08 fevereiro 2012

F12 - Persépolis

Tenho essa mania terrível de assistir filmes à prestação, pulando para a quinta cena antes mesmo de ter visto a primeira seguindo uma ordem pessoal e pouco padronizada que irrita a todos exceto por mim mesma. Porém, meu método pouco ortodoxo se mostra falho várias vezes, por exemplo agora: terminei finalmente de assistir Persépolis do jeito certo (ou seja, inteiramente, em uma só sentada e seguindo a ordem pré-estabelecida pelo diretor) e arrependo-me de não tê-lo feito antes.

Já vou logo avisando: minhas parcas palavras não podem fazer jus a este filme. Persépolis é a biografia da artista Marjane Sartrapi, narrando sua trajetória desde a sua infância: filha de pais “modernos” de classe média, é educada nas melhores escolas e ensinada desde pequena o valor da liberdade e da igualdade. Embora o radicalismo religioso influencie de certa maneira o seu modo de pensar quando criança, a sua forte herança familiar (além de seus pais, o resto de sua família era envolvida com movimentos comunistas e descendente da monarquia iraniana, deposta pelo Xá) molda sua personalidade, por demais rebelde para o Irã da época.
Nos primeiros minutos de filme, é enorme a felicidade dos pais de Marjane pela revolução: finalmente, depois de muito sangue derramado (como grandes mudanças infelizmente teimam em ser) e luta, o Xá é deposto. Contudo, o país acaba indo em rumos inesperados: ao invés de se tornar uma república democrática, o Irã é mergulhado no radicalismo religioso dos Aiatolás, apoiado pela maior parte da população que, por seu iletramento, não fazia a mínima ideia do valor de um estado laico e acreditava que forçar que todos sigam as leis de Deus (sem questionamentos ou liberdade) era o melhor caminho para a paz. Um tirano é, por mais uma vez na história iraniana, trocado por outro ainda pior, e a situação é agravada pelo início da guerra Irã-Iraque (este último se aproveitando da fraqueza pós-revolução do primeiro) e, levando um milhão de jovens à morte – muitos incentivados pelos agentes do regime, que usavam o paraíso eterno como moeda de barganha.

A vida de Marjane muda significativamente: o uso do véu se torna obrigatório; as constantes festas e reuniões que seus pais compareciam se tornaram escassas e secretas;  bens básicos, assim como seus entes queridos desapareceram e qualquer influência ocidental estava pronta para ser aniquilada pelos agentes do regime teocrático. Depois de receberem uma ligação da escola, onde Marjane questionou sua professora de religião – que, assim como todos que gostariam de sobreviver, mudara de “lado”, apoiando agora o governo vigente ao invés do Xá –  os pais da mesma a mandam para estudar na Áustria, decidindo que o Irã não é seguro o suficiente.
Lá, ela passa por uma grande crise de identidade: enquanto não consegue se adaptar ao modo de vida europeu (por tudo que passou e por saber tudo que seus concidadãos estavam passando), ela sabia que parte de seus laços com o Irã haviam sido cortados, e que o regresso àquele país onde as liberdades civis eram cerceadas cada vez mais seria difícil. A solidão de ter de crescer sozinha em um país estrangeiro – Marjane tinha apenas 14 anos quando foi mandada à Áustria – também a perseguia.

O aspecto mais interessante é, com certeza, aquele que eu já havia comentado em Doutor Jivago: Pérsepolis não é informação pura. Não é um livro de História ou um documentário: não há nenhuma tentativa falha de imparcialidade ao contar aos fatos. Na verdade, não há sequer uma tentativa de contar os fatos: o filme é a biografia de Marjane Sartrapi, e a revolução Islâmica é apenas o pano de fundo. Li os HQs que inspiraram o filme e, em comparativo, posso dizer que houveram acréscimos, omissões e reduções de vários acontecimentos, tornando-o ainda mais interessante. A arte é algo a parte: o desenho (na maior parte do tempo em preto-e-branco) é tão bonito que eu simplesmente não sabia que fotos usar para ilustrar este post.

Marjane é ótima, humana de uma forma palpável, que erra milhares de vezes, é cheia de dúvidas, corajosa e vai amadurecendo no curso do filme. Contudo, minha personagem preferida é sua avó: desbocada, dá lições de moral sem mostrar que o faz, baseando-se na trajetória de seu marido (morto pelo regime do Xá) e é uma quebra interessante ao clichê de mulher mulçumana submissa.
Entende-se porque alguns regimes ditatoriais, ao tomarem o poder, censuram não só os jornalistas, políticos e professores, mas também os artistas: não há melhor maneira do que a arte para comunicar, emocionar e mudar o mundo.
Nota: 5/5

8 comentários:

  1. AAAH, Isabel, muito obrigada!
    Sempre vi imagens desse filme por tudo quanto é canto, mas não sabia seu nome, muito menos do que se tratava (o que foi uma surpresa e tanto!), na verdade não sabia nem que era um filme, tsc tsc tsc.
    Achei super interessante o modo como você disse que é o filme, os desenhos sempre me interessaram e agora eu vou procurar por ele, com certeza! :3

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  2. Confesso que até então eu não tinha o menor conhecimento pela produção, mas admito ter ficado extremamente encantada só em olhar os screen caps. *o* Isso sem contar na temática e direcionamento que, pelo que você conta, parecem demasiadamente interessantes e instigantes para aqueles que se sentem atraídos. Achei bem bacana, e vou procurar assisti-lo.
    Ótimo post!

    Um abraço!
    http://universoliterario.blogspot.com/

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  3. Oiii
    Já tinha lido sobre esse filme, mas nunca me interessei
    Agora tenho vontade de ver pelas imagens haha
    Vishe olha só tenho essa mania de 'pular' quanto o filme ta chato, ou para testar se ta bom haha

    beijos
    Nana - Obsession Valley

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  4. Nossa, suas resenhas são tão profundas, que juro, eu me sinto no filme já e fico louca para assistir quando termino de ler.
    Minha irmã tem a mesma mania: assistir o meio do filme, depois voltar pro início, confesso que eu odeio saber o que vai acontecer...rsrs
    E não é só com filme, ela fica pulando as cenas de séries, me dá um nervoso...rs
    Mas cada um com a sua mania né...rs
    amei as fotos.
    bjos

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  5. Sério que você tem essa mania? Nossa eu não aguentaria isso, ficar sabendo o que vai acontecer e depois voltar para o inicio...só de pensar já fico frustada rs.
    Gostei e vou ver se o assisto.
    Beijos.
    htttp://booksedesenhos.blogspot.com

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  6. Nunca tive vontade de ver Persepolis, mas este post lindo está me fazendo mudar de ideia.
    Isabel, você escreve muito bem.

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  7. Eu achava que só tinha a graphic novel, nem sabia que tinha filme!
    OMG!
    Já morria de vontade de ler, agora quero muito assistir tb!!!
    Sua resenha ficou ótima, sério!! Sempre gostei da história do Oriente Médio, no sentido de achar interessante e querer aprender mais...
    Ótima dica! :D
    Beijos!

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  8. Oi! :)
    Eu já estou querendo ver esse filme há algum tempo, mas após ler sua resenha minha vontade aumentou muito!
    Eu também tenho um modo particular de ver filmes, o que muitas vezes irrita as pessoas. Você não está só HAHA

    Bjs

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