Acho que todo mundo que gosta de escrever também reflete
sobre as palavras e seus significados. Comigo, pelo menos é assim. Eu poderia
escrever livros e mais livros sobre o tema – não o faço por preguiça e por
saber que o tema seria maçante para a maior parte do mundo, que sabe que as
palavras são assim e acabou. Sem grandes filosofares.
Gosto de muitas palavras com um significado ruim; adoro
falar algumas só pelo esforço empregado em sua pronúncia ou pelo jeito que ela
soa e aquelas que, caso eu mandasse no mundo, usaria para descrever coisas
totalmente diferentes das que descrevem hoje.
Uma vez li um texto de um colunista da Capricho (não lembro
qual) refletindo sobre as palavras amor e love. Segundo ele – e eu não poderia
concordar mais – love não é tão mágica quanto amor (mesmo que ambas signifiquem
a mesma coisa) por sua pronúncia lisa, uniforme, sem nenhum fonema que se
destaque demasiadamente mesmo nos sotaques mais bonitos. Amor não: no sotaque
do interior de alguns estados, o r pronunciado e repetido dá uma vibração
bastante especial; no meu sotaque, o acréscimo de vogais e o semi ignorar das
consoantes é bastante charmoso – enfim, a palavra, em mil jeitos diferentes,
faz jus ao que descreve.
Lauren Oliver parece ter sacado bem isso: li Delirium em
inglês, e algumas páginas foram suficientes para que eu percebesse que, ao
invés de love, o amor no seu livro foi rotulado, na maior parte do tempo, de
amor deliria nervosa. Mas não só pela beleza da expressão em si, mas também
pelo fato de que em Portland – assim como em todas as cidades dos EUA distópico
da autora – o amor é considerado uma doença.
Por isso, todos os cidadãos têm de passar por uma operação
aos dezoito anos – operação que, além de diminuir as chances de contrair a
deliria, também traz uma grande paz de espírito e felicidade. Sem mais dúvidas ou desejos esmagadores – os
seres humanos nunca pareceram tão emocionalmente equilibrados e próximos dos
deuses. Lena espera ansiosamente por sua operação: graças à doença, sua mãe se
suicidou, por preferir morrer a viver sem amor – e o medo de que o mesmo
aconteça com ela é imenso.
A melhor amiga de Lena não pensa assim: a linda e rica Hana
detesta a ideia de ter seus desejos e vida – pois carreira, marido e número de
filhos são definidos por médicos em uma entrevista/exame pré-operação –
controlados por outrem – mesmo que esse outrem seja ela mesma, somente com seu
modo de pensar modificado pela “cura”.
No auge de seu espírito rebelde, Hana convence Lena a entrar
no laboratório sem permissão, onde ambas conhecem Alex, um estudante que
trabalha meio período como guarda do local. Lena então é “infectada” por Alex –
ou seja: eles se apaixonam.
Alex (que tem opiniões bem pouco ortodoxas) faz com que Lena
veja as coisas de outra maneira: é o amor realmente uma doença? Não haveria
outro modo de estabelecer a paz social, sem acabar com o amor, a paixão, a
poesia, as emoções exacerbadas ou o direito de escolha?
Um bom sinal foi dado para Delirium logo no início: a
sociedade feita-para-ser-feliz de Lauren Oliver me lembrou bastante do que é
considerado o maior livro de ficção distópica de todos os tempos – Admirável
Mundo Novo, de Aldous Huxley (que também é um de meus livros preferidos). Mais
exatamente uma frase dita pela pseudo-rebelde Hana fez com que minha mente me
trouxesse o memorável quote do igualmente memorável livro: “- Mas eu não quero conforto. Quero Deus, quero a
poesia, quero o perigo autêntico, quero a liberdade, quero a bondade. Quero o
pecado.”
