Overdose: produções de época – parte dois

Como eu já disse, é tudo culpa de Jane Austen – eu não gostaria tanto de produções de época se não fosse por ela.

Mas tenho problemas com filmes, principalmente nas adaptações do trabalho da supracitada autora: há uma certa ironia, um certo ar de absurdo que é necessário capturar em uma produção de época caso queira se evitar o água com açúcar. Os três filmes a seguir, porém, conseguiram capturar isso (ao menos em parte) em cerca de duas horas, valendo cada minuto delas.

1. Northanger Abbey (2007)

Catherine, filha mais velha dos Morland, nasceu e cresceu na tranqüilidade bucólica do interior inglês, sempre presente nos livros de Jane Austen – este filme é a adaptação de um de seus livros, talvez o menos conhecido. Sem muita sociedade para freqüentar, seu refúgio sempre foram os livros, que lhe davam maravilhosos devaneios e um desejo por aventura.

Catherine e Henry.

Convidada pelos Allen, amigos da família, Catherine vai a Bath – cidade maior e considerada uma das mais liberais da Inglaterra da época. Lá ela faz alguns amigos: Isabella e John Thorpe, conhecidos de seu irmão e de modos duvidosos, e Eleanor e Henry Tilney, filhos de um general de grande fortuna.

Não tenho certeza, mas provavelmente a escritora Cassandra Clare bebeu dessa fonte, inspirando Tessa (As peças infernais, resenhas aqui e aqui) em Catherine.No início inocente e sonhadora, Catherine realmente embarca no processo de “se tornar uma heroína”, ganhando força e qualidades sem perder a sua essência. Northanger Abbey é o único livro de Jane que me falta ler, e essa adaptação de 2007 foi a única para o cinema que realmente me lembrou a ironia e crítica social da autora.

2. Jane Eyre (2011)

O que mais me agrada no gênero Coming of age é a diversidade: uma obra que assim se intitule pode falar das dores de crescimento de crianças, adolescentes, adultos e até mesmo idosos.

Jane Eyre fala das três primeiras fases. Depois de passar a infância com primos agressores e uma tia que a odeia, a orfã Jane vai para uma escola de caridade para moças, onde aprende o pouco conhecimento reservado para aquela época. Uma aluna brilhante, a srta.Eyre logo se cansa da pequena escola, e vai trabalhar como perceptora (uma espécie de professora particular residente) na casa do Sr.Rochester, um solteirão rico de hábitos reclusos e personalidade instável. Sua pupila é Adéle, uma garotinha francesa que virou protegida do Sr.Rochester sem razões aparentes.

Dos mocinhos dessa época, o Sr.Rochester é meu favorito - embora o bom senso do Sr.Knightley de Emma me agrade, os vivos defeitos deste quase anti-herói o tornam mais real. Jane não fica muito atrás: seus questionamentos sobre as limitações das mulheres (principalmente aquelas sem muito dinheiro, como ela mesma) e suas reflexões sobre a alma humana são tão pertinentes quanto atuais. Jane Eyre virou um de meus livros favoritos logo na primeira leitura, e esta adaptação de 2011 da BBC films (sempre a BBC films) não deixa a desejar.

3. Desejo e reparação

Robbie (filho da criada de uma grande casa) não se deixou acanhar pelas barreiras de classe, dedicando-se aos estudos desde criança. Depois de ganhar uma bolsa para uma escola local, ele tem sua universidade custeada pelo patrão da mãe, dedicando-se agora à polêmica empreitada de se tornar médico – mais anos de estudo para alguém sem um tostão furado não é visto com bons olhos.

Seu relacionamento com os filhos da casa é bem distinto. Leon, o mais velho, o trata com extrema camaradagem. Brionny, a caçula, o ama como um irmão, nutrindo também uma certa paixão platônica não tão inofensiva. Já Cecelia (ambos tem mais ou menos a mesma idade) o ignora, supostamente por fazerem parte de “círculos sociais” diferentes – o que é, na verdade,  um engodo para esconder seus reais sentimentos.

Depois de ter um péssimo dia, Brionny (uma aspirante a escritora de mente fértil) pensa ter visto algo, acusando Robbie de um terrível crime. Com sua palavra e uma carta dúbia, a garota faz com que Robbie vá para a prisão. Três anos depois uma escolha é lhe dada: o exército (que lutava na segunda guerra mundial) ou terminar a sua sentença – a morte não parece tão ruim frente a falta de liberdade.

Desejo e reparação é um filme lindo, daquele tipo que te faz ter vontade de deitar em posição fetal e chorar. Embora a personalidade dos personagens não seja tão desenvolvida em prol dos acontecimentos, os sentimentos – as saudades de Robbie e Cecelia, o arrependimento de Brionny – são palpáveis.

Leia a primeira parte dessa série de posts aqui, onde falo de três mini séries fabulosas.

As fotos desse post são retiradas daqui.