Eu estava lendo Cosmópolis
quando Jane Austen me chamou.
Não que Cosmópolis
fosse um livro ruim – muito pelo contrário pelo que pude ver – mas relancear a
adaptação cinematográfica de Orgulho e
preconceito na televisão causou-me aquela febre por um determinado assunto
que acomete leitores e cinéfilos de vez em quando, tão inexplicável, repentina
e essencial de se saciar como um desejo de grávida. Resultado: a leitura (por
muito procrastinada) de Razão e sensibilidade
e assistir uma temporada inteira de Downton
Abbey (uma das melhores séries de época que já vi – Fernanda falou dela aqui melhor do que eu poderia) em dois dias.
Como Machado de Assis fez no Brasil, Jane Austen retratou os
defeitos humanos sem dó – talvez de forma um pouco mais sutil do que o maior
escritor da literatura brasileira (como convinha a uma moça de família
aristocrática daquela época) mas ainda assim fabulosa.
É a sutileza da ironia em Jane Austen que faz com que eu
deteste as adaptações de seus livros para as telas: exceto pelas mini-séries da
BBC, em geral se dá um certo tom de comédia romântica, de besteirol, de
filme com Hugh Grant enfim, uma quase heresia que me fez revirar os olhos
para todas que assisti.
Sim, a primeira vista é o que se espera de um livro onde
todos casam e ficam felizes no final – em termos de enredo, Razão e sensibilidade ou qualquer outro
livro dela dificilmente atraem leitores mais exigentes. É necessária, portanto,
uma leitura nas entrelinhas, por isso me desculpem caso minha sinopse não seja
tão clara como o usual.
Para as moças da família Dashwood, o casamento é a única
maneira de se ter uma vida confortável: a leitura do testamento de seu finado
tio e as posses de seu igualmente morto pai não lhes deram muitas opções. Este
último confiava piamente que seu filho mais velho (produto de seu primeiro
casamento com uma mulher rica) ajudaria materialmente sua viúva e suas filhas –
auxílio este que não veio graças a natureza egoísta do novo Sr.Dashwood e de
sua esposa.
Por sorte, uma moradia adequada a renda dessas quatro
mulheres surge, fazendo com que a Sra.Dashwood e suas filhas Elinor, Marianne e
Margaret se mudem para a distante Barton Cottage. Os prazeres no novo lar se
revelam maiores do que o esperado graças a seu vizinho, Sir John – o típico gentleman da época, desocupado e dado a
vida em sociedade – e sua mulher, Lady Middleton – fria, mas extremamente
educada.
Sir John é a ilustração de um tipo recorrente em obras que
refletem a época – um tipo que desafia bastante a minha compreensão. Detesto a
escola mais que Ferris Bueller, mas a ideia de passar meus dias sem uma
ocupação definida, embora atraente a primeira vista, me assusta ao ser
refletida mais profundamente. Ocupações que não a sociedade, a leitura, as
caminhadas e a música eram vistas com maus olhos – impossível esquecer o
ultraje da Condessa de Downton Abbey ao
constatar que o futuro herdeiro da enorme propriedade de Downton queria
trabalhar – a reação me faz pensar se advogar cinco vezes por semana em uma
cidade próxima é um crime de lesa majestade.
Durante algum tempo a sorte parece estar do lado das moças
da família Dashwood – mas como nem tudo é perfeito, os assuntos do coração
começam a atormentá-las. Elinor, a filha mais velha, é em alguns pontos
irritante por ser extremamente contida e racional (a “razão” a qual o título do
livro se refere) mas essa característica revela-se valiosa dadas as circunstâncias:
Edward Ferrars (cunhado do irmão das garotas) avivou um pouco seu coraçãozinho
frio. Essa afeição é, na verdade, extremamente inconveniente, dado o fato de que
a mãe (e provedora) do cavalheiro não sonhava exatamente em ter uma moça sem
título de nobreza e com um dote que malmente chegava a mil libras como nora.
Já Marianne sofre com sua extrema sensibilidade: ao
encontrar John Willoughby (um rapaz de posses com preferências idênticas as
suas) ela deixa-se arrebatar, certa de um futuro conjunto. Dificuldades de
percurso obviamente aparecem – algo difícil de se lidar para alguém que vê
qualquer discordância ou diferença de temperamento como o apocalipse, a sina
fatal da separação e da infelicidade.
Outros tipos (e algumas caricaturas) aparecem, mas não quero
estragar a surpresa. O ser humano é, de fato, a melhor matéria prima possível
para a arte, e Jane Austen soube esculpi-la como Michelangelo esculpiu Davi. Me
dá uma dor no coração de saber que Razão e
sensibilidade é o penúltimo livro para mim inédito dessa grande escritora
inglesa – gostaria que dela existisse uma fonte infinita.
