20 maio 2012

Volver



Desde que foi para Madri, Raimunda evita ao máximo o povoado onde nasceu: os intensos e desconfortáveis ventos de Alcanfor de las Infantas lhe trazem memórias indesejadas.


Mas três anos depois da morte de seus pais, Raimunda se vê obrigada (juntamente com sua irmã Soledad e sua filha Paula) a se por na estrada rumo ao povoado a fim de realizar o pitoresco ritual de limpar a sepultura da família – feito pelas mulheres do lugar com uma alegria contida, tomando leves ares de evento social.

Depois que brilhou o epitáfio, as três foram visitar a fragilizada tia Paula (irmã da finada Irene, mãe de Raimunda e Soledad) e Agustina – uma velha amiga que lhes segreda entre baforadas de maconha correr em Alcanfor o boato de que tia Paula, depois de adoecer, vem sido amparada pelo fantasma de Irene.

Raimunda não dá muita importância ao fato: entre dois empregos, o serviço doméstico e Paco – seu marido desempregado que passa o dia inteiro em frente à TV – o tempo para crendices é limitado. A solitária Soledad, embora mais crente nesse tipo de coisa, também desvia-se para o seu salão de beleza clandestino, não retomando-o até sua próxima visita a Alcanfor.

Como Murphy previu, tudo desaba ao mesmo tempo: ao voltar de um dia de trabalho, Raimunda encontra Paula esperando-a na calçada de casa, desesperada. O motivo: ao tentar se defender de uma tentativa de estupro por parte de Paco – que ela acreditava ser seu pai, embora durante o assédio este afirmasse ao contrário – Paula acabou por matá-lo. Uma ligação de Sole algumas horas depois a informa de que sua tia também havia morrido – o que também acontecerá com Agustina (portadora de um câncer terminal) caso ela não consiga um bom tratamento.

Há algo de mágico em algumas cenas de Volver: como uma mulher limpando uma cozinha ensangüentada pode parecer algo encantador? Não sei, mas pequenas “banalidades” como essas inseridas durante todo o longa tocaram meu coração profundamente. Qualquer um dos aspectos de Volver – seja roteiro, fotografia ou elenco – poderia carregar o filme nas costas, mas eu elejo esses pequenos recortes de humanidade como meu preferido. É como se esses pedacinhos fossem preenchidos com sentimentos e reflexões individuais, tornando o filme algo tão próximo do espectador que uma visita de Raimunda e Soledad para um café não seria recebida com surpresa por mim.

Gosto de livros e filmes que se passem em mundos alternativos bem construídos (resultantes de uma dose cavalar de abstração e uma pitadinha de loucura de seus autores), mas filmes como Volver me fazem perguntar por quê. Por que gosto do distópico, do fantástico e do sobrenatural quando a humanidade por si só já é tão complexa e intensa? Qual a necessidade de criar mundos além se esse daqui foi precariamente explorado?

Acredito que haja uma pequena confusão nas sinopses de Volver (a minha inclusa): se tem a impressão de que é Raimunda que protagoniza o filme. Embora a corajosa mulher de fato apareça na maior parte das cenas, é um disparate: há uma personagem que toma as rédeas do enredo completamente – a morte. Sei que soa estranho dar tamanha importância a algo não-personificado mas de forma única, a última partida – e o folclore em torno da mesma – comanda o destino das personagens, estando presente do início ao fim. O tema central de Volver pode soar as vezes como mimimi de novelinha, mas graças a sua ilustre personagem, as voltas do filme são imprevisíveis – embora pareçam lógicas depois que ocorrem. Isso é de todas as qualidades do filme a mais genial: qual melhor protagonista para um filme recheado de humanidade do que a nossa única certeza?

Nota: 5/5


8 comentários:

  1. Eu amo Almodovar - já cheguei a matar trabalho para assistir uma estreia de filme dele- mas não gosto de Penélope Cruz, acho que super dimensionam a beleza dela. Mas este filme, como sempre, é muito acima dos demais de qualquer outro diretor!
    Obrigada pela visita ao blog e pelos elogios! Também acho que vc escreve sempre bem!

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  2. Bem interessante o filme, normalmente não gostaria dele depois de ler sua descrição sobre, mas ver muito sobrenatural pra mim ás vezes me deixa meio alienada e não me agrada, mesmo gostando de estórias assim, acho que esse filme tem tudo pra soar estranho e esquisito aos meus olhos, mas no final, eu posso gostar de vê-lo ;}

    Beijos
    Meu outro lado

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  3. Olá!

    Já ouvi falar na produção, principalmente pela atriz, mas nunca tive o interesse em parar para assistir. Não sou muito voltada para essa temática, na verdade. Sua concepção, no entanto, me despertou curiosidade. Quem sabe eu não acabe vendo, então?

    Um abraço!
    http://universoliterario.blogspot.com.br/

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  4. Oii (:
    Estou louca pra ver esse filme, mas meu pai vive falando pra eu não assistir, que não é o meu tipo de filme.
    Mas a curiosidade MATA HAHAHA

    Beijos,
    Marinah | Blog Marinah Gattuso

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  5. estou louco para assistir esse filme. já ouvi flar muito bem dele, quero assistir ele kkkk

    amei teu blog, super legal. já estou seguindo.. da uma passadinha no meu
    >> http://estilo4u.blogspot.com.br/
    bjuss

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  6. O Almodóvar é simplesmente FODA. Praticamente todos os filmes dele são absolutamente geniais, e volver não é excessão. Adorei o post rs
    Vc viu o mais recente dele, A pele que eu habito?

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  7. Oi Isabel!
    Ah os filmes do Almodóvar não me atraem... Acho que não meu estilo :/
    Mas gostei da sua resenha, interessante isso de uma mulher limpando sangue ser poético.

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

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  8. Eu ainda não conhecia esse filme, mas ele parece ser realmente muito bom!
    Achei estranho, porque nunca ouvi ninguém falar dele. :x

    Um beijo,
    Luara - Estante Vertical

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