Toda vez que baixo um arquivo, chego a conclusão de que
combater a pirataria é inviável.
Nomes falsos, torrents divididos em milhares de pedacinhos,
servidores aéreos – são incontáveis os estratagemas para que possamos assistir
filmes e seriados de graça. Embora milhões ainda sejam gastos com o combate, a
indústria já percebeu: é necessária outra maneira de ganhar dinheiro que não na
venda de ingressos, CDs e DVDs.
Em Cinema Pirata essa
alternativa não foi levada a sério: o lobby da indústria de entretenimento
levou a aprovação de uma lei quase global com punições severas para downloads
ilegais. No caso da Inglaterra, a terceira infração é punida com a expulsão de
todo o domicílio da internet.
Considerando que somente 7% da população brasileira tem
acesso regular à internet, pode até parecer dramático chamar isto de severo.
Mas para Trent isso tem conseqüências catastróficas: seu pai (um operador de
telemarketing que trabalha em casa, o único tipo de emprego abundante na cidadezinha
onde moram) perde sua renda, sua irmã tem dificuldades para estudar para os
exames e sua mãe (aposentada por invalidez) não consegue mais solicitar a sua
pensão nem marcar consultas médicas necessárias.
E tudo isso graças a sua obsessão por Seth Watson, uma
estrela de cinema há muito morta.
Pois é, Trent tem um hobby bem legal: remixar vídeos,
criando obras completamente únicas a partir de trechos já existentes. Confesso
que fiquei com uma pontinha de inveja dele e de seus amigos – sou uma menina de
poucas obsessões. Enjôo rápido de séries muito longas, não escrutino cada
palavra de um livro ou cena de um filme, enfim, prezo o geral em prol do
específico. Enquanto todos os outros aspectos da personalidade de Trent são
meramente mornos (alguns até mesmo ruins) toda vez que ele exalava sua paixão
pelos filmes de Seth Watson eu não conseguia conter um sorriso.
Morrendo de vergonha pelo que fez para a sua família, ele
foge para Londres. Depois de uma primeira noite difícil, ele encontra Jem, um
profundo conhecedor dos truques e macetes da cidade grande – o rapaz sabe a
melhor maneira de pedir esmolas, onde conseguir boa comida de graça e até mesmo
ocupar um prédio dentro dos conformes da lei.
Aí reside minha principal crítica quanto ao livro: em termos
materiais, tudo é fácil demais para Trent. Ele consegue comida chique de graça
nos lixos de delicatessens, morar de graça em um pub e até mesmo roupas legais
em lojas de caridade, compradas com dinheiro de esmolas. Isso pode até ser
possível – vai saber – mas para o leitor médio, com certeza soa irreal.
Outros personagens vão surgindo na forma de novos amigos
para Trent, e são do meu tipo preferido – eles não estão lá simplesmente de
enfeite, possuindo também dramas próprios. Há Chester e Cão Raivoso, também
“diretores de filmes remixados” – respectivamente de discursos e terror – além
de 26, menina que além de ter um nome peculiar adora política e apresenta a
Trent maneiras de lutar contra a lei anti-pirataria.
Ah, sim: até mais ou menos a metade do livro, achei a
sinopse um pouco dramática ao chamá-la de distopia. Sim, ser expulso da
internet é desastroso, mas não é um cenário tão desolador. Aí somos
apresentados a uma nova lei de direitos autorais, aprovada com muito lobby e
que mandará qualquer um com registros de downloads piratas no HD para a
cadeira. Na sua maioria, adolescentes, alguns recém saídos da infância.
Cinema pirata se
destaca entre as distopias por mostrar um mundo que, com exceção das leis de
copyright, é igual ao nosso. Mas de qualquer maneira, a impressão é que fica é
que faltou verossimilhança – uma dose cavalar, na verdade: embora as
dificuldades em lutar contra a lei sejam inúmeras, o novo dia a dia de Trent,
como já foi comentado, não as apresentam. Personagem bom é personagem que
sofre, não que consegue ter uma vida linda e perfeita na cidade grande. As
descrições dos filmes remixados por Trent e seus amigos são vivas, e não
poderia amar mais a linguagem – algo bem cru, no estilo do diário de um
desbocado.
Uma boa revisão teria eliminado tais errinhos e tornado o
personagem mais real, mas o que fazer? Não deixa de ser uma boa leitura – e uma
perspectiva assustadora.
Também admito que faço o download de filmes e músicas ilegalmente, mas a maioria eu compro mesmo. Mas não dá para abrir a carteira para tudo, né?
ResponderExcluirEsse Trent parece ser legal! O tipo de personagem que cativa...
Beijos,
Vinícius - Livros & Rabiscos
Oie Isabel!
ResponderExcluirEssa questão de pirataria é bem complicada mesmo ... nunca fui de fazer download de filmes e séries até por que não tenho paciencia de assistir nada no PC, mas músicas não tem como fugir, principalmente quando se gosta de bandas que só importando o CD para se ter acesso =/
O livro parece ser bem interessante e atual. Parabéns pela resenha!
beijos e uma ótima semana para você!
anereis.
mydearlibrary | bookreviews • music • culture
@mydearlibrary
Exato! A internet te dá um acesso a algumas coisas que são meio que insubstituíveis depois que se acostuma. Sempre assisto os vídeos das bandas que disponibilizam seu material de graça no PirateBay, fico feliz quando vejo uma que ADMITE que não dá pra viver de venda de CDs hoje em dia...
