Como falei no meu post de volta (e em
quase todos os posteriores – intercambista tem vício de falar
disso mesmo, juro que não é “querer se mostrar”, como dito em
bom baianês) estou fazendo um intercâmbio de dez meses na República
Tcheca, morando em casa de família e estudando em uma escola de
ensino médio. O clichê é imenso, mas de fato intercâmbio é uma
vida em um ano, não um ano em sua vida – construir toda uma nova
rede de relacionamentos e aprender hábitos culturais feito um bebê
fazem tudo parecer maior e mais fascinante.
Portanto, não dá (nem de longe) para
resumir tudo que eu vivi aqui, e isso fugiria um pouco do objetivo.
Porém, quero colocar aqui um pouquinho desse país centro-europeu
lindo, compartilhando minhas dez impressões (que, não preciso
falar, são bem pessoais e não necessariamente refletem a realidade)
nesses três meses e meio de aventura. Não perderei meu tempo (como
muitos intercambistas cheios de espírito de vira lata, deslumbrados
pelos eletrônicos baratos e ruas limpas) em comparar a qualidade de
vida com o Brasil, sendo óbvio que dois países com trajetórias
bastante distintas teriam isso também distinto. Vamos lá então:
1. Praga é a cidade mais linda do
mundo.
Certo, talvez haja um pouco de exagero
aqui – não conheço muitas cidades. Na verdade, fui a uns cinco
estados brasileiros, e esse intercâmbio é a minha primeira incursão
ao exterior. Mas como superar os prédios antigos e preservados, as
ruas estreitas feitas na época que se usavam carroças e os bondes
ronronantes, passando lentos, como se não levassem pessoas para lá
e para cá na maior cidade da República Tcheca? Não, minhas futuras
andanças pelo mundo podem dizer diferente, mas por enquanto, Praga é
insuperável.
2. Eles odeiam os comunistas – tipo,
do fundo do coração.
Politicamente, não definiria muito os
tchecos como “coxinhas” - fora um preconceito bastante forte
contra os ciganos (em que eles não são os únicos, infelizmente)
eles são respeitadores das liberdades individuais alheias e
geralmente a favor de políticas que boa parte dos brasileiros de
classe média definiriam como “paternalistas”, mas que na real
vem funcionando muito bem para manter o bem estar social em alguns
países desse lado do Atlântico. Quando se fala de comunismo, porém,
os tchecos (que, ainda sob o nome de Tchecoslováquia, o tiveram como
regime) torcem o nariz e bravejam desejos de morte, mantendo-se tão
longe de qualquer coisa vermelha como se possa estar.
3. A escola? Bom, é escola...
Na aula de inglês (uma das poucas que
consigo compreender) tivemos longas discussões sobre isso; e é
quase unânime entre meus colegas que a República Tcheca está um
pouco atrás de outros países da União Europeia em termos
educacionais. O modelo usado é parecido com o geralmente adotado no
Brasil : o professor fala. Os alunos decoram. Exceto pela
universalidade do ensino (mesmo em lugares mais remotos, as escolas
públicas são tão boas quanto as particulares) e idiomas (todos na
minha escola tem um inglês muito bom, e dependendo da outra língua
estrangeira escolhida, o nível da mesma também beira a fluência)
não há muito de diferente no currículo tcheco do velho decoreba
brasileiro para o vestibular (aqui há algo semelhante, o Maturita).
Levemente decepcionante...
4. Ver livros baratos – e não poder
comprá-los.
Pois é – aqui as bibliotecas são
lindas e completas, tendo coleções de Young Adult e vários outros
gêneros em qualquer bairro de tamanho médio. Se você quiser fazer
aquisições também não é tão mal: embora não seja nada como
Submarino em Black Friday, as edições geralmente são capas-duras
bem bonitas e bem feitas, com preços bastante decentes (geralmente
girando em torno de 200 a 250 coroas, ou 20 a 25 reais). O
probleminha? Exceto por umas duas livrarias no centro de Praga, com
coleções em língua estrangeira mais completas, os livros estão
todos em tcheco...
5. Ah, a língua tcheca!
Quando você diz que vai fazer
intercâmbio para um país cuja língua você desconhece as reações
geralmente se dividem em três:
a) Ah, mas eles sabem inglês, né?
b) Menina! Como você vai fazer isso?
c) Mas em imersão se aprende tão
rápido...
Em termos de República Tcheca (julgado
pela falante de uma língua de um grupo linguístico completamente
diferente do tcheco) infelizmente só as duas primeiras são
verdadeiras. Sim, eu não tinha a mínima ideia de o tanto de culhões
que estava tendo ao vir para a República Tcheca- meus sentimentos
pela língua nativa desse povo vão da apatia (“nunca vou aprender
mesmo...”) a raiva “essa porra é impossível!”). Com uma
gramática bastante complicada (são nove declinações, ou seja,
mudanças no final de palavras de acordo com o papel que as mesmas
representam nas frases) e fonética semi-impossível (o ř
, por exemplo, é um fonema exclusivo do tcheco, que estrangeiros
demoram anos para dominar – se chegarem a tanto) me encontro no
nível “dois anos de idade”. E sim, eles – em sua maioria –
sabem inglês, mas é como disse o saudoso Nelson Mandela: “Se
você falar com um homem numa linguagem que ele compreende, isso
entra na cabeça dele. Se você falar com ele em sua própria
linguagem, você atinge seu coração.”
