“É sempre culpa da
mãe, não é verdade?”, disse ela, bem baixinho, pegando o casaco. “Aquele menino
deu errado porque a mãe dele bebia, ou se drogava. Ela deixava o garoto solto
na rua; ela não ensinou a ele o que é certo e o que é errado. Nunca estava em casa
quando ele voltava da escola. Ninguém nunca diz que o pai era um bêbado, ou que
o pai nunca estava em casa quando o garoto voltava da escola. E ninguém jamais
diz que alguns desses garotos não prestam e pronto. Não vá você acreditar nessa
balela. Não deixe que eles ponham nas suas costas essa matança toda. (...) É
duro ser mãe. Ninguém nunca aprovou uma lei que diz que para alguém ficar
grávida tem que ser perfeita. Tenho certeza de que você tentou ao máximo. Você
não está aqui, nesse fim de mundo, numa bela tarde de sábado? Você continua
tentando. Se cuide, meu bem.”
Eva Khatchadourian tinha somente dois desejos quando era
criança: sair da cidade onde nasceu (onde sua mãe agorafóbica fazia a casa da
família de sarcófago) e ter um homem que a amasse. O primeiro desejo foi logo
realizado e bem ao pé da letra – difícil encontrar um país que a destemida
escritora de guias de viagem de sucesso não tenha visitado – assim como o
segundo, resumido no seu casamento feliz com Franklin Plaskett.
Franklin era a antítese do homem que Eva imaginara que
casaria: um americano patriota típico, era estranho para a mulher de origens
armênias que odiava tudo que lembrasse a brega, ignorante e doente terra do tio
Sam. Mas o fato era que Franklin e Eva eram tão felizes que chegou a sufocar.
Eles precisavam de responsabilidade, de desafio, de algo novo.
E Kevin foi estranho desde que nasceu: chorando
insistentemente o tempo inteiro, parecia não se interessar por ninguém ou por
nada. O pai sempre tomava partido do filho, impedindo a mulher de discipliná-lo
– coisa difícil, já que Kevin é de uma apatia ímpar que o torna um dos
personagens mais interessantes com quem tropecei. Eva, acostumada com essa
apatia (o garoto toma cuidado de não demonstrá-la na frente do pai – afinal,
ele precisa de um protetor) e com a crueldade do filho, não tem problemas em
acreditar quando, aos quinze anos, ele assassina sete colegas e dois funcionários
da escola com seu arco-e-flecha.
Em Precisamos falar
sobre o Kevin, Lionel Shriver critica o que crê ser o principal problema
dos Estados Unidos: ninguém quer ser culpado. Narrado em forma epistolar por
Eva, que escreve ao marido sobre seus dias com Kevin, o livro é assustador e
franco como um tapa – ao contrário de seus compatriotas, Eva não reluta em
assumir seus erros, mesmo acreditando que a correção dos mesmos não levaria a
melhora nenhuma por parte de seu filho.
Não me lembro de um romance epistolar que eu tenha lido e
não gostado; muito pelo contrário. Precisamos
falar sobre o Kevin não é exceção: a narradora tem uma visão de conjunto,
misturando sua vida pós-catastrofe com seus dias com Kevin, reconstruindo-os de
forma perfeita.
Continuo achando o filme excelente, exceto por um erro,
pequeno e ao mesmo tempo enorme. Meu sentimento por Eva, na maior parte do
livro, foi pena, mas em alguns trechos, não pude deixar de sentir raiva por um
pequeno fato:
ela ainda amava Kevin.
Não há nada que cause mais desconforto do que uma mãe que
não ame o filho – categoria que Eva foi encaixada pela acusação do processo que
sofreu por negligência materna. Durante algum tempo, acreditamos, e até mesmo
torcemos para que isso seja verdade – como alguém pode amar alguém que lhe fez
tanto mal? Mas não.
