Sinceramente, eu estranho um pouco esse saudosismo da
infância a moda antiga, com brincadeiras na rua, pés descalços e gritos de mãe
após o escurecer.
Sim, é de fato triste que isso seja principalmente causado
pela violência e pelo asfalto, mas acredito que cada geração tem seus modos,
dores e costumes, e não cabe a ninguém rotular um de “infância de verdade”.
Infância “de mentira” é aquela onde há dor, trabalho ou descaso – o resto são
variações. Isso não se trata de pena altruísta daqueles que nunca conhecerão um
joelho ralado, e sim saudade de um tempo que não volta mais.
Provavelmente por morar em um bairro periférico tranquilo de
uma cidade de médio porte minha vida inteira, tive um misto dessas “duas
infâncias”: brincava na rua, mas também passava cinco, seis horas na internet
discada nos finais de semana, quando a taxa absurda baixava bastante. Algumas
das melhores leituras da minha infância retratavam esse primeiro tipo – os
livros de Monteiro Lobato, Cazuza, Meu pé de laranja lima... Talvez tenha
sido por isso que foi uma delícia tão grande ler O sol é para todos.
Nossa protagonista, Scout, vive em Maycomb (uma pequena
cidade no sul dos Estados Unidos) com seu pai, Atticus, seu irmão, Jem e sua
empregada, Calpurnia – a mãe da garotinha morreu anos atrás. São os anos 30, e
ainda se ouvem ecos da Grande Depressão: Maycomb, formada principalmente por
profissionais liberais (Atticus, um advogado, é um deles) sofreu bastante.
Ouso dizer que Maycomb é a protagonista de O sol é para todos – seus habitantes, os
quais ela conhece muito bem, são o principal assunto de Scout. Durante dois
verões seguidos, ela e Jem apresentam a Dill, sobrinho de uma local que vem
para as férias, Maycomb e suas figuras – a preferida das crianças é Boo Radley,
um homem recluso que não sai de casa há décadas.
Ocorre-me agora que para quem não tem lembranças positivas
desse tipo de romance (feito eu) essa longa apresentação de Maycomb pode
parecer um pouco enfadonha. É, contudo, necessária ao enredo: Tom Robinson, um
rapaz negro, é acusado (e fica claro para o leitor desde o início que
injustamente – afinal, o livro não teria sentido se assim não fosse) de
estupro, e Atticus é destacado como seu advogado.
As represálias dos brancos de Maycomb são esperadas, e vem –
talvez até mesmo em um nível maior do que Scout e Jem poderiam aguentar. Mas
eles agüentam.
A pequena Scout,
obviamente, não entende porque pessoas tão boas e razoáveis no dia-a-dia se
tornam tão ruins e irracionais só porque seu pai quer salvar um negro da
cadeira elétrica. O sol é para todos
não deixa de ser anti-racista, mas de uma maneira certeira e coletiva (do jeito
que o autor de Histórias cruzadas deveria aprender). Isso é, contudo, um tema
secundário: o aprendizado das crianças sobre os seus pares é o que ocupa da
maior parte das páginas.
Mesmo tecnicamente tratando de algo tão pesado, o livro tem
aquele clima maravilhoso e único dos romances de formação que versam sobre a
infância, que despertam no leitor lágrimas, risadas e lembranças – nem sempre
boas, mas essenciais, daqueles momentos que, para o bem ou para o mal, nos
mostram quem somos.
Dizem que O sol é para
todos é quase auto-biográfico, o que não me surpreende: só se escreve tão
bem assim sobre o que se conhece e se sentiu.
Me interessei muito! E ler os primeiros parágrafos do seu post me deu saudade da minha infância, com os tais pés na rua, haha.
ResponderExcluirBeijos. <3
http://www.quaseatoa.com/
Concordo com você. Infância de mentira é aquela onde não há infância alguma: apenas uma criança vivendo situações adultas.
ResponderExcluirbjs
Concordo com você quando diz que "não cabe a ninguém rotular um de “infância de verdade”. Como Hegel diz: "Cada homem é filho de seu tempo"...
ResponderExcluirAchei interessante o livro!
Beijos
Oie Isa
ResponderExcluirEu tive uma infância de pés descalços brincando na rua (embora minha mãe chamasse para entrar bem antes de escurecer rs), e sinto saudades. Adoraria proporcionar o tipo de infância tranquila que tive aos meus filhos, mas é fato que o grande grau de violência urbana faz qualquer pai se tornar super zeloso, e acabar preferindo que os filhos permaneçam dentro de casa.
Enfim, este é um dos clássicos que eu quero muito ler. Injustiça, seja ela racial ou não, tem sido um tema muito explorado na literatura, e feliz é o autor que consegue dar um toque de leveza a trama, mesclando com situações cotidianas.
bjos
Isabel, não conhecia o livro. Gosto quando eles retratam essas diferenças - e, se vista pelos olhos de uma criança, menos corrompida pelas convenções dos adultos, ainda melhor. Fiquei muito interessado mesmo.
ResponderExcluirPessoalmente, fui uma criança de pés descalços, passando bons momentos no sítio onde meus avós maternos moravam, e que tempo bom alheio a tudo que, pouco depois, começa a nos atormentar.
Excelente resenha, como sempre. Grande abraço.
Esse livro já parece ser bom só pelo título, que é lindo. A capa é meio sem graça, mas eu não ligo muito para capas mesmo. Adorei a história e tenho certeza que vou ter aquela mesma nostalgia que você. Moro em cidade grande, mas vivi parte da minha vida no interior de tanto ir para lá em fim de semanas, feriados e férias. E concordo com você, cada infância é diferente. Não é porque hoje as crianças tem Ipad que isso é menos divertido do que nossas brincadeiras de rua. As coisas mudam e tem que mudar.
