[LIVRO] A fúria dos reis

O céu do magnífico mundo de As crônicas de gelo e fogo é cortado por um cometa escarlate – que, curiosamente, parece trazer com sua emblemática cor o caos. (a partir daqui, contém spoilers de A guerra dos tronos e/ou da primeira temporada do seriado).

Sucessões de vez em quando se provam algo complicado, e quando há acusações de traição e incesto e ambição desenfreada na jogada, paz é dificilmente algo a se esperar. Temos no amado Norte o jovem rei do inverno Robb Stark, que, apesar de sua pouca idade, já empunha uma espada em nome da honra de seu falecido pai e de suas irmãs.

É difícil para Lady Stark ver sua forte e fria casa do Norte aos pedaços. Uma de suas filhas, Sansa, está sob custódia dos Lannister – uma condição tão sofrida quanto a do seu irmão que luta em batalhas sangrentas – e admito que meu coração amoleceu um pouquinho para a menina sonhadora e mimada, que coloca os pés no chão e adquire força durante A fúria dos reis. Sansa cresce, como há de se esperar, e tenho boas expectativas para ela na continuação.

Já Arya só se reafirmou como uma de minhas personagens favoritas: depois de conseguir um jeito de desaparecer, ela se vê na perigosa condição de ser uma menina disfarçada de menino dentre vários delinqüentes a serem levados para servir na Patrulha da Noite. Há lá também um Stark (talvez não de sangue e com certeza não de nome, mas de coração), o bastardo Jon Snow, que entre os ossos tremidos dos valentes servidores da patrulha da noite tem de se arriscar para além da muralha, que separa Westeros dos temíveis monstros e selvagens dos contos.

Robb não é o único a querer um trono para si: os irmãos Baratheon, diante da traição de sua cunhada, também querem a sua fatia. De um lado temos o carismático e despreparado Renly, comandante de tropas e navios sem fim; do outro, o carrancudo Stannis, que tem como seu único trunfo uma habilidosa feiticeira a seu lado, Melisandre. Ela é, aliás, a prova clara de que o aspecto “fantasia” é crescente na série: enquanto no primeiro livro acontecimentos irreais com um toque de magia são por pouco perceptíveis, isso vai se tornando cada vez mais importante no decorrer da história.

Mas é claro que não podemos nos esquecer dos Lannister e seu leão de ouro. Enquanto Lord Twyn marcha contra o rei no Norte, sua filha Cersei cuida dos assuntos do reino, falhando levemente em fazer seu filho Joffrey de marionete. Porque, afinal, o inimigo acaba morando ao lado: o seu brilhante irmão, o anão Tyrion, serve temporariamente como mão do rei (ignorando a “maldição” que o cargo parece possuir) e entre manter sua concubina segura e criar um exercíto pessoal, atormenta bastante a irmã mais velha. Mesmo sem o irmão-amante, Jaime (que está em custódia dos Stark) nem o pai, ela não é uma dama nada frágil e não tem grandes problemas em se proteger da ameaça do seu próprio sangue.

Pintado esse panorama, temos o segundo volume de As crônicas de gelo e fogo. Como eu ainda me surpreendo com George Martin? Sua maestria não me é desconhecida. Dessa vez, ao contrário de A guerra dos tronos, li sua obra em inglês, e embora a tradução esteja boa (não concordo muito com as reclamações pela edição brasileira ser uma adaptação da portuguesa) não há nada como conferir sua narrativa deliciosa no original.

A sua bem feita construção de mundo se faz mais evidente nos capítulos em que temos a narrativa da infeliz e estúpida Daenerys (não consigo gostar dela, por mais que me esforce). No seu caminho para angariar exércitos para a sua tão sonhada conquista de Westeros (que espero que nunca aconteça) a garota passa por civilizações além dos sete reinos com histórias e tradições fantásticas que ultrapassam muito o europeu medieval comum em livros de fantasia.

Em A fúria dos reis, se torna mais evidente do que nunca a facilidade com que George Martin trabalha com muitos personagens. Embora isso seja de se esperar em livros com quase mil páginas, o autor desenvolve cada um muito bem, até mesmo os que seriam considerados secundários. Dou destaque a Brienne, uma soldado a serviço de Lord Renly, que mesmo sendo praticamente inigualável com uma espada em punho, tem inseguranças e paixões bastante adolescentes.

Talvez o maior trunfo (que como qualquer coisa boa é também um defeito) de toda a série seja a dificuldade em apontar um culpado. Cersei é má, mas como não ser, quando se é de uma família tão poderosa que a maldade se faz necessária para proteger seus filhos e a si mesma? Catherine, a quem eu havia detestado por seu péssimo tratamento ao bastardo Jon Snow (ele não tem culpa por quaisquer erros que Ned tenha cometido) se tornou uma das minhas favoritas agora, ao lutar de forma intensa e apaixonada por sua família. Até o pequeno Bran tem que tomar decisões difíceis, sendo o Stark em Winterfell.

Termino essa resenha, de novo, com a impressão de que ela é (e nunca será) digna de George Martin. Protelei muito ler essa continuação (assim como provavelmente protelarei o próximo) com a justificativa que os spoilers (cortesia da minha gentil irmã caçula) tiraram um pouco a graça. Besteira: não queria (e ainda não quero) esperar eras e mais eras por Os ventos do Inverno, sexto livro que parece que não vai sair tão cedo...