Aprendi cedo o valor de
um escritor que confia em seus leitores. A primeira dica foi a série
Desventuras em Série, na qual Lemony Snicket não hesita em
criar um mundo cheio de referências bem escondidas e informações
que muitos considerariam complexas demais para crianças. Depois,
ganhei de presente Harry Potter e a filosofia, que como muitos
manuais quase oportunistas, mostra como o pensamento de vários
filósofos está presente nas histórias do bruxinho.
Por que é um fato que
leitores (mesmo queda mesma faixa etária) tenham vários níveis de
compreensão diferentes sobre a mesma obra. Um livro sozinho é só
um calhamaço de papel e tinta (ou algo ainda mais insignificante:
bytes na nuvem) e só se torna uma coisa de fato fantástica quando
misturado as várias experiências de seus leitores.
A série Fronteiras
do universo, iniciada por A bússola de ouro (resenha
aqui) é um expoente fantástico disso. Phillip Pulmann não despreza
seu provável público (crianças e adolescentes) e insere questões
complexas sobre religião, o bem e o mal, não tão visíveis assim
no primeiro livro da série, mas essenciais em A faca sutil,
sua continuação.
[A partir daqui,
teremos spoilers de A bússola de ouro.]
Em A bússola de
ouro, somos apresentados com um universo onde existem milhares e
milhares de mundos – todos eles com alguns detalhes em comum, mas
com pequenas diferenças que determinam fortemente os seus rumos.
Por isso, no início do
livro deixamos um pouquinho de lado a Oxford da destemida Lyra
Belacqua e vamos para um mundo bastante conhecido: o nosso. Nele,
vive Will, um garoto de doze anos que não conhece o seu pai e tem a
incrível responsabilidade de cuidar de uma mãe esquizofrênica.
Quando um trio de desconhecidos começa a persegui-la, porém, Will a
esconde na casa de uma amiga da família e decide tomar uma decisão
que fez parte da vida da maior parte das crianças: fugir de casa.
No caso do garoto a
fuga o leva a Oxford, onde ele encontra uma janela para outro mundo:
Citágazze, um decadente lugar de clima tropical sem adulto nenhum
por perto. Lá também está Lyra, que seguindo o seu pai, Lorde
Asriel, foi parar nesse estranho lugar onde as pessoas não tem
deamons e temem Espectros tanto quanto a Igreja de Lyra teme o Pó e
a nossa a maçã de Eva.
Quem lê minhas
resenhas sabe que não sou fã de colocar literatura de
entretenimento “pensante” acima de livros feitos para pura
diversão, mas após a leitura de A faca sutil, percebi que
uma exceção seria bem vinda. A complexidade e as críticas
apresentadas em Fronteiras do Universo se expandem de um jeito
que deixaria George Martin babando de inveja, abrindo interpretações
e lados. Antes de tudo, também, uma guerra se inicia: uma guerra
contra a Autoridade, que quer destruir o malfadado pó – tudo que
há de ruim e questionador, a essência humana por si só.
Phillip Pulmann criou
um tipo de livro raro na literatura infanto-juvenil: Fronteiras do
Universo estimula o questionamento da autoridade, da religião e
de tudo que é geralmente visto como óbvio e imutável. Talvez por
isso a série não tenha feito devido sucesso e tenha sido até mesmo
perseguida em alguns países – uma pena, mas esperado. Mas seja
para pensar nas suas próprias crenças ou simplesmente mergulhar em
mundos paralelos por algumas horas, A faca sutil e os outros
livros da série são indicadissimos.
Oi Isabel, tudo bem?
ResponderExcluirEu já ouvi e li sobre essa série, porém ainda não tive a oportunidade de ler. Parece ser bem interessante, e o que achei mais legal é o fato do autor não ter medo de colocar questões complexas. A dica está mais do que anotada.
Abraços,
Amanda Almeida
http://amanda-almeida.com.br