23 outubro 2012

Matadouro cinco




Matadouro cinco despertou minha atenção graças ao site de tatuagens literárias Contrariwise: não é raro encontrar lá tatuagens de pessoas que se inspiraram na que é considerada maior obra de Kurt Vonnegut e o melhor livro anti guerra feito por um americano.



No capítulo inicial, conta-se a história do próprio escritor, um veterano de guerra que se vê há anos tentando escrever um livro sobre o terrível bombardeio de Dresden (135 mil mortos)  na segunda guerra mundial, o qual presenciou por ser prisioneiro dos alemães. Ao ir a casa de um ex colega de regimento para trocar lembranças, o autor vê a esposa de seu amigo inquieta. Eis a razão:

“Vocês eram só bebês na guerra – como os que estão lá em cima[os filhos dela]! (...) Mas você não vai escrever assim, vai? (...) Você vai fingir que vocês eram homens ao invés de bebês, e vocês vão ser interpretado em filmes por Frank Sinatra e John Wayne ou um desses homens glamorosos, sujos e amantes da guerra. E a guerra vai parecer somente maravilhosa, então nós teremos mais um monte delas. E elas vão ser lutadas por bebês como os bebês lá em cima.”



[Se você ler o livro e não chorar lendo esse trecho, você não tem coração.]

O aviso da jovem senhora, real ou não, entrou bem na cabeça de Vonnegut: Matadouro cinco faz tudo, exceto exaltar a guerra. Billy Pilgrim, seu protagonista, é uma das figuras mais risíveis que você já viu segurando um rifle, uma brincadeira com o perfil real dos combatentes. Além de oftomologista e ex preso de guerra, ele é também um viajante do tempo.

Sim, viajante do tempo. Depois de ser seqüestrado por alienígenas, Billy adquire essa estimada habilidade. Mas não, Matadouro cinco não é ficção científica: a raça extra-terrestre que seqüestra Billy acredita que não há morte – todos vivemos na eternidade, e a viagem do tempo é uma forma de reviver tudo.

Eis o recurso que torna Matadouro cinco brilhante: a viagem no tempo. É impressionantemente mais verossímil que flashbacks (quem se lembra de todos os detalhes de algo que aconteceu há muito tempo, mesmo que esse algo tenha sido importante?), e com isso Kurt Vonnegut costura uma crítica aos seus compatriotas, um manifesto anti-guerra e a história de vida do patético Billy.

 Para um livro nesse estilo, é o melhor tipo de personagem que poderia haver – mostra que os horrores não acontecem só com os super-homens/mulheres que seguramente podem agüentar e liderar o caminho para fora da escuridão, e sim com qualquer um. Literalmente. É a mesma coisa que me atraiu no filme Melancolia: é impressionante a tendência de escritores e roteiristas de só retratar os fortes e valentes, como se o fim do mundo, guerra ou situações extremas só ocorressem com eles. Sim, quero a coragem e o altruísmo, mas também a covardia, o egoísmo e a sorte. A arte é humana, e as três últimas características também.

Não posso também deixar de falar de “so it goes” ou “e assim continua”, a frase repetida 127 vezes no livro. Vonnegut narra coisas terríveis e elas são invariavelmente seguidas dessa frase, para sinalizar o quanto nossas catástrofes (pessoais e coletivas) são pequenas para a imensidão do universo ou até mesmo a curta história da humanidade. Como diria Tyler Durden, você não é um floco de neve especial.

O título alternativo para Matadouro cinco é A cruzada das crianças, fazendo alusão ao mito de que crianças teriam lutado uma das guerras entre católicos e mulçumanos pela terra santa graças a inspiração divina. E, se você parar para pensar, não é que o tal título faz sentido?



16 comentários:

  1. A nota A + me atiçou a curiosidade: Matadouro 5 vai para a minha lista- que já está enorme- de futuras leituras.

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  2. Sempre quis ler algo desse cara. É o tipo de autor que eu sei que preciso ler pelo menos um livro alguma vez na vida, então já coloquei esse livro na minha lista.