Esse controle social todo
é bem explicado por Lauren Oliver: Lena, que narra o livro, apresenta os
aspectos de seu mundo como naturais e perfeitos, sem refletir muito sobre eles
– ao menos até que Alex entre na história. Ela sai do “completamente alienada”
para “razoavelmente consciente” – aquele tipo de transição lenta e gradual,
perfeita para livros do gênero.
Lena é o tipo de
protagonista que gosto. Sinceramente, detesto personagens corajosas demais –
elas podem parecer bem legais se não refletirmos muito, mas depois me parecem
bastante irreais. Em Lena, não lhe falta ou lhe sobra coragem – ela somente faz
concessões, baseadas no seu afeto por Hana ou Alex ou na pura lógica.
Delirium poderia ser
docinho e enjoativo, mas não é: por Lena ter sido criada para acreditar de que
o amor é algo danoso e doentio, ela apresenta “os sintomas” de forma leve,
relutante e sem clichês. Afinal, como algo quase criminoso poderia ser batido?
Delirium não me deixou com
a respiração presa, ansiosa para ler logo a próxima linha como Jogos Vorazes.
Mas chegou perto.
OBS.: A capa acima é da
edição paperback que comprei, em inglês (que é baratinha, não tem frete pelo Bookdepository e tem uns extras legaizinhos). A daqui do lado é a publicada recentemente
no Brasil com o título de (ooooh) Delírio.
me lembrou bastante Feios, só que com a mudança sentimental ao invés de física. Acho que isso aumenta mais as possibilidades de exploração e a intensidade da história né :) Parece super legal. E o fato de não ser carregado em melodrama nem enjoativo já conta muuitos pontos positivos. Sem contar que a capa é o máximo! :)
ResponderExcluirUm mundo sem amor? Poxa, isso seria muito triste! Pq sem o amor de onde viriam as músicas, os filmes, os poemas? Gostei da história do livro, me interessei bastante para saber como a história é desenvolvida. E gostei muito da sua introdução, falando de como palavras em línguas diferentes, mas com o mesmo significado, soam de maneiras distintas. Sempre pensei nisso, algumas palavras ficam mais bonitas em certas línguas do que em outras.
ResponderExcluirE sobre o que me falou no blog, é claro que pode deixar sugestões! Ideias sempre são bem-vindas! Tenho um ícone de feed no menu lateral, na direita do blog. Se você clicar lá e copiar o endereço da barra de navegação, ele funciona como feed. Bem, pelo menos eu testei e estava funcionando. XD Qualquer coisa, me diz.
Boa semana! =**
muito obrigada :D não tinha visto, segurei lá.
ExcluirOi Isabel, concorco com você quanto a diferença de falar Love e Amor. Por incrível que pareça, acho a pronúncia da palavra passion mais bonita e mais significativa que love.
ResponderExcluirEnfim, comecei a ler o livro hoje então não posso opinar tanto sobre. Achei Lena bastante robótica no início, mas isso se deve a introdução que ela nos apresenta sobre a distopia em si. De cara me simpatizei com a amiga dela Hana, não cheguei nessa parte da frase que você citou, mas teve outra coisa que ela falou que eu gostei muito (estou sem o livro aqui no quarto , então depois volto e coloco). Não sei se vou gostar tanto quanto gostei de Destino, mas estou apreciando a distopia.
bjos
Oi Isabel...
ResponderExcluirSua resenha foi uma das mais bonitas e elaboradas que li em toda minha vida... muito envolvente e a introdução perfeita...
Queria ter esse dom com as palavras, mas não tenho, infelizmente... tento me esforçar mas nunca vou conseguir chegar a esse nível...
Ainda não li esse livro e estou com expectativas elevadas... talvez a premissa seja boa, apesar de não gostar muito de distopias =]
Beijos.
#Resenha falada.
Oi Isabel!
ResponderExcluirEu gosto de livros distópicos (desde 1984 que li na adolescência) justamente por provocarem essa discussão interna.
