Sofro de um mal que esperocreio que seja coletivo: uma vontade implacável de colocar todos aqueles queridos e amados em uma redoma de vidro inquebrável, para que nada os atinja ou os machuque, para que nunca percam a fé na humanidade ou sintam vontade de morrer.
É claro que isso tem lá suas desvantagens: como disse o filósofo, é impossível conhecer o prazer sem conhecer a dor. Não sei se abriria mão de um pela ausência do outro, portanto não sei se desejaria isso para alguém que gosto; mas como a possibilidade de arranjar uma redoma de vidro a prova de decepções e perigos é mínima, não gasto muito tempo nessa reflexão.
Mas esse deve ser o desejo mais profundo daqueles cujos entes queridos sofreram aqueles tipos de violência indizível que preferimos ignorar a existência. Deve ter sido esse o desejo de Will e Lynn, pais de Annie, protagonista do filme Confiar.
Annie tem catorze anos, mora em Chicago e acabou de entrar no ensino médio e, para atravessar essa fase difícil de sua adolescência (se filmes americanos são certos, é o pior tempo pelo qual um adolescente de classe média daquelas terras pode passar) conta com a ajuda de Charlie, seu amigo virtual da Califórnia. Charlie é engraçado, atencioso e atraente, ajudando Annie em tudo que a garota precisa e falando tudo que ela deseja ouvir. Bom, quase tudo: foi um choque para a garota descobrir que Charlie não era um estudante do segundo ano, e sim um calouro na universidade. Depois, ele se revelou na verdade um jovem adulto na pós graduação, e, finalmente, no seu primeiro encontro cara-a-cara, a verdade: um pedófilo no início dos quarenta.
Charlie a abusa, e, graças a Britney, uma amiga atenta, o episódio é relatado à polícia. Em uma versão particular da síndrome de Estocolmo, Annie passa a odiar Britney e seus pais: os limites entre sexo consensual e estupro não são muito claros para a garota, que acredita ser o seu caso o primeiro e que, vejam só, ela e Charlie estariam apaixonados, amor impossível impedido pelos pais e pelos investigadores do FBI. Annie não gritou, não chorou ou esmurrou Charlie ao ser abusada –àquela altura ela já estava presa na teia habilidosa do pedófilo, que se aproveitava de qualquer brechinha no seu flutuante emocional adolescente para conquistá-la e persuadi-la.
Crimes sexuais, de forma geral, despertam o que há de mais animal em qualquer um de nós. O pai de Annie é um exemplo claro disso: obcecado em pegar o algoz da filha, ele viaja até Nova Jersey em um dia de trabalho para se reunir com um grupo de caçadores de pedófilos. Suas vinte e quatro horas diárias são preenchidas com pensamentos sobre o caso, atitude que o distancia cada vez mais de Annie em um momento cuja sua presença é essencial. O fato é que esse é o tipo de coisa com o qual não sabemos lidar, para qual não estamos preparados, que, enfim, não esperamos que aconteça.
O senso comum diz que estupro só é estupro se ocorrer na calada da noite, em um beco escuro e feito por um desconhecido qualquer. Confiar quebra isso, não recorrendo nem aos clichês mais leves: Annie, por exemplo, não tem nenhum tipo de carência material (os pais são bem sucedidos em seus empregos) ou emocional (a família a apóia e dá a ela o máximo de atenção possível). Charlie só estava no chat certo na hora certa, com as habilidades certas e palavras bem-escolhidas.
Pensou no que você espera de um filme sobre pedofilia? Jogue esses conceitos fora. Confiar não é nada disso. É o retrato tocante e real de uma pergunta sem resposta, que psicólogos, policiais, advogados, linchamentos públicos e pena de morte já falharam em responder: como não ter mais Annies sem trancá-las em redomas de vidro?
OBS.: Em geral odeio trailers do fundo do meu coração, mas esse está muito bom, passando uma impressão real do filme. Vale a pena assistir caso você tenha se interessado pelo filme.
Realmente é um filme que nos faz pensar sobre muitas coisas...e novamente você arrasou na crítica....
ResponderExcluirNão esperava ler uma resenha tão positiva. Eu parei de ver esse filme justamente quando a Annie encontra o "Charlie" (porque não sei se esse é mesmo o nome dele ?) pela primeira vez, e não sabia que o rumo que a história tomava era esse - justamente TUDO que eu não estava esperando.
