"Feliz é a inocente vestal; Esquecendo o mundo e sendo por ele esquecida. Brilho eterno de uma mente sem lembranças; Toda prece é ouvida, toda graça se alcança." Alexander Pope
Se a neuromedicina avançasse o suficiente para apagar, de forma definitiva, uma lembrança de sua cabeça, o que você faria? Fosse uma pessoa, situação ou sensação, ela seria para sempre esquecida – e no dia seguinte, o único efeito colateral seria uma dor de cabeça, nada mais do que o experimentado em uma ressaca. Você se poderia se livrar de todos os seus erros, de pessoas que desejava nunca ter conhecido, de palavras que não deveriam ter sido ditas e da culpa de ter deixado de fazer algo. O que você faria diante dessa perspectiva única, maravilhosa e assustadora?
Escrutinei minha mente atrás de coisas que eu gostaria de esquecer para sempre e me vieram, com uma rapidez impressionante, as pequenas humilhações da infância. Sei que não pode parecer grande coisa, mas o olhar infantil através do qual foram concebidas as tornam estranhamente intensas, melancólicas e coloridas. Depois, coisas mais recentes: palavras que nunca deveria ter dito e erros (não muito grandes por si só, mas que acumulados, se tornaram imensos e impactantes) da adolescência – que, atipicamente, fazem com que minhas bochechas esquentem de vergonha não de mim mesma; mas de coisas que pensei serem verdades únicas e universais.
Mas aí veio o problema: eu simplesmente não podia apagar nenhuma dessas lembranças. Esquecer algo para sempre é esquecer também o aprendizado e auto-consciência que esta lembrança lhe traz, e pessoalmente, digo que cada um dos meus erros foi um pequeno tijolinho para que eu seja quem sou hoje. Não que eu seja grande coisa, aliás, ou almeje a perfeição em meus atos – qualquer coisa que chegue perto de ser completamente irrepreensível é chata – mas a minha eu de hoje é menos propensa a quebrar a cara por besteiras do que a de um, dois, três anos atrás. Cada erro, cada lembrança, leitura, pessoa, tudo isso é um pequeno pedacinho da colcha de retalhos que é a personalidade de cada um, e, mesmo com todos os meus defeitos imperdoáveis, acharia estranho trocar a minha colcha pela de outrem.
Enfim, livrar-me das minhas lembranças ruins ou vergonhosas seria negar a mim mesma e a toda trajetória da humanidade, que até hoje, consistiu em errar e (as vezes inutilmente) tentar mostrar às gerações futuras a estupidez do erro. Nunca haveria, de fato, um acerto, já que a minha essência não mudaria, somente minha propensão a errar. De modo geral, a nível pessoal e coletivo, estaríamos todos perdidos.
Clementine, personagem principal de O brilho eterno de uma mente sem lembranças, não pensava igual a mim: sem pestanejar, contratou uma clínica para apagar uma de suas lembranças mais adoráveis e dolorosas – o seu relacionamento com Joel.
O começo do filme é bastante lento – naquele estilo de filmes Cult bem cansativos, que perdem sua missão de entreter em meio à vontade de parecer legal – mas é estimulante por uma razão: Jim Carrey. É no mínimo estranho o ver sem as piadinhas, sem os personagens mal-construídos (com exceção para o Conde Olaf, da adaptação para os livros da série Desventuras em Série), na pele de Joel.
Aliás, como é comum em filmes de romance, os dois são bem diferentes: enquanto Clementine é falante, inconseqüente e complicada; Joel é um daqueles caras introspectivos, bastante tímido, cuja vida e pensamentos parecem bastante sem graça a um primeiro olhar. A fim de tentar mascarar a dor de ter sido esquecido pela mulher que amava, Joel também passa pelo procedimento de “deleta-la” de sua mente, questionando durante o processo se a validade e utilidade do mesmo.
Todo esse processo é uma jóia valiosa no filme: enquanto reconstrói seu relacionamento com Clementine – partindo de sua última briga até o dia em que se conheceram – Joel vai questionando seus conceitos e vendo tudo aquilo do que se arrepende. Ao contrário dos filmes de alto orçamento em geral, as lembranças e sonhos não vêm tão perfeitas, em alta qualidade, e sim como na vida real: meio borradas, fracas e com partes faltando. O fato de tudo ser não-linear, com inserções de lembranças anteriores e as “viagens” que a mente humana geralmente dá torna tudo mais legal.
Pergunta: só sou eu que me incomodo com essa busca incessante e incansável de muitos adolescentes (e alguns adultos) por uma individualidade artificial? Vestir roupas diferentes, escutar a banda mais desconhecida, ler os livros mais complicados ou fingir ter as emoções e preocupações mais profundas – quando, na verdade, esse esforço por não ser parte de uma multidão resulta numa normalidade mais chata que o comum, por ser forçada, prepotente e arrogante?
Esse foi meu porém com o filme: foi assim, desse jeito podremente torto, que a personalidade de Clementine foi construída. O esforço em fazer com que ela pareça legal – não no estilo hollywoodiano, loiro, casto e perfeitinho; mas de um jeito indie, rebelde imperfeito e estranho – foi tudo muito excessivo, muito artificial e infantil. No final, ela era somente mais uma com a tal da síndrome da singularidade, externando suas inseguranças estúpidas e dando pitizinhos sem razão alguma.
Além disso, foi falha a tentativa de fazê-la a estrela do filme – no final, foi o tímido Joel (nunca vão me convencer que não foi um alien que abduziu o verdadeiro Jim Carrey durante aquele filme) que brilhou.
Nota: 4/5
Olá!
ResponderExcluirNunca vi este filme, confesso. Todavia, ouço comentários acerca da mensagem reflexiva que o mesmo tende a transmitir aos seus telespectadores. Diante das suas explanações, percebo que acabo de ganhar mais um filme em minha lista de curtas a serem vistos.
