01 fevereiro 2012

F11 - Trainspotting


Detesto ser ruim com títulos. Aqui, tenho a comodidade de colocar somente o nome do filme ou livro que resenhei, mas passo alguns perrengues com redações, textos e contos que escrevo.
Mas não é só por causa dos tais perrengues: é porque, como leitora compulsiva e cinéfila, sei do poder que um título bom tem. É como um imã: mesmo que o cartaz ou capa da obra esteja ridículo; mesmo que os atores do filme ou premissa do livro sejam ruins; mesmo com todos os poréns, um título bom de verdade me dá vontade de conferir aquilo – afinal, algo com um nome tão bom não pode ser tão ruim. Pulp Fiction, The statistical probability of love at first sight, Anna e o Beijo Francês, Desmundo e o nome original de The Edukators (traduzido direto do alemão: seus dias de fartura estão contados) são alguns dos muitos que posso citar, muitos dos títulos que me atraíram de forma irrevogável e me deixaram com um gostinho de quero mais.
Por isso que Trainspotting me seduziu. Segundo o guia da Época e a Wikipedia, o título do indicado para o Oscar de melhor roteiro original significa um hobby bastante peculiar: olhar trens passando por horas e horas, geralmente sob efeito de alguma droga.  Foi amor de título à primeira vista: eu simplesmente TINHA que ver esse tal filme. E bom, pelo menos dessa vez, a técnica de escolher filme pelo nome funcionou.

Ah, o tal do deixar para amanhã... “Essa é minha última dose, meu último cigarro, meu último chocolate. Vou ficar só uma horinha na internet, OK, duas, o trabalho pode esperar. Nunca mais bebo, nunca mais uso drogas, nunca mais. Só dessa vez, só essa, a última, prometo que vou parar!”
É essa protelação que cerca a vida de Mark Renton, protagonista de Trainspotting. Contudo, o vício dele não é algo socialmente aceito, que deixe poucos vestígios e seja fácil de se livrar: não, é a tão temida heroína, droga que até os mais porra-loucas e libertários preferiam deixar passar. Trainspotting tem um daqueles enredos que se foca nos personagens, em personagens extremamente ferrados, mas que não ligam para isso na maior parte do tempo. Tudo que acontece é graças a personalidade dos protagonistas, protagonistas que possuem defeitos imperdoáveis e qualidades por vezes invisíveis (ou, até mesmo no caso do amigo sociopata de Mark, aparentemente inexistentes). Por lógica básica (afinal, ninguém gosta de personagens pé no saco) tais filmes deveriam ser uma porcaria, mas não são: filmes assim soam palpáveis, soam humanos, algo que poderia acontecer com qualquer um de nós. Assim como na vida, os personagens erram, erram, erram, erram, e depois, só para desencargo de consciência, erram mais um pouquinho – e, às vezes, como Mark Renton, encontram a felicidade somente pela casualidade de um erro que se converte em um acerto egoísta.

No início o filme me deu a impressão de fazer apologia às drogas – Mark zoa com aqueles que escolheram “viver”, viver uma vida que na sua opinião é medíocre, com prazeres medíocres e preocupações (sobretudo as materiais) medíocres. Ele glorifica o prazer causado pela heroína, exaltando que é de uma grandeza que coisinhas pequenas tais quais razões para viver se tornam desnecessárias. Contudo, essa percepção de banalização de algo bastante sério muda quando o bebê de uma das viciadas morre – a cena da moça chorando que nem uma louca (e depois implorando a Renton que lhe prepare uma dose de heroína para aplacar a dor de ter matado a sua filha por negligência) não me saí da cabeça. As alucinações de Mark ao entrar em abstinência também são fortes: os fantasmas do passado e do presente o assombram, a culpa o assombra, a vontade de voltar ao vício que povou sua vida o assombra.
Filmes sobre drogas bem feitos geralmente deixam um gosto ruim na boca, uma coisa entalada na garganta, uma angústia de saber que alguém que você conhece pode estar passando por aquilo exatamente agora. Trainspotting não fez isso de maneira tão forte comigo como Requiem para um Sonho, mas não deixou de entrar na minha categoria de melhor tipo de propaganda anti-drogas já feito. Fala, ao mesmo tempo, os aspectos bom – a saber, o prazer que a droga causa – e os ruins – a fissura, a perda da dignidade (tendo que roubar, furtar ou se prostituir para conseguir o dinheiro para a tal droga), dos amigos e dos familiares. Algo assim – que trata o possível usuário (geralmente um jovem) como um ser pensante que consegue tomar suas próprias decisões, não um ser burro e alienado que deve ser orientado somente por comendos básicos - é bem melhor do que simplesmente nos dizer só diga não.
Nota: 5/5