Adorei a comparação entre "love" e "amor", e acho que o mesmo poderia ser dito entre "I miss you" e "sinto saudade".
Essa parte da história, de todos terem que fazer uma cirurgia aos 18 anos, me lembrou muito o livro "Feios", tem um negócio assim lá também.
Bom, eu nem estava muito a fim de ler "Delírio", mas sua resenha me deixou morrendo de vontade de ler :)
Beijos,
Sora - Meu Jardim de Livros
Gostei da ideia do livro, por mais que eu ache que não é do tipo que eu gostaria de ler rs A operação seria a solução para muitos problemas, mas provavelmente acabaria com a arte, por exemplo. O amor está envolvido em muitas coisas, por mais que eu odeie admitir este fato, e não só no amor atrativo entre duas pessoas. A música, por exemplo, é pura paixão.
ResponderExcluirEu só tô esperando um outro livro que quero comprar ser lançado (Nas Sombras) para comprar Delírio! Eu PRECISO desse livro. Disse a mim mesma que iria comprar assim que saísse no Brasil (sou conhecida por procrastinar qndo o livro é lançado aqui... HAHA).
ResponderExcluirENFIM.
Adorei sua resenha!! Eu já sabia mais ou menos a história, mas adorei sua perspectiva sobre a sociedade — e como vc mencionou um livro que há muito quero ler, Admirável Mundo Novo. :)
Mas eu achava que esse livro seria bem focado no romance, bom saber que a Oliver explicou bastante sobre a sociedade.
Beijos!
PS: adorei o novo layout!!!!!
ResponderExcluirHey Isa
ResponderExcluirAdorei o lay novo..
Ainda não li esse livro, mas o outro livro dela foi bastante elogiado pela blogosfera...e esse cheguei a ler umas resenhas também antes de lançarem no Brasil.
E eu acho que vou gostar...mais desse do que do outro haha
beijos e um ótimo feriado pra você
Nana - Obsession Valley
Acho que a minha resenha de Delirium foi a mais negativa que já vi. Todo mundo gosta dele bem mais do que eu - apesar de eu também ter gostado. Só que achei só 'bom', não fantástico. Nem mesmo 'muito bom'.
ResponderExcluirAcho a ideia da Lauren genial. Porque tirar o amor das pessoas não é só tirar amor romântico, é todo tipo de amor. Acaba tirando os sentimentos delas em geral. As pessoas parecem funcionar de forma quase mecânica, pelo que me lembro. O que soa como uma perfeita forma de controle social.
Mas acabei não gostando tanto de como ela conduziu a história e não consigo gostar da Lena ou do Alex. Mas gosto muito da Hana, acho que ela é a melhor personagem da história.
Mesmo assim estou bem ansiosa pra ler o segundo, porque acho o mundo que a autora criou interessantíssimo. E a forma como o primeiro livro terminou...
Preciso ler Admirável Mundo Novo!!! Quero ler os distópicos clássicos agora, depois de ler os YAs que com certeza tiraram alguma coisa de lá.
Beijo!
Esse sim é interessante! Realmente, sentidos e sensações, as palavras são encantadoras. Em inglês, a pronúncia se destaca pela forma gostosa com qual articulamos a boca, massageamos a garganta. Quando para leitura, prefiro a língua portuguesa, com seus nomes diferentes para a mesma coisa diferente ou igual. Isso me conduz bastante. Eu viveria tranquilo num mundo se amor "sexual". De resto, pai, mãe, amigos, não. Desse tipo de amor, baby, eu não abro mão.
ResponderExcluirAdorei a ideia do livro! Fiquei com IMENSA vontade de ler. Sou apaixonada por distopias, acho os escritores muito criativos nesse tema. No caso desse livro, a escritora foi bem criativa! Por mais que seja estranho um mundo sem amor, acho que poderia ser algo que aconteceria facilmente daqui uns anos. E nada como alguém para ir contra isso.
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