    Você comentou no blog sobre o Sob a Redoma, tô lendo devagar, então a resenha dele deve sair lá pro meio de novembro. E obrigada pela confiança. Foi o elogio mais legal que eu já recebi sobre o blog <3

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  3. Olá :)
    Não conhecia o livro. Boa resenha, mas sei lá, não me interessei tanto não. Mas poxa, foi uma boa que você deu para o livro... se eu tiver uma oportunidade, talvez eu possa ler. Nunca se sabe UHSUAHSUAHSUAH

    Beijos, Vanessa.
    This Adorable Thing

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  4. Kurt Vonnegut tá na minha lista faz tempo, mas nada de eu conseguir lê-lo. Este é um daqueles livros que você tem de ler, e quem já o fez sempre me falou coisas boas sobre ele. Partindo da sua resenha, minha vontade só aumentou.

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  5. Amei a resenha! Eu não conhecia esse livro, mas fiquei louca pra ler ;)
    Beijinhos

    Ann
    http://www.vinteepoucos.com.br

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  6. Oi
    Não conhecia o livro e o que posso falar? Que viagem!!! Adorei a resenha, parece ser um livro muito muito bom.
    E tatuagens literárias são o poder, ainda quero fazer a minha sobre Harry Potter
    Beijos

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  7. Hey Isa
    Nossa fiquei curiosa em relação a esse livro.
    Não conhecia ainda, e você ainda comparou com Melancolia, que adorei.
    Super verdade a maioria espera heróis, mas também existem os covardes, sofridos.

    Adorei a resenha e o blog de tatuagens haha

    Nana - Obsession Valley

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  8. Oi Isabel!

    Adorei a resenha. Não sou muito chegada a livros com esse tema, mas o que você escreveu no inicio já me colocou para pensar, mesmo sem ter lido o livro. É exatamente assim... a bravura é destacada, os heróis... impressionante, se pararmos para pensar.

    Beijos,

    Marcelle
    bestherapy.blogspot.com

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  9. Oi Isabel, acho que foi por aqui que já havia visto um post sobre essa frase So it Goes. Com essa resenha maravilhosa, fiquei ainda mais curiosa para conhecer a história, parece ser tocante e humana, como você cita.
    Ah, mas viajante no tempo? Achei estranho isso. rsrs

    Beijos

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  10. eu já tinha ouvido falar, inclusive um amigo meu tem a tattoo SO IT GOES. é meio que o Nevermore do Poe né? !! ainda não li, mas ta na lista rsrs
    bjs flor
    www.amodernpinup.com

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  11. eu já tinha ouvido falar, inclusive um amigo meu tem a tattoo SO IT GOES. é meio que o Nevermore do Poe né? !! ainda não li, mas ta na lista rsrs
    bjs flor
    www.amodernpinup.com

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  12. Bel, embora o livro tenha uma premissa interessante, de antemão eu não o leria. Pelo menos não agora... acho que há momentos certos para variados tipos de leitura. Porém, após seus comentários, passei a cogitar a ideia. Vou buscar mais... quem sabe eu não o pegue um dia e confira? Parece o tipo de livro que merece ser lido.

    Um abraço!
    http://universoliterario.blogspot.com/

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  13. Oie Isa
    achei uma loucura mesclar a viagem no tempo, com os horrores que acontecem com a humanidade, e amei essa loucura. Sem dúvida deve ser uma leitura que prende até a última página.Já na minha lista de dsejados.
    bjos

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  14. Oiii!!
    Imagino que ele seja tenha feito um trabalho maravilho com a escrita, pois misturar coisas tão distinhas e receber um A+ é realmente um livro para ser lido, rs.
    Mas, assim como a Fran, eu não estou no momento agora para esse tipo de leitura, já anotei o nome, quem sabe um dia, se eu me deparar com ele por aí, não o compre e devore.
    Beijoo!

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  15. Oi Isabel!
    Que história diferente, guerra, viagem no tempo, alienígenas...
    Eu gostei da ideia do livro, mas não sei se leria. Ando com a cabeça tão "quente" que não conseguiria me concentrar nesse tipo de leitura no momento :/

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

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  16. Não conhecia esse livro e adorei a história! Fiquei com muita vontade de ler. Gosto do seu blog por causa disso, me apresenta a livros que eu não fazia ideia que existiam.

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