18 março 2012

Tropa de Elite, pt. um


Não sei se isso ocorre com outros filhos de professores, mas, por ver nos meus neles colegas de profissão dos meus pais, detesto representar um problema em classe. Minha extrema preguiça de estudar já me rendeu algumas conseqüências bem inesquecíveis, mas detesto fazer qualquer coisa errada em sala de aula: não converso, não brinco, tento ser participativa e, acima de tudo, detesto deixar de fazer a lição de casa – por isso, dessa vez assistir Tropa de Elite e Tropa de Elite 2 foi inevitável.
Eu tenho uma listinha de discussões em que nunca deveria entrar, mas acabo entrando – e a legitimidade da tortura é uma delas. É um daqueles debates no qual a paciência e a tolerância me faltam – nem tanto pela opinião alheia (de aprovação quase unânime aos nada delicados métodos de coerção e punição empregados, na maior parte do tempo, pelo Estado) de defesa à mesma, e sim pelos argumentos pouco impessoais e irracionais que são usados.
Por isso que eu fugi durante esse tempo todo de Tropa de Elite. Não foi uma única descrição que ouvi de pessoas se levantando e aplaudindo para as inúmeras cenas de tortura – cenas que, ironicamente, não podem faltar quando se trata de um filme sobre agentes da lei.
Ah, mas eu – e todo mundo que falou comigo sobre o filme, aliás – não poderia estar mais errada. Tropa de Elite não é sobre a quase guerra que ocorre nas favelas, o treinamento desumano do BOPE ou a ação estilo Call of Duty. Sem sair em sua defesa ou condená-los, Tropa de Elite fala sobre os policiais, personagens mais ambíguos que poderiam existir. Há sim bastante mérito em estar disposto a se tornar um profissional que corre riscos imensos de vida recebendo em troca um salário mixo; mas é impossível ignorar as atrocidades cometidas por policiais (só para deixar bem claro: eu sei que nem todos os policiais são desonestos – estou generalizando bonito aqui) dentro de Favelas e da utilidade geral da polícia como instituição repressora.
Dizem por aí que você só sabe o que é medo quando se tem filhos e o Capitão Nascimento está sentindo o peso do significado dessa frase: sua esposa está grávida, o que agrava a tensão de ambos pelo emprego perigoso de Nascimento no BOPE. E, como se não bastasse o stress comum do trabalho, há um agravante: o Papa, que estará de visita ao Rio de Janeiro, quer dormir na favela, sendo o trabalho do BOPE pacificá-la – o nosso genocídio diário de jovens pobres e negros parecer não ser nada perto do risco de Vossa Santidade levar uma bala.
Por pressão da esposa, Nascimento procura um substituto. Wagner Moura (um dos meus atores preferidos) se superou neste filme: ele está magnífico na pele de um policial tão ambíguo quanto sua profissão – enquanto sentia uma admiração imensa por algumas dos raciocinios por ele apresentados, outras me davam um nojo extremo. Na sua procura por um substituto, seu caminho se cruza com o de Neto e Mathias, dois policiais jovens, honestos e idealistas, mas bem diferentes um do outro: enquanto Neto é impulsivo e bastante fiel à polícia, Mathias é racional e tem o coração dividido entre continuar na carreira policial ou se tornar advogado.
Com esta “vida dupla” de Mathias, o filme insere a algumas discussões interessantes: a primeira, e mais repetida, é a de classe e cor. É flagrante o fato de Mathias fugir ao padrão de jovens de classe média brancos na faculdade de Direito onde estuda – algo que, mesmo com as políticas de cotas sociais e raciais se perpetua até hoje, quinze anos depois da data quando o filme se passa.
As contradições da classe média também são expostas: enquanto Maria – que se envolve com Mathias até descobrir que ele é policial – se mostra, por um lado, bastante preocupada com a desigualdade social, trabalhando ativamente em uma ONG, ela também fuma maconha, sustentando de forma direta o tráfico. Lógica que não sei se concordo plenamente com: apesar de saber que, de forma direta, o sustento do tráfico é realmente feito pelos usuários de drogas (em sua maioria de classe média, já que as drogas usadas pelos pobres não são caras o suficiente para representar, economicamente, um grande lucro para o tráfico) não acredito que se possa viver em sociedade sem patrocinar, de alguma forma, o tráfico, a exploração ou a miséria.
A fim de conseguir algumas peças para viaturas (e sair da entediante função na Oficina da PM) Neto se envolve em um esquema de corrupção. A priori, tudo parece estar bem, mas não acaba dando tão certo assim: um dos envolvidos, um policial corrupto de longa data, é marcado para morrer. Neto e Mathias tentam impedir que isto aconteça mas, graças a um tiro mal-dado, o caos se instala no morro, sendo o BOPE chamado para intervir. No ápice de seu stress – com uma mega operação para comandar, uma esposa grávida e um leve vício em remédios controlados – Nascimento conhece Neto e Mathias, principais candidatos a seu substituto.
O filme é sim, de certa forma, perigoso: a partir das situações difíceis vividas pelos policiais, há a explicação do porquê do emprego da violência na ação policial – embora esta explicação não nos conduza, em nenhum momento, para alguma espécie de defesa.
Reforcei a conclusão de uma reflexão a qual eu já havia sido induzida pela greve da PM da Bahia em Fevereiro: assim como as péssimas condições de trabalho não justificam a atitude de alguns policiais frente a sua profissão, o atual estado da polícia como agente repressor também não deve ser justificativa para que estes profissionais possuam péssimas condições de trabalho ou recebam carta branca para “manter a ordem” da maneira que bem entenderem.  Trabalhar daquele jeito é complicado, mas dormir direito depois de matar e torturar em prol de “um bem maior” (que ninguém sabe qual é) também deveria ser.
Nota: 4/5

