma draki, uma espécie de dragão que pode se transformar em humano. Mais do que isto: Jacinda é a primeira cuspidora de dragões em gerações, o que faz com que ela seja destinada a casar com Cassian, o futuro alfa do clã, o que ela odeia – além de não querer ser feita de mera reprodutora, Jacinda sente por sua irmã gêmea, Tamra, apaixonada por Cassian desde sempre e ignorada por ele desde que não incorporou (ou seja, não foi capaz de assumir sua forma draki) no início da puberdade.
Graças às propriedades mágicas do seu sangue e ossos e habilidade para achar gemas embaixo da terra, os drakis são caçados, os que os leva a viver escondidos em aldeias isoladas e protegidas magicamente. As regras também são bastante estritas: drakis não podem voar a luz do dia – o risco de um caçador vê-los é imenso. Jacinda, porém, desobedece esta regra juntamente com sua amiga Az – o que quase custa a vida de ambas.
Depois deste ato de rebeldia, a mãe de Jacinda – que não incorpora em solidariedade à Tamra e para não lembrar de seu marido, morto pelas mãos de caçadores – decide que o melhor para a família é que todos fujam da isolada aldeia do clã e se mudem para uma cidade.
Apesar de odiar toda a atenção que lhe é dispensada e o fato de ser “destinada” a Cassian no clã, Jacinda detesta ainda mais a cidade que é escolhida pela mãe como seu novo lar: no meio do deserto, sem contato com a terra, a natureza “viva” ou sua própria espécie, o lado draki de Jacinda começa a definhar como sua mãe objetivava. A única coisa que o mantém vivo no árido clima de Nevada é Will, um colega charmoso de Jacinda e que esconde tantos segredos quanto ela.
Firelight foi feito para vender – desde a capa (que é linda) até o precinho razoavelmente camarada para um YA. Não digo por que a autora escreveu exatamente o que gostaríamos de ler ou coisa do tipo, mas é perceptível pelas frases curtas e linguagem simples empregadas que Sophie Jordan queria uma leitura o menos complicada possível. E conseguiu: li Firelight em uma noite, movida em parte pela falta de sono e em parte pelo envolvimento que a história proporcionou.
Tento variar minhas leituras o máximo possível: desde YAs até os clássicos, de distopias a épicos. Contudo tenho meus preferidos, e quando se lê bastante do mesmo gênero é quase impossível não encontrar semelhanças gritantes – os famosos clichês.
Nesse aspecto Firelight está bem servido: o grande conto de irmãs gêmeas muito diferentes entre si; a luta pela aceitação por parte da família; as panelinhas dos populares e uma protagonista egocêntrica são elementos presentes – e como. Sinceramente, não me incomodei muito. Embora eu acredite que o livro formado somente de clichês perca completamente qualquer vestígio de enredo, não tenho muitos problemas se isso não interfere no desenvolvimento geral de forma significativa. Faltaram, contudo, explicações mais claras: ainda não entendi o que é um enkros, o temido inimigo dos drakis; ou até mesmo conseguir visualizar de forma inteira um draki completamente transformado - mesmo que as descrições de mudanças físicas existam e sejam muito boas.
Mas do que me entreter, Firelight abriu meus olhos para um gênero literário que eu deliberadamente ignorei desde o boom de Crepúsculo. Uma ótima companhia para uma noite de calor, tédio e insônia.
Nota: 4/5

