Há algum tempo venho desenvolvendo um fascínio pela China.
Embora sua cultura milenar seja de fato interessante, não é daí que seu encanto
para mim vem, e sim por uma indagação compartilhada por muitos: como um país de
extensões continentais consegue sair da completa ruína e se tornar a segunda
maior economia com a melhor educação básica em tão pouco tempo?
Chinese School, documentário da BBC e O grito de guerra da mãe tigre, livro escrito pela polêmica Amy Chua, fizeram com que eu começasse a compreender um
pouco mais sobre os mistérios chineses: na China, a educação e o trabalho são
encarados com uma seriedade impressionante. Se você acha ou achou sua carga de estudo
pré-vestibular excessiva, pense duas vezes: durante os três anos do ensino
médio, os alunos chineses enfrentam uma jornada que vai das 7:30 as 20:30.
Antes disso, há uma hora de leitura e meia hora de exercícios físicos e depois,
dever de casa. Nos fins de semana, muitos se dedicam (comprometendo uma parte
grande do orçamento familiar) a aulas particulares – tudo em prol do Gao Kao,
exame de admissão e símbolo do abandono do nepotismo que durante milênios
dominou a China.
Essa dedicação generalizada, porém, não é o tema de Cisnes
Selvagens. A partir de relatos de sua mãe e avó e de suas próprias memórias,
Jung Chang conta a História da China no século XX com um olhar bastante
privilegiado: ao mesmo tempo que é livre para criticar o maoísmo (razão pela
qual o seu livro está no Index do Partido Comunista Chinês) por ser radicada em
Londres, o seu olhar sob os acontecimentos é de um nativo, que sofreu na sua
pele os acontecimentos e relata o passado sem o toque de apatia típico de um estrangeiro.
Como era comum na China no início do século XX (tal prática
só foi extinta – e ainda sim parcialmente – pelos comunistas) a avó de Chang foi
vendida a um general caudilho como cocunbina – a única maneira que seu pai
encontrou de possuir uma vida e velhice confortáveis. A liberdade das mulheres
em três diferentes épocas é abordada pela autora de forma bastante interessante:
ao mostrar que seu bisavô não possuía interesse nenhum no bem-estar da filha e
sequer pensou em pedir sua opinião sobre viver como cocunbina, é óbvio a
inexistência de emancipação feminina na China no início do século passado.
Cisnes Selvagens não seria tão interessante se as mulheres
nele retratadas não fossem corajosas, e assim, na iminência de perder sua única
filha (De-Hong, mãe de Chang), a valente cocunbina foge do julgo de seu senhor.
A sorte também acompanha estas mulheres: graças a estabilidade da China, a fuga
é bem-sucedida e ela consegue até mesmo casar de novo.
Em menos de cinqüenta anos, três governos completamente
diferentes entre si assumiram a China. O ódio dos chineses pelos japoneses se
tornou bastante compreensível para mim: enquanto a maior parte do povo chinês
não possuía nem um punhado de arroz, as autoridades japonesas faziam banquetes fartos.
Até mesmo ser melhor que um japonês em algo era considerado uma ofensa: uma
colega da De-Hong (mãe da autora) viu sua vida ser arruinada por ter vencido
uma garota japonesa em uma competição de corrida.
Ambos os pais de Jung Chang se juntaram aos comunistas
exatamente por isso: pelo cansaço de ver a população submissa seguidamente a
diferentes governos, com fome ao lado da fartura. Em prol de seu sonho, ambos
fazem muitos sacrifícios e depois de uma guerra civil e muito trabalho duro,
uma China mais justa começa a dar as caras.