De fato, as lembranças ruins e os erros por nós cometidos nos fazem pessoas melhores, e nos permitem tentar novamente a fim de acertar e fazer aquilo dar certo. Errar é humanos, mas deixar tudo para trás sem se permitir avaliar, permanecendo assim no erro, como dizem, é burrice.
Adorei!
Um abraço!
http://universoliterario.blogspot.com/
Eu AMO este filme! Ele é MARAVILHOSO! Nem tudo pode ser esquecido, mesmo que queiramos...e isto nem sempre é ruim!
ResponderExcluirApagar lembranças? Tentador se eu tivesse uma vida ruim. As lembranças que me entristecem fazem parte da minha história, e perder uma destas partes seria perder um pouco de mim.
ResponderExcluirEste filme é bacana, faz muito tempo que vi. Adoro estes roteiros cheios de imaginação.
Jim Carrey fora da sua área cômica é excelente, gosto dele no Show de Truman.
Você sonha em ser jornalista... E observando seus textos, vejo que você tem muito talento para escrita. Ótima resenha!
Eu não conheço o fime, mas me pareceu bem interessante!
ResponderExcluirDeve ser bem estranho ver o Jim Carrey sem as piadinhas habituais rs
Gostei bastante da dica e vou tentar ver o filme ;)
Tem post novo lá no blog, quer ler?
http://falleninme.blogspot.com/ Desde já obrigada!
-PatyScarcella
Nunca ouvi falar desse filme, uma vergonha
ResponderExcluirMas pelo seu post, parece ser muito bom, fiquei interessanda
E o Jim Carrey é um ótimo ator
Beijos
@pocketlibro
http://pocketlibro.blogspot.com
As pessoas se esforçam para ser diferentes como se isso fosse dar uma estranha razão à vida delas. E no final acabam sendo insuportávelmente iguais. Isso faz sentido. Gostei muito do post rs Nunca vi o filme, mas achei a idéia interessante. Eu me sinto tão mal por cada coisa que eu faço, que talvez preferisse esquecer tudo e ser um cara inexperiente e sem identidade. Dá pra entender, ou isso soou desagradávelmente sincero?
ResponderExcluirEu acho que fui a única que não assisti esse filme ainda HAHA todo mundo fala dele.
ResponderExcluirEmbora deveria, pois sou grande fã da Kiki Dunst.
Gosto de ver outras facetas do Jim Carrey, não é como Adam Sandler que não se livra das comédias pastelões haha
beijos
NANA - OBSESSION VALLEY
Amo esse filme e me arrependo de ter demorado tanto para assistí-lo. Minha prima sempre recomendava o filme e eu demorei anos para escutá-la. Passei muitos anos da minha vida desejando esquecer isso, aquilo, fulano e beltrano... hoje acho ótimo que não seja possível apagar de verdade a minha memória pq como você mesma disse e eu concordo totalmente, foram as coisas que aconteceram na nossa vida, as coisas que fizemos e falamos, as pessoas que conhecemos, que nos tornaram o que somos hoje.
ResponderExcluirIsso que você comentou de algumas (muitas) pessoas quererem ser diferentes em tudo é verdade, eu não tenho muito saco pra essas pessoas. Uma coisa é você gostar de uma coisa que quase ninguém conhece, outra é você só gostar daquilo que é pouco conhecido e convencional para ser "diferente", aff.
Adorei seu post e fiquei surpresa ao ver no perfil que você tem 16 anos, pensei que fosse mais.
Todo mundo fala desse filme (na internet pelo menos), já té baixei uma vez, mas acabei excluindo sem assistir. Sei lá, eu acho que para mim ele vai ser maçante :| e pelo que você contou, tive certeza haha Mesmo assim, se um dia calhar de passar na televisão ou sei lá, vou tentar assisti-lo!
ResponderExcluiresse filme me trouxe exatamente as mesmas discussões, e pior que o assisti num momento bem... turbulento emocionalmente :P Fiquei me perguntando o que eu escolheria apagar da mente se pudesse, e depois quanto disso alteraria a pessoa que eu sou hoje. É engraçado que apesar de às vezes parecer uma boa ideia se livrar mesmo das lembranças ruins, com um único filme eu acabei decidindo (como se fosse opcional, rá!) que não abriria mão de nenhum momento da minha vida guardado na memória. Não apenas porque acho que são esses momentos que determinam quem eu sou e até meu caráter, mas porque em algum momento da minha vida, sem querer, essas memórias não vão mais estar ali e eu não vou poder fazer nada a respeito, e elas vão fazer uma falta danada. Enfim, é um filme lindo que abre espaço pra uma centena de discussões e debates e reflexões sobre a vida :)
ResponderExcluirOi Isabel!
ResponderExcluirPerfeita sua resenha! Adorei a reflexão no começo, até culminar nas impressões sobre o filme.
Concordo com você que os traumas da infância são os piores, mas também acho que eles nos ajudaram a ser quem somos hoje.
Já sobre o filme, eu vi mas não gostei. Talvez me faltou a reflexão sobre o assunto.
Beijos,
Sora - Meu Jardim de Livros
Por um lado, eu penso em todas as minhas memórias, em meus erros e acertos e sei que por causa deles eu melhorei - ou tentei! - em muitos aspectos. Reconheço a importância deles para mim e em como me ajudaram a ser uma pessoa melhor.
ResponderExcluirPor outro lado... se me fosse dada essa possibilidade, acho que eu apagaria alguns episódios sim. É aquela história, "faça o que eu digo, não faça o que eu faço".
Vi o filme e gostei muito, tem de fato uma reflexão bacana a ser feito sobre ele.
Abraço!