Amanhecer, parte II

Dez entre dez manuais de escrita rezam que para que um livro exerça aquele fascínio mágico e conquiste o leitor as páginas iniciais devem ser bem escritas e cativantes. Como leitora, já tive a oportunidade de provar isso: não confio em sinopses, então muitas vezes o primeiro capítulo folheado em uma livraria acaba sendo o juiz se comprarei ou não.

Com filme, a lógica também funciona – algumas cenas iniciais são simplesmente apaixonantes. A de Obrigado por fumar, por exemplo, é adorável, estruturada toda em forma de uma propaganda de cigarro dos anos 50, os créditos em caixas de cigarro. O monólogo de Mark Renton, em Trainspotting, se tornou uma das minhas quotes favoritas do cinema, sem falar das imagens mezzo assustadoras, mezzo poéticas que iniciam Melancolia.

E, estranhamente, a cena inicial de Amanhecer parte II também entrou para este seleto grupo. É,é.

Dentre os poderes vampíricos da Bella está o de acordar de um sono de três dias maquiada.

Minha irmã já havia comentado comigo que Stephanie Meyer deveria arrumar um buraco e se enfiar lá por tanta vergonha – com o material de vampirinhos escrito pela americana, a roteirista fez um filme até que bem legal. E ela tinha razão.

Gosto bastante da tendência atual de dividir o fechamento de uma série em duas partes – foi assim com Harry Potter e assim será com A esperança (livro três da trilogia Jogos Vorazes).  É algo bastante inteligente, já que todo final de série tem, de fato, duas partes: a preparação, onde todos os problemas se agravam e o final de fato, onde tudo fica lindo (ou não) e são amarradas as pontas soltas.

Sinceramente lembro muito pouco da primeira parte de Amanhecer – a maior parte das minhas lembranças são oriundas da leitura do livro, do qual, confesso, já fui fã. Bella agora é uma vampira recém criada forte e sedenta, feliz com sua família quase perfeita – além dos Cullen e do amorzinho-para-toda-a-eternidade Edward, há agora Reneesme, uma menininha meio humana meio vampira que, por seu sangue (ops) sobrenatural, começa o filme como uma recém nascida (assustadora, aliás: os efeitos de computação gráfica no seu rostinho foram péssimos) e termina com uns sete anos.

Quando não está sendo feita por computação gráfica, Reneesme é na verdade bem fofa

Mas como eu não falaria bem de um filme só de pôneis e caramelos, o problema não tarda a aparecer. Em uma visita social, Irina, vampira de um clã amigo, vê Reneesme, que lhe passa uma impressão errada – e perigosa. Foi aí que confirmei minha suspeita (levantada pelos comentários da minha irmã e pela tal cena inicial, uma mistura linda de closes da natureza branqueada pela neve) de que esse filme teria um tom diferente do resto da saga: não pouparam violência ao mostrar o ocorrido a mãe de Irina, uma vampira que criou uma criança imortal.

Se já é difícil para um vampiro adulto controlar a sua “sede” e não revelar o seu segredo aos humanos por morte em massa, para alguém mais novo é pior ainda – aldeias inteiras foram dizimadas pelas crianças imortais, que param de envelhecer quando são transformadas. Ao ver a habilidosa Renesme, Irina acredita ser ela um desses monstrinhos destruidores, indo direto aos Volturi – a família de vampiros mais poderosa existente, que tenta garantir que os humanos não descobrirão a sua existência.

Ao inserir um pouco mais de violência e retirar o mimimi, a roteirista realmente operou uma pequena mágica em Amanhecer parte II. Além disso, ela não cometeu o grande erro daqueles que adaptam sagas consagradas pelo público (Jogos Vorazes, por exemplo), e não me pareceu assumir que o espectador era necessariamente um fã, dando (quase) todas as explicações necessárias para os não iniciados que ocasionalmente entrassem no cinema.

Graças aos céus, esse filme só teve uma (!!) cena de vampiro brilhando. Yey!

A falta de foco em Bella/Edward foi essencial para essa melhora de qualidade – salvar Reneesme era o argumento central, e o casalzinho eram apenas mais dois vampiros contribuindo para isso. Só me irritei de fato com a personalidade ervilha de Bella uma vez (ela parecia não compreender o egoísmo – ou ao menos não se sentir culpado com isso –  contido em dizer ao seu pai que ele perdeu sua única filha, quando, na verdade, ela estava meio que mais viva do que nunca) e, impressionantemente, Edward perseguidor/super protetor desapareceu completamente. Os amigos dos Cullen, vampiros de todas as partes do mundo, são muito interessantes - do tipo que dá vontade de escrever fan fic com. No seu final, a saga Crepúsculo ganha de volta um pouquinho do meu respeito.