12 janeiro 2013

O sol é para todos


Sinceramente, eu estranho um pouco esse saudosismo da infância a moda antiga, com brincadeiras na rua, pés descalços e gritos de mãe após o escurecer.

Sim, é de fato triste que isso seja principalmente causado pela violência e pelo asfalto, mas acredito que cada geração tem seus modos, dores e costumes, e não cabe a ninguém rotular um de “infância de verdade”. Infância “de mentira” é aquela onde há dor, trabalho ou descaso – o resto são variações. Isso não se trata de pena altruísta daqueles que nunca conhecerão um joelho ralado, e sim saudade de um tempo que não volta mais.

Provavelmente por morar em um bairro periférico tranquilo de uma cidade de médio porte minha vida inteira, tive um misto dessas “duas infâncias”: brincava na rua, mas também passava cinco, seis horas na internet discada nos finais de semana, quando a taxa absurda baixava bastante. Algumas das melhores leituras da minha infância retratavam esse primeiro tipo – os livros de Monteiro Lobato, Cazuza, Meu pé de laranja lima... Talvez tenha sido por isso que foi uma delícia tão grande ler O sol é para todos.


Nossa protagonista, Scout, vive em Maycomb (uma pequena cidade no sul dos Estados Unidos) com seu pai, Atticus, seu irmão, Jem e sua empregada, Calpurnia – a mãe da garotinha morreu anos atrás. São os anos 30, e ainda se ouvem ecos da Grande Depressão: Maycomb, formada principalmente por profissionais liberais (Atticus, um advogado, é um deles) sofreu bastante.

Ouso dizer que Maycomb é a protagonista de O sol é para todos – seus habitantes, os quais ela conhece muito bem, são o principal assunto de Scout. Durante dois verões seguidos, ela e Jem apresentam a Dill, sobrinho de uma local que vem para as férias, Maycomb e suas figuras – a preferida das crianças é Boo Radley, um homem recluso que não sai de casa há décadas.

Ocorre-me agora que para quem não tem lembranças positivas desse tipo de romance (feito eu) essa longa apresentação de Maycomb pode parecer um pouco enfadonha. É, contudo, necessária ao enredo: Tom Robinson, um rapaz negro, é acusado (e fica claro para o leitor desde o início que injustamente – afinal, o livro não teria sentido se assim não fosse) de estupro, e Atticus é destacado como seu advogado.

As represálias dos brancos de Maycomb são esperadas, e vem – talvez até mesmo em um nível maior do que Scout e Jem poderiam aguentar. Mas eles agüentam.

A pequena Scout, obviamente, não entende porque pessoas tão boas e razoáveis no dia-a-dia se tornam tão ruins e irracionais só porque seu pai quer salvar um negro da cadeira elétrica. O sol é para todos não deixa de ser anti-racista, mas de uma maneira certeira e coletiva (do jeito que o autor de Histórias cruzadas deveria aprender). Isso é, contudo, um tema secundário: o aprendizado das crianças sobre os seus pares é o que ocupa da maior parte das páginas.

Mesmo tecnicamente tratando de algo tão pesado, o livro tem aquele clima maravilhoso e único dos romances de formação que versam sobre a infância, que despertam no leitor lágrimas, risadas e lembranças – nem sempre boas, mas essenciais, daqueles momentos que, para o bem ou para o mal, nos mostram quem somos.

Dizem que O sol é para todos é quase auto-biográfico, o que não me surpreende: só se escreve tão bem assim sobre o que se conhece e se sentiu.




19 comentários:

  1. Me interessei muito! E ler os primeiros parágrafos do seu post me deu saudade da minha infância, com os tais pés na rua, haha.

    Beijos. <3
    http://www.quaseatoa.com/

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  2. Concordo com você. Infância de mentira é aquela onde não há infância alguma: apenas uma criança vivendo situações adultas.

    bjs

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  3. Concordo com você quando diz que "não cabe a ninguém rotular um de “infância de verdade”. Como Hegel diz: "Cada homem é filho de seu tempo"...