ResponderExcluir(Não sei se digo que a resenha está ótima? Precisa?) Preciso terminar de assistir agora. O tema é incômodo, e imagino que a parte que não vi seja muito mais, mas sem dúvida faz refletir.
(Aquela parte de não saber se preciso dizer que a resenha está ótima ficou estranha, espero que você entenda do jeito certo, porque era um elogio - pra variar hahaha)
ResponderExcluirOi Isa
ResponderExcluirjá estava de olho nesse filme. Adoro o Clive, e o tema apesar de me incomodar muito, é a realidade de muitas garotas.
Assisti o trailer com meu marido e ele disse que não vai gostar de assistir, pois em breve seremos pais de uma menina, e sei pra ela como é difícil ver algo tão chocante sendo pai, e se imaginar no papel.
Sua resenha está maravilhosa, como sempre. Assim que eu assistir volto para falar o que achei.
bjo
Ainda não conhecia o filme, mas parece ser muito bom! Um tema forte, mas pelo visto o filme garante arrasar!
ResponderExcluirVou procurar para assistir.
Primeira vez por aqui e adorei seu blog. Já estou seguindo aqui. Se puder, passa lá no Sook depois e se gostar segue também.
BjO
http://the-sook.blogspot.com.br/
Já assisti ao filme e em se tratando de estupro, geralmente eu penso em pessoas próximas às vítimas ou que já tinham um certo contato.
ResponderExcluirInfelizmente devo dizer que fiquei um pouco decepcionada com a Annie, tudo bem que ela é jovem, mas depois do menino ter virado calouro, depois um quase formado na faculdade e pra terminar ser um "velho" no dia do encontro e ainda assim ela sair do shopping acompanhada por ele... é muita inocência para uma só pessoa, não? Tudo bem que eu nunca passei por isso, mas não acho que eu teria saído com alguém completamente diferente do que tinha falado que era.
O que me deixa pior é imaginar que isso pode acontecer com alguém que eu goste, como você mesma definiu no começo do post, aquela vontade de colocar numa redoma de vidro aquelas pessoas que gostamos e só queremos bem. Triste.
Realmente, ela é bastante ingênua. Mas não sei, acho que a ingenuidade dela se deveu ao quão habilidoso Charlie era, sabe? O cara era de fato um pedófilo "profissional"!
ExcluirBeijo!
Já tinha visto o trailer (num daqueles comerciais do Tele Cine, hahaha) e tinha achado bem interessante. Filmes como esse, que mostram a realidade cruel que a maioria prefere ignorar. Que ninguém pensa que vá acontecer com alguém que ama. Mas ela está lá, é a realidade. Esse tipo de filme sempre me chamou bastante à atenção... Não sei porquê... Sou estranha.
ResponderExcluirVou ver se alugo (ou baixo ilegalmente na internet :$ huashuashuas)
Adoro suas resenhas. Sobre o que for que você escreva sobre, sempre faz isso lindamente (: Parabéns.
Beijos,
Ana Alice N.
carnesecacomcheddar.blogspot.com
E da para não ter interesse com uma resenha dessas?? Eu já tinha visto várias vezes esse poster do filme, em outros blogs, até pensei que era filme de terror, nunca tinha parado para ler!
ResponderExcluirMe interessei bastante e acho que vou na locadora assim que sair aqui do trabalho, preciso assistir esse filme!!
xoxo
http://amigadaleitora.blogspot.com.br
Vi esse filme um dia desses e achei-o fascinante! Acho que é porque me identifiquei com a Annie, pois na mesma idade algo parecido aconteceu comigo, só que sempre fui temerosa em relação a morte, estupro e violência. Tinha consciência da idade do rapaz que correspondia-se comigo, e o achava tão maravilhoso e perfeito. Ele dizia que ia me esperar até que eu fizesse 18 para namorarmos, e por Deus, eu teria esperado se ele não tivesse sumido do nada. É estranho comentar isso, porque de certa forma, poderia ter sido eu uma Annie.
ResponderExcluirNossa, que horrível :// O pior é pensar que alguém próximo pode ter passado (na verdade, com certeza alguem passou - 3 em 4 mulheres adultas já sofreu algum tipo de violência sexual) por isso e sofrido calado...