Eu sou louca, louca, louca pra fazer intercâmbio, mas devo dizer que você teve muita coragem. Eu queria fazer pra Itália, mas como o italiano não é muito influente, acho melhor um país de língua inglesa, mesmo ainda querendo morar na Itália por um tempo. Traga mais novidades!
ResponderExcluirClara
@mmundodetinta
maravilhosomundodetinta.blogspot.com.br
Um post Maravilhoso Isabel, não sabia do seu intercâmbio e olha acho que nunca faria, só se fosse para Londres, Nova Zelândia e USA..
ResponderExcluirAdorei suas imagens!!
beijos Mila
http://www.dailyofbooks.blogspot.com.br/2013/12/no-meu-leitor-virtual.html
Você precisa fazer vários desses posts de intercâmbio, Isabel! É muito fascinante! Minha parte favorita é a linguística. Não fazia a menor ideia de que o tcheco tinha declinações, é pior ainda de aprender (diz a pessoa que estava super "omg agora vou aprender latim!!!" quando decidiu mudar pra Letras e daí descobriu que pode ser um inferno). Mas, ei, força! Você está aprendendo um idioma que pouca gente sabe, o quão legal é isso?
ResponderExcluirHAHAHA gostei :) Viva as aventuras ai e traga ainda mais novidades!! :D Fala do Natal e o ano novo ai em Praga, pq eu tô curiosa pra saber como eles celebram isso em outro país (se é como aqui, se é diferente, as semelhanças, etc, etc)
ResponderExcluirIsabel, cada vez que leio seus posts fico admirada com sua coragem e experiência de vida. Muito sucesso aí em Praga!!!
ResponderExcluirAdorei o post, Isa! Continue falando sobre seu intercâmbio e mais sobre a República Tcheca! Você já conheceu o interior ou alguma outra cidade? Quais matérias tem na escola? Que horas as aulas começam? É obrigado a fazer todas as matérias ou os alunos podem escolher o que cursar? Obg desde já e estou esperando ansiosamente por mais um post sobre esse incrível intercâmbio :D
ResponderExcluirBel, acho que a escrita sempre é resultado da travessia, logo é muito boa a narrativa das andanças de uma sertaneja pelos caminhos do mundo, fale mais, de cá, do sertão da Feira, vai ser bom ouvir sua voz...
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirIsabel,
ResponderExcluirMuito maneiras suas impressões. E, como se tratam de "impressões", não tenha medo de nos apresentá-las; por mais verdades que sejam para uns e falsidades para outros, elas são modos de ver o mundo "do outro", que para ser seu - por via das interpretações e do olhar - chocam, doem, mas nos fazem aprender, apreender, crescer e nos marca profundamente para uma vida "em um ano" (como disse) ou para sempre. Vc foi morar num país, cujas cidades são lindas... da menor, da mais simples, às mais exuberantes como Londres, Roma, Madrid e Paris (onde vivi), a gente aprende muito... não importa se assim ou "assado"... são mundos que precisam entrar em nossa cabeça no tempo em que nelas estivermos, seja uma tarde, seja 10 meses ou uma eternidade.
Quer um conselho: não tenha o menor preconceito (o que não significa aceitar tudo ou deixar de recusar para não causar má impressão ou ser mal educada). Não é isso. Digo não ter preconceito para que todo o aprendizado te chegue de forma natural. Digo isso também porque vi colegas brasileiros em Paris aprender pouco da cultura, da política, da história, das artes, da moda, da economia, dos transportes, dos modos distintos de vida simplesmente porque "achava a língua uuuóóóó´e os franceses chaaaaaatos. Daí essas pessoas só tinham duas alternativas: andar com brasileiros ou falar em inglês com aqueles que tinham boa vontade ou pensava do mesmo modo para com elas falarem em inglês. Ora, a língua francesa não é fácil como também não o é o português para eles, mas nos é mais próxima do que o inglês por diversas razões. Suas impressões são coerentes com as minhas quando estive na Holanda, uma vez que o holandês/ néerlandais e as línguas e dialetos de famílias germânicas me eram muito inapreensíveis. Um vez um francês me tratou mal na fila de um banco... ele estava apressado, era fim de expediente e, certamente queria se livrar de mim e dos demais. Então, como estava impaciente com “estrangeiros” começou a me gritar em inglês... lhe respondi na língua dele “o sr. está bravo? Alimentou-se bem hoje? Beijou seus filhos antes de sair?” Disse que em meu país as pessoas não atacam os clientes por conta de problemas familiares... ele ficou tão envergonhado que me procurou 3 dias depois para me pedir desculpas. Hoje tenho-o como amigo e sempre nos falamos. É assim, o intercâmbio serve-nos para nos reconstruir a mil por hora, e através das línguas nós também reconstruímos os outros...
Enfim, espero que aprenda muito, inclusive a língua nativa com todas as declinações. Você vai muito se orgulhar de você mesma quando se fizer compreender e mais ainda quando estiver no Brasil e poder ajudar/falar/pedir/discutir/pensar com um tcheco... impossível? Não é. Parabéns!
Desculpas pela intromissão e pelo depoimento além da conta! Escreva mais...
Nilson (ex-aluno de nossa querida Norma)