ResponderExcluirÉ aquele sítio das fotos do seu blog, o que parece o Condado? {sério, agora só vou imaginar assim quando ler Tolkien...}^
ExcluirTem capas mais bonitinhas dele - comprei esse pela Estante virtual, então nem deu para ver antes...
Achei muito bacana a proposta do livro. E fico feliz por ver que ele cumpriu seu papel em um formato tão bacana. Ain ain, adoro ler coisas que me façam sentir uma tamanha nostalgia... acho que esse faria isso comigo, também. Não conhecia a obra, mas adorei saber mais sobre.
ResponderExcluirUm abraço!
http://universoliterario.blogspot.com/
Gostei do que você falo no começo do post sobre a infância e concordo.
ResponderExcluirFiquei com vontade de ler e irei colocar na lista de leitura, esse ano estou tentando diferencia as leituras já que ano passado li muito romance e series sobrenaturais.
Beijos!
Oi,
ResponderExcluirEu sinto saudades da época de brincar na rua... Gostava tanto daquela época que recentemente me peguei querendo voltar a morar na rua onde cresci rsrsrs
O Sol é para todos é um super clássico, ainda não li o livro, mas vi o filme e realmente é muito bom!!
Beijinhos
Renata
http://escutaessa.blogspot.com.br
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@blogescutaessa
Oie Isabel!
ResponderExcluirAh!!! Hoje mesmo eu estava conversando com a minha mãe sobre a minha infancia, os colegas de escola as brincadeiras os dramas rs... Que saudade que dá viu!
A vida vai passando tão rápido, mudanças acontecem e o que fica só são as lembranças boas no que vivemos.
Gostei muito da sua indicação. Já tinha ouvido falar do livro, mas nãos tinha nem noção do que ele se tratava.
bjus;***
anereis.
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Enquanto lia lembrei mesmo de "Histórias Cruzadas": o filme é bonitinho, mas daquele jeito que não cumpre muito bem o seu papel. A sensação que ficou pra mim é que o diretor teve receio de ousar (não sei quanto ao livro, já que não o li) e poderia ter aproveitado bem melhor a história de negros e brancos. Também cresci lendo Monteiro Lobato, mas não tive minha cota de joelhos ralados e brincadeiras de rua, sempre fui uma criança muito quieta, de ficar contente ao montar e desmontar Legos e a casa da Barbie. Esse livro parece muito bom e, se não me engano, há um filme dele também, certo? Enfim! Concordo quando diz que "só se escreve tão bem assim sobre o que se conhece e se sentiu". Beijo!
ResponderExcluirOi Isabel, linda essa resenha. Sinto até vergonha de dizer que não conhecia a obra, lembro muito vagamente do título, e adorei saber do que se trata. Acho que abordar temas mais sérios e pesados é necessário, até porque nossa vida não se faz só de nuvens de algodão doce.
ResponderExcluirE acho que esse saudosismo sempre vai existir, independente do estilo de infância que se teve - exceto, claro, os casos que você citou.
Beijos
Oi, Isa
ResponderExcluirConcordo muito com você, acho que não existe essa história de rotular "infância de verdade" e "infância de mentira" porque em uma as crianças passam os dias brincando na rua, com as mães gritando para entrarem e etc.
O livro parece muito bom, já ouvi falar dele meio por alto não fazia ideia do que se tratava. Confesso que fiquei bem curiosa e o acrescentei na minha lista de leituras (que, por incrível que pareça, é anotada na minha agenda e não no Skoob!)
Gih,
atualizado, comenta?
Jeito Inédito
Oi, Isabel!
ResponderExcluirJá vi e li sobre este livro em vários lugares, mas nunca o li mesmo.
Parece ser ótimo! Depois da sua resenha, deu até mais vontade! haha
Beijos, flor!
http://critiquinha.com/
Hoje em dia o otulo para infancia é diferente daquele de alguns anos atras,mas é uma variação,como voce disse. Aliás, amei a resenha! Nunca li o livro, mas parece ser muit bom pelo que voce falou (aliás,adoro suas resenhas!Voce fala tudo sem "spoilar" muito o livro *-*).
ResponderExcluirDepois da sua resenha, fiquei até estimulada a ler C:
Ah eu tambem nao gosto da série , milagre achar alguém que nao goste!rsrs Os livros eu amo, mas a série nao consigo ver, é muito diferente rsrs
Um grande beijo!
Pâm
http://interruptedreamer.blogspot.com.br/
haa, obg :) tento não dar spoilers, pq sei que isso pode estragar a leitura de um livro...
ExcluirAdorei a história do livro e concordo com sua frase do final, só se escreve realmente bem sobre o que você conhece.
ResponderExcluirTambém concordo com suas colocações sobre a infância. Infelizmente, os anos passam e as coisas mudam, nem sempre pra melhor. Confesso que eu iria preferir meus futuros filhos brincando na rua com os coleguinhas, mas com a violência que temos hoje em dia - que tende a piorar -, a melhor opção será que brinquem dentro de casa.
Sobre a resenha, juro que estou tentando encontrar palavras que possam descrever o que pensei e senti quando li, mas não consigo encontrá-las. Como foi citado acima, fico até com vergonha por dizer que não conhecia muito bem e que nunca li.
Beijos, Carol - Le-Rêveur ♥
Adorei o começo do post
ResponderExcluireu te entendo perfeitamente, minha infância tbm foi parecida com a sua
e tbm lia Monteiro Lobato *------*
Eu não conhecia o sol é para todos
parece ser bem reflexivo, eu gostei, tem cara de infãncia, de livro velhinho daqueles do sebo #jáquero!
Adorei a resenha, beijos.
PS.: Que bom que gostou da mixtape lá no blog, fico MUITO feliz!