ExcluirNão conhecia esse filme, deve ser uma história chocante. Sobre pedofilia. só assisti o filme Um Olhar do Paraíso, que apesar de ter o mesmo tema, a história tem enfoque bem diferente, mais espiritual. Sério que você não gosta de trailers? Eu adoro! Gosto mais do que filmes. Sempre acho trailers emocionantes e muitos deles perdem a magia quando assisto o filme e percebo que não era tudo aquilo ): Não sei se você não gosta por causa dessa "enganação".
ResponderExcluirExato! Já cansei de assistir filmes terríveis que tinham trailers fantásticos ou vice-versa. Na maior parte dos casos, não tem nem tanto a ver com qualidade, e sim com o conteúdo mesmo: simplesmente não consigo ver sobre o que o filme é através dos trailers. Por isso detesto HDUASHDAS
ExcluirVi que iria passar esse filme no Telecine, mas o canal não pega aqui em casa --' Me interessei e muito por ele, no fundo pensei que ele seria como os esterótipos de filmes sobre pedofilia que tenho em mente, mas seu post me tirou essa ideia de cabeça, ou seja, quero assistir e muito esse filme!
ResponderExcluirBeijos
Meu outro lado
Uoouu, eu já tinha visto o pôster desse filme em vários locais, mas nunca tinha dado a devida atenção. Agora me arrependo, porque o que antes eu achei ser mais um filmezinho normal, graças a sua resenha, agora me parece um ótimo filme! De verdade! Sem contar que você começa o post já com palavras tocantes, não é mesmo? Soube como prender a atenção e se o filme for tão bom quanto foi sua resenha tenho certeza que não vou me decepcionar.
ResponderExcluirÓtimo post.
Dá uma passadinha lá no blog?
Beijos.
Caroline.
http://comaliterario.blogspot.com.br/
Ótima crítica, Bel! Nunca vi o filme, e embora ainda não tenha um extremo interesse pela produção, fiquei curiosa. Quem sabe eu não veja em breve?
ResponderExcluirUm abraço!
http://universoliterario.blogspot.com.br
Uma temática bastante complicada, eu diria.
ResponderExcluirNem todos os filmes, conseguem ser tão tocantes e trazer a realidade tão a tona. Ainda não assisti e nem conhecia, mas já anotei a dica aqui, para quando tiver tempo assistir.
Resenha muito bem elaborada, como de costume! =D
Woww... só pelo trailer já dá para ter uma boa ideia de como será o filme!
ResponderExcluirFiquei com MUITA vontade de assistir, mas preciso me preparar psicologicamente... já li um livro, Stolen, com essa temática... foi BEM forte, mas acho que ver, nesse caso, é bem mais impactante do que ler. Gostei muito da sua crítica!
Eu assisti esse filme assim que estreou no Telecine depois de muita expectativa. Que filme MARAVILHOSO. É incrível como ele retrata a obsessão do pai e o sofrimento da filha. Adorei mesmo!
ResponderExcluirUm beijo,
Luara - Estante Vertical
Fiquei morrendo de vontade de assistir, geralmente prefiro comedias, mas é sempre bom mudar um pouco né. Assim que eu tiver uma oportunidade irei assistir *-*
ResponderExcluirBeijos Bruna.
Sweet Shyness
O filme me chamou muito atenção, visto que estou passando por uma fase de nostalgia pós-Lolita, que li o ano passado e sempre prometo a mim mesma reler quando estiver menos ocupada (e sem uma pilha de livros e filmes para por em dia). Além do mais, posso estar equivocada, mas Annie me lembrou muito Dolores, visto que ambas não conseguem distinguir um relacionamento amoroso de pedofilia. Sobre seu comentário no último texto que deixei no blog, já escrevi dois esboços pra romance mas sempre chego em um ponto da história que não consigo continuar. Parece que enjoo do que escrevo e começo algo novo... Hiperatividade, ou um dos prejuízos dos nascidos na geração Z? Beijos, bom fim de semana! ;*
ResponderExcluirQuase com certeza prejuízos dos nascidos na geração Z HDUASHDASU Tenho isso também. Esse blog é um dos meus projetos que mais durou: já tem uns nove meses e ainda estou firme haha Mas na hora de escrever romances, infelizmente desisto antes... :///
ExcluirHey
ResponderExcluirQuero muito assistir esse filme
Pessoal comenta bastante da história e que a Liana arrebenta na atuação
HAHA achei estranho você não comentar a direção do filme.. pq é a primeira coisa que o povo enche a boca pra falar... anyway
Review perfeita!
Nana - Obsession Valley