Quero MUITO ler Jane Austen, mas sempre procrastino D:
ResponderExcluirAcredita que nunca li nenhum dos livros dela, mas tenho vontade de ler, este, Persuasão e Orgulho e Preconceito, depois partir para outros títulos, se bem que nem sei quantos são no total. Muita gente não tem paciência, acho qeu pela linguagem mais formal. Pelo que vejo, os livros estão sempre bem ligados a família e muito relacionado a casamentos, talvez esteja errada, mas é isso que me parece de fora. As personagens das irmãs parecem interessantes, cada um a sua maneira e singularidade. Eu espero realmente poder ler os livros..
ResponderExcluirBeijos :D
É sempre ligado ao casamento sim - mas como são personagens femininas (basicamente) como protagonistas e o casamento era basicamente *a vida* das mulheres da época, é de se esperar...
ExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirOi Isabel!
ResponderExcluirEu não li o livro, vi o filme, mas faz tanto tempo que não me lembro de nada dele. Gostei da resenha, fiquei com vontade de ler.
Falando em filme, acho que tem um filme do Cosmópolis agora, não? (também não li esse livro)
Saudades de passar aqui no blog! Desculpe pelo sumiço, eu estava de férias, mas aos poucos estou voltando à blogosfera ^_^
Beijos,
Sora - Meu Jardim de Livros
O filme não tem muito a ver! Tipo, colocaram Hugh Grant como Edward Ferrars... Eu sinceramente acho que um diretor deve saber quando um ator é bonito demais para um certo papel DHUASDHASU
ExcluirTem o filme de Cosmópolis sim, estou ansiossima para assisti-lo - mas acho que infelizmente não vai passar no cinema daqui.
Nunca li nenhum livro de Jane Austen, mas vontade não me falta. Orgulho e Preconceito está há tempos na minha lista, mas nunca pego pra ler. Razão e Sensibilidade acabou de entrar para minha lista também ;)
ResponderExcluirOi, Isabel!
ResponderExcluirAcredita que a cada vez que eu vou pegar este livro aparece alguma outra coisa e eu acabo enrolando? Acho que depois dessa tua resenha vou pensar seriamente em deixar tudo de lado e começar a ler Razão e Sensibilidade (estou evitando ler a tua resenha de Anjo Mecânico antes de ler o livro, com medo de ficar insegura em algum ponto do livro devido a algo que você tenha dito - e isso não é [diretamente] culpa sua, só das tuas palavras, rsrsr).
Acho que não deve olhar com maus olhos para u livro que tira A+, então vou mesmo lê-lo, e rápido!
Gislaine,
atualizado, comenta?
Jeito Inédito
Oi Isabel!
ResponderExcluirEntendo bem essa vontade louca que a gente tem de pegar outro livro assim. Às vezes a gente tem que atender esse chamado, não tem jeito!
É uma pena que não tenhamos uma fonte inesgotável da Jane Austen, uma pena mesmo. Mas como essa fonte é escassa, a gente faz o máximo pra essas experiências inéditas durarem o máximo possível, lendo um pouquinho só por dia, só pra não passar muito rápido. :P
Minha experiência com Sense and Sensibility será inédita, pois ainda não o li. Mas já está entre os que eu quero muito ler.
Um beijo,
Luara - Estante Vertical
Olá, passando só pra avisar da mudança do blog
ResponderExcluirAgora se chama Lisztomania, e o endereço é esse: www.lisz-tomania.blogspot.com
As postagens e seguidores continuam os mesmos
e continuarei postando em breve
Desculpa o incômodo. Beijos!!!
Eu li Orgulho e Preconceito e não gostei. Não faço ideia do porque, já que sou apaixonada por histórias vitorianas. Tenho certeza que preciso reler o livro e ver se gosto ou o que me incomodou. De qualquer forma, ainda tenho vontade de ler os outros livros da Jane Austen. E esse está na minha lista. Gostei muito da sinopse e espero que me cative mais do que o outro!
ResponderExcluirEu estou para receber três livros da Jane, até hoje eu só li Orgulho e Preconceito, mais tenho um carinho muito especial pela autora.
ResponderExcluirBeijokas
O único livro que li de Jane Austen foi Orgulho & Preconceito. Ele abalou um pouco minhas estruturas, mas não causou aquele frenesi que frequentemente vejo nas pessoas que dele falam. Você descreveu perfeitamente o que mais me chamou atenção na literatura de Austen: a descrição dos tipos sociais, o aprofundamento nas diversas essências humanas. Achei isso tão interessante, o fato de que as vezes ela deixa o exterior em segundo plano para focar-se nos sentimentos e pensamentos de seus personagens. Razão e Sensibilidade é um livro que COM CERTEZA deve ir para minha lista de acumulações literárias pendentes... Beijos ;*
ResponderExcluirTambém não acho que Jane Austen seja life-changing experience como alguns pôem ^_^ Mas não deixa de ser uma boa leitura por isso!
Excluir