02 abril 2012

Delirium


Acho que todo mundo que gosta de escrever também reflete sobre as palavras e seus significados. Comigo, pelo menos é assim. Eu poderia escrever livros e mais livros sobre o tema – não o faço por preguiça e por saber que o tema seria maçante para a maior parte do mundo, que sabe que as palavras são assim e acabou. Sem grandes filosofares.
Gosto de muitas palavras com um significado ruim; adoro falar algumas só pelo esforço empregado em sua pronúncia ou pelo jeito que ela soa e aquelas que, caso eu mandasse no mundo, usaria para descrever coisas totalmente diferentes das que descrevem hoje.
Uma vez li um texto de um colunista da Capricho (não lembro qual) refletindo sobre as palavras amor e love. Segundo ele – e eu não poderia concordar mais – love não é tão mágica quanto amor (mesmo que ambas signifiquem a mesma coisa) por sua pronúncia lisa, uniforme, sem nenhum fonema que se destaque demasiadamente mesmo nos sotaques mais bonitos. Amor não: no sotaque do interior de alguns estados, o r pronunciado e repetido dá uma vibração bastante especial; no meu sotaque, o acréscimo de vogais e o semi ignorar das consoantes é bastante charmoso – enfim, a palavra, em mil jeitos diferentes, faz jus ao que descreve.
Lauren Oliver parece ter sacado bem isso: li Delirium em inglês, e algumas páginas foram suficientes para que eu percebesse que, ao invés de love, o amor no seu livro foi rotulado, na maior parte do tempo, de amor deliria nervosa. Mas não só pela beleza da expressão em si, mas também pelo fato de que em Portland – assim como em todas as cidades dos EUA distópico da autora – o amor é considerado uma doença.
Por isso, todos os cidadãos têm de passar por uma operação aos dezoito anos – operação que, além de diminuir as chances de contrair a deliria, também traz uma grande paz de espírito e felicidade.  Sem mais dúvidas ou desejos esmagadores – os seres humanos nunca pareceram tão emocionalmente equilibrados e próximos dos deuses. Lena espera ansiosamente por sua operação: graças à doença, sua mãe se suicidou, por preferir morrer a viver sem amor – e o medo de que o mesmo aconteça com ela é imenso.
A melhor amiga de Lena não pensa assim: a linda e rica Hana detesta a ideia de ter seus desejos e vida – pois carreira, marido e número de filhos são definidos por médicos em uma entrevista/exame pré-operação – controlados por outrem – mesmo que esse outrem seja ela mesma, somente com seu modo de pensar modificado pela “cura”.
No auge de seu espírito rebelde, Hana convence Lena a entrar no laboratório sem permissão, onde ambas conhecem Alex, um estudante que trabalha meio período como guarda do local. Lena então é “infectada” por Alex – ou seja: eles se apaixonam.
Alex (que tem opiniões bem pouco ortodoxas) faz com que Lena veja as coisas de outra maneira: é o amor realmente uma doença? Não haveria outro modo de estabelecer a paz social, sem acabar com o amor, a paixão, a poesia, as emoções exacerbadas ou o direito de escolha?
Um bom sinal foi dado para Delirium logo no início: a sociedade feita-para-ser-feliz de Lauren Oliver me lembrou bastante do que é considerado o maior livro de ficção distópica de todos os tempos – Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley (que também é um de meus livros preferidos). Mais exatamente uma frase dita pela pseudo-rebelde Hana fez com que minha mente me trouxesse o memorável quote do igualmente memorável livro: “- Mas eu não quero conforto. Quero Deus, quero a poesia, quero o perigo autêntico, quero a liberdade, quero a bondade. Quero o pecado.”

Esse controle social todo é bem explicado por Lauren Oliver: Lena, que narra o livro, apresenta os aspectos de seu mundo como naturais e perfeitos, sem refletir muito sobre eles – ao menos até que Alex entre na história. Ela sai do “completamente alienada” para “razoavelmente consciente” – aquele tipo de transição lenta e gradual, perfeita para livros do gênero.
Lena é o tipo de protagonista que gosto. Sinceramente, detesto personagens corajosas demais – elas podem parecer bem legais se não refletirmos muito, mas depois me parecem bastante irreais. Em Lena, não lhe falta ou lhe sobra coragem – ela somente faz concessões, baseadas no seu afeto por Hana ou Alex ou na pura lógica.
Delirium poderia ser docinho e enjoativo, mas não é: por Lena ter sido criada para acreditar de que o amor é algo danoso e doentio, ela apresenta “os sintomas” de forma leve, relutante e sem clichês. Afinal, como algo quase criminoso poderia ser batido?
Delirium não me deixou com a respiração presa, ansiosa para ler logo a próxima linha como Jogos Vorazes. Mas chegou perto.
OBS.: A capa acima é da edição paperback que comprei, em inglês (que é baratinha, não tem frete pelo Bookdepository e tem uns extras legaizinhos). A daqui do lado é a publicada recentemente no Brasil com o título de (ooooh) Delírio