ExcluirOi Isabel!
ResponderExcluirQue livro interessante! Super atual. Jurava pra ti que não conhecia.
É um enredo que com certeza me atrai, essas distopias com uma pitada MAIOR de realidade sempre parecem ser mais legais, acho que é porque a gente pode visualizar melhor as coisas.
Esses errinhos de revisão estão ficando tão comuns. :(
Um beijo,
Luara - Estante Vertical
rsrs. Juro que eu pensava que era filme, talvez pela capa. Adorei a premissa do livro, é um tema que vivemos com ele e nem paramos muitas das vezes para pensar no assunto.
ResponderExcluirOi Isabel, tudo bem flor?
ResponderExcluirBem, eu teria medo de viver em uma sociedade conforme descrito, apesar de que, nunca se sabe, estamos meio a que caminhando para tal fim. Mas fiquei curiosa, pois sou uma das que não compra nem CDS e nem DVDS(Acho absurdo o preço cobrado), apenas aqueles que eu queira muito ter. Mas quero ler esse livro, pois trás de uma forma estrema algo que é bem atual.
Abraços,
Amanda Almeida
Você é o que lê
Bel, eu tenho problemas com livros que tratam de temas muito próximos de um jeito maluco, fora da realidade. Isso me desanimou um pouco a querer ler este livro.
ResponderExcluirAgora, a questão dos downloads é inevitável. Caminhamos para a era onde um clique trará qualquer filme para as telas de nossas vidas (telefones, TV's, etc). As indústrias remam contra a maré porque pensam em dinheiro. Usam desculpas tolas, como todos os que não querem perder sua fonte de dinheiro usam, para qualquer situação.
A venda obrigatória está com os dias contados e todos sabemos disso.
Beijos
Pâmela Rodrigues
Blog: Liste & Realize
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ahauhuaha, sei sim isabel :D que bom que gostou do logo *-*
ResponderExcluirnossa, só pela capa, engana como um filme :D
adorei a sua resenha ^^ não conhecia esse livro, e me parece ser bem legal :D essa coisa de pirataria realmente complica né? :D
beijos :*
japona.mairanamba.com
Isabel, eu vi uma resenha deste livro em um blog, mas haviam lido ele em inglês, muito bom saber que foi lançado por aqui. eu acho que a guerra contra a pirataria online foi perdida ha muito tempo, não há como regular, então nada há a se fazer, para desespero da indústria. Tá aí mais uma preciosa sugestão de leitura. Vou procurar lê-lo, com certeza.
ResponderExcluirO livro parece ser meio surreal mesmo.
ResponderExcluirBom, acho que pode parecer surreal por compararmos com a nossa realidade, e se Trent fosse brasileiro? Acho que a história seria bem diferente hehe
Ah, meu Deus, eu estava tão entusiasmada com esse livro! Alisava ele minutos a fio nas livrarias, olhava o preço, cheirava as páginas, virava de um lado pro outro... Agora estou com medo de a decepção ser grande, haha. Mas acho que só pela ideia já vale começar a ler.
ResponderExcluirAdoro distopias e amei o nome do blog! Tive até um blog passageiro chamado Cacotopia, numa referência. Foram elas que me levaram a parar de ler livros superficiais quando eu tinha quinze anos, huahu.
Ah e Obrigada pelo comentário lá no blog *-* Não sei se vc soube, mas no site da Rocco o Trainspotting já está disponível de novo.
Sobre Café e Livros
Acabei de terminar a leitura do livro e qnt a critica apontada , levem em consideração que ele é um ficção cientifica, algo como 10 anos a frente ou menos, portanto falar em verossimilhança é um "chute" tanto do autor do livro qnd da autora desse texto partindo de algumas premissas, ou seja, se hj em dia já achamos muitas coisas que podem ser reaproveitada do lixo, imagina daqui alguns anos !? Enfim , estranho alguém criticar o tom dramático na sinopse em ser uma distopia no meio de livros como 50 tons de cinza ou Crepusculo , esses sim faltam com verossimilhança e está longe de ser um visão ideal de mundo !!!
ResponderExcluirOi Anônimo :)
ExcluirQuando falo de verossimilhança, não estou chutando, simplesmente estou pegando os próprios referenciais que o autor do livro me dá. É bem visível que mesmo que a mãe de Trent receba aposentadoria por invalidez e seu pai trabalhe em tempo integral as coisas não são fáceis financeiramente - não só para a família dele, mas também para os vizinhos etc. Como então Cory Doctorow quer me fazer acreditar que tudo foram flores para o protagonista na cidade grande? Que ele não passou fome um diazinho sequer?
Quanto a comparar com Crepúsculo e 50 tons, acho isso besteira: primeiro porque são obras de premissas bastante diferente, depois porque costumo nivelar por cima, não por baixo. Se for para "medir" a verossimilhança de Cinema Pirata, por exemplo, eu o faria comparando Trent com o Winston Smith de 1984, ou o Selvagem de Admirável Mundo Novo...
Abraço, volte sempre :)