    Achei interessante o livro!

    Beijos

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  4. Oie Isa
    Eu tive uma infância de pés descalços brincando na rua (embora minha mãe chamasse para entrar bem antes de escurecer rs), e sinto saudades. Adoraria proporcionar o tipo de infância tranquila que tive aos meus filhos, mas é fato que o grande grau de violência urbana faz qualquer pai se tornar super zeloso, e acabar preferindo que os filhos permaneçam dentro de casa.
    Enfim, este é um dos clássicos que eu quero muito ler. Injustiça, seja ela racial ou não, tem sido um tema muito explorado na literatura, e feliz é o autor que consegue dar um toque de leveza a trama, mesclando com situações cotidianas.
    bjos

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  5. Isabel, não conhecia o livro. Gosto quando eles retratam essas diferenças - e, se vista pelos olhos de uma criança, menos corrompida pelas convenções dos adultos, ainda melhor. Fiquei muito interessado mesmo.

    Pessoalmente, fui uma criança de pés descalços, passando bons momentos no sítio onde meus avós maternos moravam, e que tempo bom alheio a tudo que, pouco depois, começa a nos atormentar.

    Excelente resenha, como sempre. Grande abraço.

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  6. Esse livro já parece ser bom só pelo título, que é lindo. A capa é meio sem graça, mas eu não ligo muito para capas mesmo. Adorei a história e tenho certeza que vou ter aquela mesma nostalgia que você. Moro em cidade grande, mas vivi parte da minha vida no interior de tanto ir para lá em fim de semanas, feriados e férias. E concordo com você, cada infância é diferente. Não é porque hoje as crianças tem Ipad que isso é menos divertido do que nossas brincadeiras de rua. As coisas mudam e tem que mudar.

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    1. É aquele sítio das fotos do seu blog, o que parece o Condado? {sério, agora só vou imaginar assim quando ler Tolkien...}^
      Tem capas mais bonitinhas dele - comprei esse pela Estante virtual, então nem deu para ver antes...

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  7. Achei muito bacana a proposta do livro. E fico feliz por ver que ele cumpriu seu papel em um formato tão bacana. Ain ain, adoro ler coisas que me façam sentir uma tamanha nostalgia... acho que esse faria isso comigo, também. Não conhecia a obra, mas adorei saber mais sobre.

    Um abraço!
    http://universoliterario.blogspot.com/

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  8. Gostei do que você falo no começo do post sobre a infância e concordo.
    Fiquei com vontade de ler e irei colocar na lista de leitura, esse ano estou tentando diferencia as leituras já que ano passado li muito romance e series sobrenaturais.
    Beijos!

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  9. Oi,
    Eu sinto saudades da época de brincar na rua... Gostava tanto daquela época que recentemente me peguei querendo voltar a morar na rua onde cresci rsrsrs
    O Sol é para todos é um super clássico, ainda não li o livro, mas vi o filme e realmente é muito bom!!

    Beijinhos
    Renata
    http://escutaessa.blogspot.com.br
    http://www.facebook.com/BlogEscutaEssa
    @blogescutaessa

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  10. Oie Isabel!

    Ah!!! Hoje mesmo eu estava conversando com a minha mãe sobre a minha infancia, os colegas de escola as brincadeiras os dramas rs... Que saudade que dá viu!
    A vida vai passando tão rápido, mudanças acontecem e o que fica só são as lembranças boas no que vivemos.