A primeira suposição vem do fato de Eva não ser uma mãe
tradicional: desde os primeiros meses de gravidez, ela detestava o fato de não
ser mais Eva, e sim “a grávida”. A autora aproveita o estado de sua personagem
para fazer uma crítica ácida ao modo da sociedade ocidental de idealizar a
figura materna – o quote com que abri o post (dito pela mãe de um criminoso
preso na mesma penitenciaria juvenil que Kevin) é um exemplo disso. Ainda que
isso faça os leitores arrancarem os cabelos de raiva, Lionel Shriver, no ápice
de sua maravilhosa habilidade com as palavras, coloca os estilhaços do amor de
Eva por Kevin de forma crível e suave, como se não houvesse alternativa.
E
talvez não houvesse mesmo.
Oi Isa
ResponderExcluiracho que este livro foi o primeiro romance epistolar que eu li, e me ganhou já na primeira linha. Lionel não tem um jeito "comum" de escrever, digo isso pelo fato de muitos não aceitarem sua narrativa minuciosa, e suas inúmeras críticas ao longo do livro.
O livro mexeu bastante comigo, só quem é mãe, sabe que por mais que nossos filhos sejam bagunceiros, tiranos, e nos tirem do sério muitas das vezes, continuamos amando do mesmo jeito, afinal, foram 9 meses amando sem "ver" e sonhando com a maternidade.
Ser mãe é uma condição que não dá pra mudar.
bjos
ótima resenha
Eu comecei a ler Precisamos Falar Sobre o Kevin. Nas primeiras linhas me irritou, não a história, não o enredo, mas a verdade. A culpa é da mãe. É sempre da mãe. E o pai, onde estava? Não importa, a mãe deveria ter educado. É sempre a mãe. Como se mulher fosse perfeita, ou fosse uma chocadeira, perfeita pra esse trabalho. Não é assim.
ResponderExcluirEu parei nos primeiros capítulos porque outros entraram na frente e foram entrando e entrando e... Céus.
Um dia eu o termino.
Adorei a resenha.
Amor, Ana.
P.S.: Seu blog é uma graça, amei, estou seguindo.
http://quemprecisaviver.blogspot.com.br/
Nossa isa que resenha intensa, aposto que o livro seja de uma intensividade total também. Precisamos Falar Sobre o Kevin, é um livro que eu venho desejando desde o lançamento. logo depois venho o filme, e eu ando me controlando muito para não aluga-lo pois quero ler o livro primeiro. Eu adorei sua resenha! Parabéns ;D
ResponderExcluirxoxo
http://amigadaleitora.blogspot.com.br
Eu tentei me segurar pra ver o filme so quando lesse o livro, mas nem deu, a ansiedade foi maior. Vi e AMEI o filme, achei muito diferente e bem contado com interpretações ótimas.
ResponderExcluirO livro eu sou louco pra ler, mas sempre tá caro nas livrarias, e agora tem aquela capa filme que não curto, mas quero muito ler
Parabéns pela ótima resenha
Beijos
Oláá!
ResponderExcluirAdorei esse livro e assim como você senti uma pontada de raiva da Eva por ela ainda amar o Kevin. Quase chorei por causa da fofa da Célia e tudo mais, enfiim, é um livro maravilhoso, interessante e bem escrito. Curti bastante em todos os aspectos, a única coisa que não gostei muito foi que achei alguns capítulos desnecessários, rs.
Não gostei do filme, achei confuso e perturbado, kkk.
Beijoo!
Olá!
ResponderExcluirEu assisti ao filme e amei, estou louca para comprar o livro também! No caso de Eva, eu entendo o amor que ela nutre pelo filho mesmo depois de tudo o que ele fez e, por mais que a autora tente negar, Eva não teve culpa. Se Kevin realmente tivesse a tendência genética, ou algum motivo para desenvolver a psicopatia - não haveria nada do que ela pudesse fazer.
parabéns pela resenha
Beijos!
Andressa
umdiaacadalivro.blogspot.com.br
Bel, quero MUITO ler esse livro. Sua resenha tá excelente... transparece a intensidade que o livro parece ter. Um enredo carregado e bem reflexivo, sem dúvidas.
ResponderExcluirUm abraço!
http://universoliterario.blogspot.com.br/
Depois que assisti o filme sou louca para ler o livro. Acho que entenderia muito mais a situação. Com certeza Kevin já tinha psicopatia desde pequeno, era uma coisa que não tinha como evitar.
