03 junho 2012

A visita cruel do tempo


Jennifer Egan quebrou – além de algumas convenções sobre como um livro deve ser escrito – o meu padrão de escrever resenhas: seria muito pretensioso que eu tentasse (como sempre faço) iniciar esta com um apanhado geral do enredo de sua obra vencedora do Pulitzer, A visita cruel do tempo. O motivo? Não há enredo.

Não entendam mal: não é um defeito. Sei que qualquer coisa em um livro que lembre filmes de ação Hollywoodianos (‘sem enredo’ é uma expressão que já usei para descrevê-los milhares de vezes) soa má, mas é justamente essa falta de enredo que torna A visita cruel do tempo único e sublime.

Em primeiro lugar por seu personagem principal: o tempo. O livro possui mais personagens do que eu seria capaz de contar sem ficar entediada, o que quase sempre dá errado – mas porque voltar trinta páginas para relembrar o que Fulaninho fez se ele é um personagem secundário, uma mera marionete usada pela autora para demonstrar os efeitos e o poder de seu protagonista?

Pois bem: os destinos desses “personagens secundários” se entrelaçam das maneiras mais casuais possíveis. Eles mudam da água para o vinho, casam-se, corrompem-se, ganham e perdem prestígio e dinheiro, recuperam-se de vícios, morrem, vivem uma vida em um mês e depois vegetam pelo resto dos seus dias – tudo isso com uma falta de cronologia tão bem orquestrada que deixaria até Pulp Fiction com inveja.

Um parágrafo pode narrar décadas; um capítulo, segundos. Passando-se num período de cinqüenta anos, A visita cruel do tempo vai desde a vida desregrada de um grupo de adolescentes da São Francisco dos anos 70 até uma Nova Iorque de um futuro irônico, onde nossas vidas são ligadas a uma maquininha chamada console e os bebês são o público alvo de quase tudo – inclusive da indústria musical que, obviamente, teve de se adaptar, deixando qualquer complexidade e singularidade de lado. Apatia, dor, medo, vontade de aceitação, felicidade, esperança e sua ausência: tudo é colocado de maneira sufocante e crua.

Para qualquer aspirante a escritor – ou leitor chegado a formas não-tradicionais de escrita – o livro é hipnotizante: caso desavisada, eu nunca diria que foi escrito por uma só mão. Há narração em primeira, terceira e segunda pessoas; capítulos escritos em estilo tradicional com pontuação e palavras bonitas, lentos, intensos, mornos, bons, ruins e até mesmo várias páginas em gráficos e apresentações do Power Point.

Eu nunca poderia zoar o suficiente com os críticos literários hiperbólicos; mas mais uma vez (o tanto de vezes que isso vem acontecendo recentemente está me deixando com medo, mesmo) lhes dou relutantemente razão.

Nota: 5/5



19 comentários:

  1. Isabel!!
    Acredita que não gostei muito desse livro? O que mais me incomodou foi a falta de enredo, adorei as várias formas de narrativa, os personagens que, mesmo que aparecessem em pouco tempo, eram marcantes, mas, ao chegar ao final, senti falta de um enredo, fiquei com a sensação de ter lido, lido, lido e não ter chegado a lugar nenhum, mas é só minha opinião.. xD
    Beijos!

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  2. Meu Deus, que loucura hein?
    Acho que é daquele tipo de livro que tu tens de ler de uma só vez, se parar demais se perde totalmente. Ou não?
    Mas é totalmente diferente do que eu já li, acho, fiquei super interessada, Isabel, me parece que o livro sai do clichê até na forma como é feito, e isso, de um jeito ou de outro, costuma me chamar a atenção. Bom, do título eu já gostei. :3

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  3. Sua resenha está incrível como sempre!
    Mas esse livro não faz muito bem meu estilo de leitura!
    Acho que ia ficar bem doida lendo A visita cruel do tempo hahahaha
    Então não faço questão de ler. Preconceito, né? Mas não consigo mesmo.

    Beijos.
    #Resenha falada.

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  4. Nossa, seu texto ficou ótimo! Li a sinopse e uma ou outra resena sobre esse livro mas o interesse nem apareceu; agora, acho que fui convencida a pelo menos dar uma chance a esta obra. Parece ser realmente incrível.

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  5. Oi Isa
    amei a resenha
    eu morro de medo de ler esse livro rs
    Por justamente fugir dos padrões. Já li resenhas ótimas e a sua só veio reforçar isso. Meu medo era justamente com o tanto de personagens na história,mas vou decidir arriscar rs
    bjos

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  6. OMG, não acredito que escrevi um coment enorme e não foi :(
    enfim, o que eu disse mais ou menos no 1°, é que eu tinha medo de ler esse livro rs
    Não sou muito chegada em histórias sem enredo fixo e com muitos personagens, mas a sua resenha me fez mudar de opinião. Vou me arriscar.
    bjos

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  7. Linda, não li esse livro ainda, na verdade acho que não seria o tipo de livro que me agradaria (:
    Amei a resenha!

