16 janeiro 2014

Unwind (livro)



Unwind tem uma premissa estranha, mas que ao mesmo tempo gira em torno de algo que divide muita gente. Anos antes da história (uma distopia em um futuro distante, mas não tanto) houve a chamada “heartland war”, ocorrida graças ao conflito entre os “pró vida”* e “pró escolha” - os dois lados na briga sobre a legalização do aborto – que atingiu níveis de tensão máximos.

Aí há um problema que me fez franzir um pouquinho a testa no começo da leitura. Sim, sei que a legalização do aborto é uma questão importante (essencial, levando em conta o número de mulheres mortas em abortos ilegais) mas mesmo em um país como os Estados Unidos (em que religiosos radicais e progressistas brigam feroz e nem sempre honestamente) uma guerra civil completamente dedicada à isto me parece um pouco exagerado.

Mas distopias nem sempre são feitas para serem críveis; então continuemos. Como forma de terminar a guerra – e satisfazer ambos os exércitos pró vida e pró escolha – foi assinada a Bill of Life (algo como Constituição da Vida), que estabelece que a vida humana é intocável do momento de concepção até os treze anos de idade. A partir daí, porém, os pais podem escolher “abortar retroativamente” uma criança, mandando para ser Unwinded, ou seja: todas as partes de seu corpo (exceto por aquelas como o apêndice, que você não usaria de qualquer jeito) serão enviadas para pessoas que necessitam de uma doação, cada vez mais comuns uma vez que a ciência parou de procurar curas após a legalização de Unwinding.

Prática que, aliás, não é só legal: é aceita por toda a sociedade. Problemas número dois e três vem aí: como pró-escolha ferrenha eu mesma, tenho minhas dúvidas de se qualquer um dos lados acharia que Unwind é uma boa solução para a sua briga. Toda a briga pró-escolha não é sobre ter a responsabilidade sob uma criança ou não, e sim sobre os direitos da mulher sobre o próprio corpo. Unwinded seria uma solução pobre, e duvido que os exércitos da Heartland War discordassem de mim.

O problema – ou na verdade a solução – é que Neal Schurman é tão perfeito na caracterização e descrição de seu mundo que, mesmo com esses dois buracos históricos gigantescos, é difícil não acreditar que ele é real. O mundo de Unwind parece ter exigido um nível de planejamento e detalhe tão grande que é impossível não admirar.

Entre toda essa coisa, temos três personagens que vão ser Unwinded por motivos bem distintos. Primeiro há Connor, um garoto bastante rebelde cujos pais não conseguem controlar. Risa cresceu em um orfanato do estado, e aparentemente sua vida – e sua possível brilhante carreira como música – não é valiosa o suficiente para lhe garantir um lugar por lá – Unwind é então colocado como solução. Por último ficamos com o mais estranho, Levi, um garoto de uma família religiosa riquissima que, pela velha regra bíblica dos dez por cento como dízimo, tem que dar um de seus dez filhos ao mundo, filho este que vai feliz e satisfeito por cumprir o seu dever como religioso.
Os caminhos dos três se cruzam em um estranho acidente de carro. A fuga de Unwinds, algo obviamente comum, é tratada seriamente, com policiais eficientes trabalhando contra isto e população atenta a jovenzinhos vagando sozinhos por aí. O nosso estranho grupo, porém, é extremamente inteligente, e sobrevive de uma maneira ou de outra, em uma corrida aparentemente interminável.

Já li Unwind faz um tempinho, e o livro ainda me deixa um pouquinho confusa sobre o que pensar dele. Como já disse, a construção é boa, salvando a premissa de mundo semi-absurda. Os personagens, obviamente, crescem bastante no caminho, em um arco bem traçado e crível.

As resenhas que li discutem se o livro seria contra ou a favor da legalização do aborto, mas não creio que isso seja necessariamente relevante – com a sua solução absurda achada para essa discussão, o autor a colocou em segundo plano, discutindo, na verdade, o valor da vida. Não da vida de um feto, mas da vida dos Unwind que existem, em maneiras diferentes, na nossa realidade; da vida de mães que abandonam os seus filhos nas portas de casas exubertantes por não terem o mínimo de estrutura para cuidar dos mesmos e, obviamente, na individualidade de cada um, construída através dos anos, preciosa demais para ser jogada fora por mais marginal, rebelde ou sem expectativas que seja.


2 comentários:

  1. Realmente, a premissa desse livro é muito estranha. Como assim as ideias de que é a favor e de quem é contra a legalização do aborto causaram uma guerra que mudou completamente o mundo?
    Leria esse livro só por causa da estranheza que me causou (e também porque eu sou a favor da legalização do aborto e vivo entrando em discussões por causa disso).

    Beijo. :)

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  2. Não é uma leitura que me atraiu não. Apesar de ser fã de distopias, como você falou, nem todas agradam. E essa não me encheu meus olhos, realmente.
    A temática da legalização do aborto é interessante, mas, também, a forma que foi levada não faz muito sentido. Sei lá... Um país como os EUA criar uma guerra por isso? Achei um pouco além da conta.

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