ResponderExcluirTenho uma grande curiosidade em ler e ver o filme, mas é um livro com uma temática bem diferente do que costumo ler, então seria uma novidade e um desafio pra mim.
ResponderExcluirBeijos ><
Meu outro lado
Quão fantástica é essa frase de abertura aí? Por favor.
ResponderExcluirVi esse livro há muuuuito tempo (não entenda por anos, ok? K), na estante do skoob de alguém, quando o livro não era tão famoso, e desde já fiquei interessada, eembora a estória seja triste e eu esteja preferindo umas coisas mais alegres ultimamente. O menino matou nove pessoas com o arco-e-flecha. Simples assim. Tô até vendo a agonia que eu vou ficar se ler esse livro, e tenho que fazê-lo, porque ruim eu sei que não deve ser, já que sempre li críticas muito boas sobre. Não posso ver o filme antes de ler o livro, aliás, adoro essa capa.
Fantástica essa resenha, apenas.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirA começar pelo o titulo e capa esse livro mexe comigo.
ResponderExcluirÉ uma temática forte sem dúvida, uma leitura pesada e um grande desafio. Mas, após sua resenha é impossivél não querer ler esse livro. Ou melhor, é impossivél perder a vontade de ler. c
Gostei de sua resenha, fiquei com vontade de ler o livro, rs.
ResponderExcluirBeijos
cocacolaecupcake.blogspot.com.br
Eu quero muito, muito mesmo assistir a este filme, até porque um cara que viaja na mesma van que eu vive me falando sobre ele. Adorei a capa do livro... Acho que estou livre para julgar o livro pela capa neste caso, visto que o conteúdo parece tão bom quanto ela. Beijos ;*
ResponderExcluirEsse deve ser um livro daqueles que eu consideraria favorito, faz muito o estilo que de leituras que eu to seguindo, mesmo. Aquele livro intenso e ao mesmo tempo tão doce por falar de sentimentos tão fortes.
ResponderExcluirUm beijo,
Luara - Estante Vertical
OI Isabel!
ResponderExcluirVocê não é a primeira pessoa que vejo gostar desse livro.Parece ser bem franco. Tá me parecendo que a Eva é uma personagem que traga várias emoções. Eu gosto desse título, parece que tem tudo a ver com a história, não só por se tratar do Kevin. Sempre fico refletindo sobre suas resenhas, são sempre tão características, não só as de livros, mas as d filme também.
^^
Beijos :D
Então, ainda não li o livro e muito menos vi o filme, estou esperando ter um tempinho para conseguir ler o livro e depois ver como que é o filme. Sempre me recomendam então está na hora de eu tirar minhas próprias conclusões.
ResponderExcluirhttp://leituramagnifica.blogspot.com.br/
"Mas o fato era que Franklin e Eva eram tão felizes que chegou a sufocar. Eles precisavam de responsabilidade, de desafio, de algo novo.
ResponderExcluirEles precisavam de um filho."
Sabia da atmosfera, tá na minha lista há um tempão, mas enfiei um monte de "outras coisas" na frente. Nunca duvidei da capacidade da obra, inclusive pela surpresa que me causou a "proposta".
Oi Isabel!
ResponderExcluirEsse livro parece ser bem complexo... e essa quote é muito boa, interessante! nunca tive muita vontade de ler esse livro, mas a sua resenha me fez pensar sobre ele.
Beijos,
Marcelle
bestherapy.blogspot.com
Isa, esse é um livro que eu tenho muita vontade de ler. Até hoje, nunca tinha visto um livro que falasse da relação entre pais e filhos com tantos elogios como esse. Com a relação não dos dois, mas principalmente com a mãe. Espero poder lê-lo logo.
ResponderExcluirBeijos!
http://thebooksthief.blogspot.com/
Oi Isabel!
ResponderExcluirEu queria muito ler esse livro! Ou pelo menos assistir o filme.
Não parece ser uma leitura tranquila, mas sim do tipo que nos faz questionar.
Beijos,
Sora - Meu Jardim de Livros