9 comentários:

  1. Assisti a este filme quando era adolescente e ele me causou bastante repulsa na época: as cenas do bebê morto e da " viagem" na privada, carrego-as até hoje. Hoje, eu o considero bastante didático e é uma pena que eu não possa passar para meus alunos em sala de aula: seria uma lição e tanto!

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  2. Já vi vários filmes com o tema drogas mas este ainda não. gostei e achei bem interessante. Vou ver se assisto.
    Obrigada pela dica.
    Beijos.
    http://booksedesenhos.blogspot.com

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  3. Ah, título surte o mesmo efeito que capa de livro, pode te deixar com uma vontade imensa de o ler, assim como pode te deixar com vontade de tacá-lo no fogo. Esses filmes, curtas ou aé mesmo reportagens sobre drogas me deixam muito mal no final, às vezes prefiro até não assistir, não é que eu queria fechar os olhos pra realidade, sei que isso existe e não finjo o contrário, mas isso me toca mesmo, me deixa pra baixo mesmo, sinto como se estivesse noutro mundo, enfim. Acho que esse tema tem de ser bem trabalhado, se for escolhido, ótimos atores e um bom roteiro pra não deixar tudo muito sem noção ou superficial, e esse pela, tua resenha parece ser bom MESMO, acho que vale a pena dar uma conferida, beijo, Isabel!

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  4. Ouwwn, que lindo texto sobre o filme!
    Realmente, quando o filme realmente toca na gente, começamos a refletir sobre a vida, se algum amigo ou conhecido nosso está passando pela mesma situação...
    O jeito é fazer como você disse... não se entregar, e quando vir essas oportunidades - horríveis - dizer um NÃO bem grande.
    Valeu a dica diva ♥
    Sucesso SEMPRE, beeijão ;*

    Ewerton Lenildo - Academia de Leitura
    papeldeumlivro.blogspot.com
    @Papeldeumlivro

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  5. Boa tarde Isabel! Bom saber que ainda continua com o blog na ativa!
    Cheguei até aqui pelo comentário que você fez há algum tempo no meu blog.Dei um tempo nas postagens, mas voltei com gás, preciso manter contato com blogueiros e leitores.Sucesso!! http://digho.blogspot.com

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  6. Eu gosto de filmes que abordem a temática das "drogas" já assisti a muitos e como sempre tem aqueles filmes que nos dá um choque de realidade.
    Vou colocar na minha lista para assistir.
    bjos

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  7. não vi esse filme ainda .-.

    http://himi-tsu.blogspot.com/

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  8. Já assisti alguns filmes com essa temática
    Menos esse, todo mundo comenta mas nunca assisti

    É o Ewan né? Ta diferente lol

    beijos
    Nana - Obsession Valley

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  9. Tenho uma relação parecida com títulos, haha. Laranja Mecânica e O Iluminado foram os primeiros que me fascinaram a ponto de eu precisar assistir. A Solidão dos números primos também foi paixão a primeira vista (e o livro não deixou nada a desejar).
    Acho que todo mundo tem curiosidade por drogas. Se não fizesse tanto estrago eu adoraria curtir umas good trips de lsd, por exemplo, haha. Mas sei o mal que faz, por isso não me rendo. E o que me fez entender e me posicionar sobre isso foram justamente os livros e filmes sobre drogas (inclusive Trainspotting, o favorito). Como vc disse não basta só mandar as pessoas dizerem não às drogas, é necessário conhecer. E não conheço nada mais eficiente do que esse tipo de filme.

    Beijo!
    Sobre Café e Livros

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