    Beijos,
    Marinah | Blog Marinah Gattuso

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  8. Oi, Isabel :) Eu já tinha visto muitas resenhas sobre esse livro, mas não tinha parado para ler nenhuma.

    Realmente, um livro sem enredo, que mistura várias formas de narração, diversas situação e muitos personagens não costumam me atrair muito pela confusão que isso acaba gerando para o meu entendimento.

    Mas, pelo o que li aqui, me parece que o principal personagem é o tempo, onde autora procura mostrar como ele passa de diferentes maneiras na vida das pessoas. O que é MUITO interessante e até despertou minha vontade de ler. :D

    Bjs ;)

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  9. Oie...
    Já tinha visto esse livro mais não tinha lido nenhuma resenha dele
    Parabéns pela resenha!
    dica anotada!=]

    Tem caixa de pandora lá no blog, quer ler?
    http://falleninme.blogspot.com/ Desde já obrigada!

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  10. Mais um livro pra leituras futuras: pelo que vc escreveu é um livro de narativa diferenciada e isto já o torna interessante.
    Tenha uma ótima semana!!

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  11. Sabe que esse livro não me chama atenção
    Parece ser muito confuso

    Beijos
    @pocketlibro
    http://pocketlibro.blogspot.com

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  12. Bel, estava doida para ler esse livro, após sua resenha minha vontade aumentou e MUITO. Achei interessante em demasiado o que envolve a obra, e acredito que eu iria amar a leitura. Espero que role em breve... adorei!

    Um abraço!
    http://universoliterario.blogspot.com.br

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  13. Essa capa não me é estranha, mas nem sabia que livro é esse (faz sentido?) heheheh
    Ai, eu não gosto muito de livros cheeeios de personagens porque me sinto muito perdida e não gosto de ficar voltando as páginas hahaaahha :p
    Eu não sei o que esperar do livro e nem sei se eu pretendo lê-lo um dia, mas fiquei curiosa!

    Fiquei triste em saber da Sol =(

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  14. O livro é realmente bom, Gosh, sua resenha me despertou uma curiosidade me lê-lo, muito grande!

    Beijos
    Meu outro lado

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  15. A história desse livro parece ser muito boa! Talvez pelo fato de ser bem diferente. Já tinha visto essa capa antes, mas nunca tinha me chamado atenção. Agora, com sua resenha, fiquei com muita vontade de ler!

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  16. Hey Isa
    Primeira resenha que leio sobre o livro.
    E adorei sua opinião, pena que não assisti Pulp Fiction ainda haha
    Livros assim são ótimos para arriscar uma leitura diferente, exercita a mente :D

    beijos e tenha um ótimo final de terça
    Nana - Obsession Valley

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  17. Oi Isabel!
    Ok, você me fisgou com essa história de que o livro não tem enredo... Agora vou precisar ler! :)

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

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  18. Essa capa é tudooo! Cara, fiquei namorando, namorando, mas nem peguei! Dei mole? Dei, né? Eu tenho uma lista de livros pras férias e, olha, não tá dando! Ou falirei ou morrerei, porque tenho clássicos pra ler, os que eu gosto e esses, que você e outros amigos da FLUPP me recomendam com tanto entusiasmo. "Tôfú", pra caramba.

    Seu comentário lá no post "Porra, Bruce!" é bem o que eu passo. Ontem uma amiga veio pra cá, sentamos pra conversar sobre relacionamentos com uma garrafa de vinho e acabei contando pra ela que eu conheço um cara e ele é incrível. Ele fica comigo à noite, em tardes chuvosas e quando estou tentando conhecer outras pessoas, ele atrapalha. Não por ser ruim, mas, como você disse, NINGUÉM é ele. Ninguém supera as qualidades que esse relacionamento extraplanar (pra não dizer "imaginário", pois o real e o imaginário são beeem relativos) envolve. Isso é um problema, sério. Digno de terapia. Só se fizer mal, claro. No meu caso, como eu acabei de falar no post da Dasty-Sama, prefiro ficar sozinho, com essas extraplanaridades na mente do que em um relacionamento ruim, que não atende minhas expectativas, só por medo da solidão. Solidão que essa que sei lidar muito bem, beijo no ombro. Eu penso assim.

    Por coincidência, também me recomendaram "Cartas a Um Jovem Poeta" semana passada. Tá na lista, babeeee!

    Beijo enorme!

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  19. Eu tenho muita vontade de ler esse livro, exatamente por essa narrativa diferente, e o tempo como personagem principal. E depois da sua resenha fiquei com mais vontade ainda.

    Sobre On The Road, a resenha deve sair até o final da semana que vem.

    Beijos

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