11 fevereiro 2015

O senhor das moscas (livro)


Crianças são criaturas curiosas. Eu particularmente desprezo a lógica sob a qual elas são anjinhos de luz, inocentes e sem as corrupções do mundo adulto – os pequenos podem ser cruéis e vis a sua própria maneira – mas é fascinante as personalidades únicas que, sem as barreiras sociais impostas, os pequenos desenvolvem.

O senhor das moscas talvez seja uma história sobre personalidades infantis, diferentes e conflitantes, convivendo em uma situação limite. Cada um de nossos protagonistas tem um defeito mortal e uma qualidade que se sobressai: há Porquinho, inteligente, mas que se curva facilmente aos outros; Jack, um excelente líder, mas com sede de poder demais e Ralph, que sofre do mesmo defeito e tem como qualidade sua racionalidade.

Fora Jack e seus asseclas (no mundo de antes, ele era o líder de um coro religioso disciplinado), nenhum dos garotos se conhecia antes. Todos eles foram parte da mesma queda de um avião que saiu da Grã-Bretenha em uma evacuação de emergência graças a uma guerra nuclear. A personalidade de Ralph – que chama todos os garotos (alguns bem novos, com cerca de seis anos) assoprando uma concha – logo se sobressai, e as sugestões de manter uma fogueira acesa e viver da colheita das abundantes frutas da ilha agrada à maioria. Jack, porém, decide que ele e seu coro serão caçadores, e em acordo, os dois grupos se dividem.

Enquanto Jack falha em conseguir caçar um porco selvagem sequer, Ralph também tem suas dificuldades: indisciplinados, a maioria dos meninos (sobretudo os mais novos) abandonam os trabalhos de construir abrigos e vivem brincando e colhendo frutas – num excesso tão grande que vivem doentes. A tarefa de manter a fogueira acesa, delegada aos caçadores de Jack, também é falha, fazendo com que eles percam oportunidades de resgate.

Na minha breve passagem pela Inglaterra, me impressionei demais com a civilidade dos ingleses, o seu respeito pelas instituições e coletividade tão grande que, como qualquer boa característica de um país, acaba se tornando também defeito e fraqueza. Os garotos tentam, de forma muito falha, reproduzir o mínimo da civilização da qual vieram na ilha, mas nem mesmo a poderosa liderança de Ralph e a inteligência de Porquinho conseguem conter o caos.

Além disso, por tratar da formação de uma sociedade, O senhor das moscas toca também na superstição: para evitar encararem uns aos outros como monstros, os garotos começam a imaginar um inimigo externo, que habita a ilha e parece ter levado já alguns deles. O medo leva à barbárie, talvez o grande tema de verdade de O senhor das moscas.


Vista por uma ótica quase infantil de suas personagens, O senhor das moscas é uma leitura fluida, porém extremamente desconcertante e até mesmo desagradável. É incrível – de uma forma ruim – pensar até onde podemos ir para a sobrevivência, e como todas as noções morais nos ensinadas pela cultura podem cair por terra em uma situação limite. Um bando de garotos e uma ilha, são esses os elementos formadores de O senhor das moscas, e é por sua simplicidade que o livro me ganhou, me deixando a pensar sobre os elementos do mesmo dias e dias após a leitura. Com isso, estou com o prefacista da obra: é o último livro que eu gostaria de levar para uma ilha deserta.

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