Mao Tsé-Tung, líder da China na época, parecia não gostar da
estabilidade – e é com muita mágoa que Chang conta a destruição rápida de tudo
que seus pais e muitos outros lutaram para conseguir. Se 1984 tivesse sido
escrito antes de tais acontecimentos, eu até mesmo diria que Orwell retirou do
maoísmo inspiração para seu mundo distópico: a falsificação dos fatos,
destruição de tudo que é anterior (durante a Revolução Cultural, perdeu-se boa
parte dos livros na China), tentativa de manipulação do pensamento, culto à
personalidade de um líder e transformação de cidadãos comuns em agentes do
regime são armas tanto da fictícia Oceania quanto da muito real China nos anos
60 e 70.
A História da família de Chang funde-se com a da China, e
isto torna a leitura mais palatável – embora em alguns pontos mais dura. Na
medida em que comecei a gostar dos “personagens”, ver as injustiças aos quais
eles foram submetidos tornou-se algo ainda mais repulsivo, e o fato de que isso
pode ser multiplicado (embora de forma diferente) por quase 800 milhões de
pessoas (população da China na época) torna tudo pior ainda.
Um mês de Chang, sua mãe ou avó equivale a acontecimentos de
uma vida para a maioria de nós, e isso pode tornar o livro bastante confuso em
alguns pontos. Já estava lá pela metade quando descobri uma linha do tempo no
final do livro, que facilitou bastante a compreensão. O número de “personagens”
(e seus complicados nomes chineses) também é, por vezes, uma barreira.
E mais uma vez o Desafio Literário abre novos horizontes
para mim: desta vez, não graças ao tema escolhido, e sim ao gênero do livro que
escolhi. Embora ler ficção seja por si ótimo, a não-ficção, quando bem
executada, tem o charme único da realidade.
Nota: 4.5/5
Esse post é parte do Desafio Literário 2012.
eu não sou muito interessada quando o assunto é China, mas com certeza é uma cultura e um povo bastante interessantes, com uma história e tanto pra contar. no geral, pra mim (que não tenho contato nem nunca estudei nada a respeito) todos os países do oriente são. E uma pessoa que vive/viveu a realidade de países como a China certamente tem muito pra contar. Apesar de eu não ser muito adepta da não-ficção, me chamou a atenção simplesmente por ser uma cultura tão completamente diferente da minha e uma realidade tão distante. E se torna ainda mais legal porque tem todo um contexto histórico que ajuda a compreender as dimensões dos acontecimentos. Curti :)
ResponderExcluirHá alguns anos, li " As Boas mulheres da China" que revolucionaram a minha visão deste país e claro, ainda fortaleceram mais ainda minhas ideias feministas. Trabalhei até a primeira história do livro com vários alunos, e todos eles gostaram(e se revoltaram!)junto comigo. Pra variar, não li o seu atual livro, mas acho que toda voz feminina que venha daquele lugar merece ser ouvida- e lida!
ResponderExcluirEu confesso q o gênero não-ficção não é um dos meus favoritos, mas eu acho o conteúdo em sí bem interessante!
ResponderExcluirA cultura da China (e toda a cultura oriental) me chama muita atenção ;)
Ah obrigada ^^ nos estamos muito felizes.
Bom vc vai no site das editoras q te agradam e procura por "parcerias" algumas pedem pra preencher formulários outras só pedem o link do seu blog ;)
Tem post novo lá no blog, quer ler?
http://falleninme.blogspot.com/ Desde já obrigada!
-PatyScarcella
Leio muito pouca não-ficção, e pelo jeito já descobri por onde começar a ler mais desse gênero. Esse livro parece ser realmente incrível, aprenderei mais com ele do que na escola sobre esse país. Nem dá para imaginar a dimensão da vida que essas mulheres passaram! Gostei muito mesmo do seu texto, e tenho certeza que do livro irei curtir também.
ResponderExcluirBeijo!
adorei seu blog, a resenha, fiquei super interessada no livro, vai para minha wishlist.
ResponderExcluirEstou numa vibe de ler não-ficção também, embora seja adicta de romances ficcionais. Também sou movida a descobrir e estudar novas perspectivas. E essa dica de leitura torna-se valiosa aos meus propósitos. Obrigada!
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