6 comentários:

  1. Fantástica sua análise! Tem muito tempo que assisti Tropa de Elite e, talvez na imaturidade, não gostei tanto assim. No começo do ano passado assisti ao segundo e achei bem interessante, com a capacidade de gerar um monte de discussões importantes sobre o nosso país e a maneira como as coisas funcionam por aqui.
    Pra ser bem sincera, o que lembro do primeiro filme são aquelas frases de efeito estilo "põe na conta do Papa" (ou algo assim).
    Sei que nunca gostei que transformassem o Capitão Nascimento em perfeito herói (e como vi amigos meus fazendo isso) e simplesmente aplaudissem tudo o que ele fazia, inclusive os "vai pro saco". Acho que teve muita gente que curtiu pela violência, mesmo. Ao mesmo tempo não gosto do discurso de que Tropa faz apologia à tortura. Gente, vamos refletir sobre o que estamos assistindo, né? É teu papel como espectador.
    Ok, falei falei e não disse nada. Enfim. Preciso assistir de novo (sem estar quase dormindo).
    Espero a análise do segundo :)
    Beijo!

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  2. Eu amo esse filme. Uma crítica bem construída (e fundamentada) da polícia do RJ.
    Adorei sua resenha, agora que vi sua idade fiquei surpresa, por ser tão nova e possuir um raciocínio super lógico e maduro.
    bjos

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  3. O grande motivo para que Tropa de Elite seja assistido é que a filmografia no Brasil é tão ridícula- compare com a da nossa vizinha Argentina, por exemplo- que quando sai um filme " mais ou menos" a gente não pode perder tempo, tem que assistir, pela raridade da situação. E pra mim, este é o caso do Tropa.
    Bj

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  4. Oi Isabel!
    Isso que você falou no início da resenha ocorre com outros filhos de professores sim! Também sou assim ^^
    Gostei bastante da sua análise sobre o filme. Eu gostei bastante dele; polêmicas a parte, gosto de filmes de ação e esse foi o primeiro (e único) filme de ação brasileiro que vi até agora. Mas não tem como terminar o filme sem refletir sobre tudo isso.

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

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  5. Oi Isabel!
    Eu adoro Tropa de Elite, lembro que quando assisti o primeiro fiquei até um pouco chocada pois achei algumas cenas bem fortes e o segundo filme foi melhor ainda! Possui uma crítica excelente e a interpretação dos atores foi ótima né? O Vagner Moura é um ator magnifico e fiquei encantada com a sua atuação como Cap.Nascimento.
    Sem mais, amei a sua resenha e opinião.
    Beijos.

    http://booksedesenhos.blogspot.com

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  6. Bel,

    Bem maior não. Sobrevivência. A meu ver, este é o argumento do filme. O problema estar em "psicologizar" só o polícia. Concordo com sua análise, vejo apenas o Tropa 2 como mais denso no geral.

    bj,
    Aruã

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