    Gostei muito da sua indicação. Já tinha ouvido falar do livro, mas nãos tinha nem noção do que ele se tratava.

    bjus;***
    anereis.
    mydearlibrary | bookreviews • music • culture
    @mydearlibrary

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  11. Enquanto lia lembrei mesmo de "Histórias Cruzadas": o filme é bonitinho, mas daquele jeito que não cumpre muito bem o seu papel. A sensação que ficou pra mim é que o diretor teve receio de ousar (não sei quanto ao livro, já que não o li) e poderia ter aproveitado bem melhor a história de negros e brancos. Também cresci lendo Monteiro Lobato, mas não tive minha cota de joelhos ralados e brincadeiras de rua, sempre fui uma criança muito quieta, de ficar contente ao montar e desmontar Legos e a casa da Barbie. Esse livro parece muito bom e, se não me engano, há um filme dele também, certo? Enfim! Concordo quando diz que "só se escreve tão bem assim sobre o que se conhece e se sentiu". Beijo!

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  12. Oi Isabel, linda essa resenha. Sinto até vergonha de dizer que não conhecia a obra, lembro muito vagamente do título, e adorei saber do que se trata. Acho que abordar temas mais sérios e pesados é necessário, até porque nossa vida não se faz só de nuvens de algodão doce.
    E acho que esse saudosismo sempre vai existir, independente do estilo de infância que se teve - exceto, claro, os casos que você citou.

    Beijos

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  13. Oi, Isa
    Concordo muito com você, acho que não existe essa história de rotular "infância de verdade" e "infância de mentira" porque em uma as crianças passam os dias brincando na rua, com as mães gritando para entrarem e etc.
    O livro parece muito bom, já ouvi falar dele meio por alto não fazia ideia do que se tratava. Confesso que fiquei bem curiosa e o acrescentei na minha lista de leituras (que, por incrível que pareça, é anotada na minha agenda e não no Skoob!)

    Gih,
    atualizado, comenta?
    Jeito Inédito

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  14. Oi, Isabel!
    Já vi e li sobre este livro em vários lugares, mas nunca o li mesmo.
    Parece ser ótimo! Depois da sua resenha, deu até mais vontade! haha
    Beijos, flor!
    http://critiquinha.com/

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  15. Hoje em dia o otulo para infancia é diferente daquele de alguns anos atras,mas é uma variação,como voce disse. Aliás, amei a resenha! Nunca li o livro, mas parece ser muit bom pelo que voce falou (aliás,adoro suas resenhas!Voce fala tudo sem "spoilar" muito o livro *-*).
    Depois da sua resenha, fiquei até estimulada a ler C:
    Ah eu tambem nao gosto da série , milagre achar alguém que nao goste!rsrs Os livros eu amo, mas a série nao consigo ver, é muito diferente rsrs
    Um grande beijo!
    Pâm
    http://interruptedreamer.blogspot.com.br/

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    1. haa, obg :) tento não dar spoilers, pq sei que isso pode estragar a leitura de um livro...

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  16. Adorei a história do livro e concordo com sua frase do final, só se escreve realmente bem sobre o que você conhece.
    Também concordo com suas colocações sobre a infância. Infelizmente, os anos passam e as coisas mudam, nem sempre pra melhor. Confesso que eu iria preferir meus futuros filhos brincando na rua com os coleguinhas, mas com a violência que temos hoje em dia - que tende a piorar -, a melhor opção será que brinquem dentro de casa.
    Sobre a resenha, juro que estou tentando encontrar palavras que possam descrever o que pensei e senti quando li, mas não consigo encontrá-las. Como foi citado acima, fico até com vergonha por dizer que não conhecia muito bem e que nunca li.
    Beijos, Carol - Le-Rêveur ♥

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  17. Adorei o começo do post
    eu te entendo perfeitamente, minha infância tbm foi parecida com a sua
    e tbm lia Monteiro Lobato *------*
    Eu não conhecia o sol é para todos
    parece ser bem reflexivo, eu gostei, tem cara de infãncia, de livro velhinho daqueles do sebo #jáquero!

    Adorei a resenha, beijos.

    PS.: Que bom que gostou da mixtape lá no blog, fico MUITO feliz!

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